Quando pequeno, tinha comigo já em meu imaginário o nome de Pelé como algo transcendente. Mal começava a ler e o interesse, em boa parte provocado por meu pai, era pelas revistas Placar, que ele comprava na banca sempre a cada quarta-feira. O nome do grande jogador à época era o de Zico, mas sempre que viu falar de Pelé era como se fosse alguém de outro mundo, um super-herói maior do que o camisa 10 do Flamengo e da seleção brasileira.

Eu já sabia que craque geralmente vestia a 10 em campo, só não sabia ainda que era por conta do tal Pelé. Quando fui ganhando mais consciência sobre o que representou, de fato, aquele jogador para o mundo do futebol, imaginava também como seria se de repente ele morresse. Afinal, era o Rei – como também pensava o mesmo de Roberto Carlos. Na cabeça de uma criança, com as histórias infantis, ser rei era um título que só alguém muito importante poderia ter.

Foi em um sábado, 8 de março de 1958, que Pelé foi “coroado” Rei. O decreto com o título veio em uma coluna de Nelson Rodrigues no jornal Manchete Esportiva. Ele soltava ali nos caracteres, impressionado, suas impressões sobre o adolescente de 17 anos que na semana anterior – mais precisamente no dia 26 de fevereiro – havia marcado quatro dos gols do Santos na vitória sobre o América por 5 a 3. O palco do espetáculo? O Maracanã, onde ainda faria muitas vezes as vezes de algoz dos cariocas. O jornalista e dramaturgo profetizava o que aconteceria dali a três meses, na Suécia. O menino Rei, cuja carreira, pelos recursos técnicos de sua época, não foi devidamente registrada em vídeo, mas a amostra abaixo, mesmo que em resolução às vezes precária, dá ideia do quão fenômeno ele foi em campo.

Quando pequeno, tinha comigo já em meu imaginário o nome de Pelé como algo transcendente. Mal começava a ler e o objeto de interesse, em boa parte provocado por meu pai, esmeraldino, vascaíno e palmeirense, eram as revistas Placar que ele comprava para mim na banca perto do trabalho, sempre a cada quarta-feira.

O grande jogador à época era Zico, mas minhas memórias infantis se recordam de como se falava muito de Pelé naquele tempo, como alguém de outro mundo, um super-herói ainda maior do que o camisa 10 do Flamengo e da seleção brasileira.

Eu já sabia que craque geralmente vestia a 10 em campo, só não sabia ainda que era por conta do tal Pelé. Quando fui ganhando mais consciência sobre o que representou, de fato, aquele nome para o mundo do futebol, imaginava também como seria se, de repente, ele morresse. Afinal, era o Rei – como também pensava o mesmo de Roberto Carlos. Na cabeça de uma criança, com as histórias infantis, ser rei era um título que só alguém muito importante poderia ter. Então, como seria sentida a morte de alguém assim?

Foi em um sábado, 8 de março de 1958, que Pelé foi “coroado” Rei. O decreto de monarca veio em uma coluna de Nelson Rodrigues no jornal Manchete Esportiva. Ele jogava ali, impressionado, suas impressões sobre o adolescente de 17 anos que na semana anterior – mais precisamente no dia 26 de fevereiro – havia marcado quatro dos gols do Santos na vitória sobre o América por 5 a 3. O palco do espetáculo? O Maracanã, onde ainda faria muitas vezes as vezes de algoz dos cariocas. O jornalista e dramaturgo profetizava o que aconteceria dali a três meses, na Suécia. O menino Rei, cuja carreira, pelos recursos técnicos de sua época, não seria devidamente registrada em vídeo. Mas qualquer coletânea de alguns de seus bons momentos, como a abaixo, mesmo que em resolução às vezes precária, dá ideia do quão fenômeno ele foi em campo.

Com o Rei, o País enterrou o “complexo de vira-latas” – outra expressão eternizada por Nelson –, que carimbou a alma do brasileiro especialmente depois da derrota para o Uruguai, no “Maracanazo” de 1950. Com o Rei, seus súditos colegas de trabalho ganharam respeito mundial e seus demais súditos, todos os compatriotas, ganharam muitas vezes uma espécie de passaporte privilegiado mundo afora: “Brasil, Pelé, futebol!?”. E, nessa linguagem, até hoje tudo fica mais fácil (ou, pelo menos, menos difícil) em país estrangeiro. Pelé, com seu talento e seu carisma, deu ao povo identidade com autoestima.

Por isso tudo, minha imagem do momento final do Rei nesta Terra tinha algo mais pomposo. Ou muito mais. O Brasil deveria ter realmente parado, como havia sido paralisado outras vezes, nos féretros de Getúlio Vargas (1954), Tancredo Neves (1985), Ayrton Senna (1994) e até mesmo da banda Mamonas Assassinas, de sucesso tão efêmero quanto curta foi a carreira até o acidente aéreo, em 1996.

Claro que vários fatores colaboraram para ter sido como foi: a morte no fim do ano, com as comemorações no réveillon, o clima tenso com as ameaças terroristas de golpistas, a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para seu terceiro mandato, a morte de um papa, Bento XVI, entre outras questões.

Um fator afetivo também parece ter pesado: a estreitíssima ligação de Pelé e sua família com a cidade de Santos. Pelé nasceu na mineira Três Corações e cresceu em Bauru, no interior paulista, mas não tem comparação o vínculo com o lugar que o recebeu e ao qual projetou mundialmente. Uma cerimônia final em São Paulo ou no Rio de Janeiro atrairia muito mais gente, mas trairia gente que o viu a vida toda. A própria família dele mora lá. Não teria outro lugar que não fosse o estádio da Vila Belmiro para o último adeus. E foi assim que Pelé honrou até o fim a Santos e o Santos.

Com todos os percalços, porém, não dá para não se entristecer com o comportamento de clubes e jogadores. Somente três dos clubes da elite do futebol brasileiro designaram representantes oficiais para o funeral: Botafogo, São Paulo e Palmeiras. Ora, a morte daquele que dá razão para o Brasil ser chamado “o País do Futebol” não merecia a atenção de todos os que estão na esfera do esporte?

Da mesma forma, é incompreensível que os jogadores campeões mundiais em 1994 e em 2002, à exceção de Mauro Silva – volante da conquista do tetra e hoje diretor da Federação Paulista de Futebol – não tenham comparecido ao funeral do Rei.

Quando Kaká disse, em meio à Copa do Mundo do Catar, que os brasileiros não costumam ser gratos a seus ídolos e que Ronaldo seria apenas mais um “gordo” nas ruas do País, estava reagindo às reclamações da torcida sobre o modo com que eles se portam. E a comparação é a mais séria possível: a da rivalidade. Enquanto os ex-jogadores argentinos se misturavam à “hinchada” – “torcida”, em espanhol –, os pentacampeões Cafu, Ronaldo e Roberto Carlos eram vistos apenas nas tribunas de honra dos estádios. Quando a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) marcou uma homenagem a Pelé em Doha, durante a Copa, os craques nacionais estavam por lá, na mesma cidade. Ninguém apareceu. Quem fez as vezes foi… o lateral Javier Zanetti, um argentino.

E aí vem outra comparação: a morte de Maradona, em novembro de 2020. Era o auge da preocupação mundial com a pandemia, ainda não havia vacina disponível. Seria fácil aos jogadores argentinos formarem com isso uma “desculpa válida” para se ausentar das homenagens ao craque. Entre outros menos famosos – e o elenco inteiro do Gimnasya Y Esgrima, time que fora treinador por Dieguito –, estiveram por lá Tévez, Gallardo, Oscar Ruggeri, Jorge Burruchaga, Héctor Enrique, Julio Olarticoechea, Oscar Garré, Nery Pumpido, Sergio Batista, Luis Islas, Ricardo Giusti, Maxi Rodriguez, Mascherano, Goycoechea, Palermo, Heinze e Kily González.

De todas as ausências, porém, a mais indesculpável foi a de Neymar. Para uma analogia bem simples, se Pelé é eternamente o Rei, Neymar seria o príncipe: é o maior jogador da história do Santos, à exceção dele. Ou seja, não era só uma questão de estar na cerimônia “apenas” como atleta mais importante do Brasil desde a aposentadoria de Ronaldo e Ronaldinho Gaúcho. Neymar é umbilicalmente ligado a Santos.

Mais do que isso, ainda: supondo que o jogador do Paris Saint-Germain – camisa 10, a de Pelé, em um time que tem Mbappé e Messi, note-se a honraria – não gostasse de funerais ou não estivesse com a mínima vontade, era a hora de um assessor de verdade lhe dizer: “Cara, não tem como você não ir, veja quem é você e quem é Pelé na história do Santos!”, diria. E então lembraria que Neymar nunca foi unanimidade na torcida brasileira, que tomou posicionamento político forte para eleger seu preferido em um País dividido, que tem fama de farrista, de superficial, de manhoso, de “cai-cai” em campo. A ida de Neymar serviria, no fim, muito mais a ele como esse efeito “resgate de imagem”. E não seria sacrifício nenhum, já que o próprio clube não teria problema em liberá-lo – chegaram a querer botar a culpa nos árabes que mandam no PSG.

A verdade que é difícil de aceitar é que os tempos midiáticos atuais transformaram Neymar em menos jogador do que influenciador digital. Semanas atrás, estava ele se metendo em uma polêmica entre humoristas, defendendo Gkay em um bate-boca virtual com Fábio Porchat por causa de piada. Dois dias depois, Pelé morreria e Neymar fez uma publicação no Instagram, como homenagem. E nada mais.

Pelé se foi e homenagens são necessárias além do protocolo. Ocorre que nem o protocolar foi executado por aqueles que deveriam. Não mudaria nada? Como Kaká disse, com razão, embora pelos motivos errados, o brasileiro não é o melhor amigo do brasileiro que faz sucesso. Prova disso foi o que não fez o próprio Kaká, assim como seus colegas de penta, bem como os craques do tetra.