Ex-vice-presidente regional publica carta em que diz que “ambiente interno está intoxicado, no qual se aplica o fisiologismo como método de cooptação, a degola e demissão sumária de quem criticam”

Deputada estadual Isaura Lemos: ela, o marido Euler Ivo e a filha Tatiana Lemos “tomaram” o PCdoB goiano
Deputada estadual Isaura Lemos: ela, o marido Euler Ivo e a filha Tatiana Lemos “tomaram” o PCdoB goiano
Ex-deputado Aldo Arantes quer voltar ao Congresso  //  Luiz Carlos Orro: descontentamento tornado público
Ex-deputado Aldo Arantes quer voltar ao Congresso // Luiz Carlos Orro: descontentamento tornado público

Frederico Vitor

Em menos de três anos de retorno ao PCdoB, o casal Euler Ivo e Isaura Lemos deflagra a primeira grave crise interna na sigla comunista em Goiás. O atrito entre a ala ideológica da legenda, formada pelo ex-deputado federal Aldo Arantes, ex-deputado estadual Fábio Tokarski e a ex-vereadora Denise Carvalho, com o grupo oriundo do PDT, foi deflagrado por conta de discordância em relação aos rumos políticos do partido.

Ao retornarem a sigla comunista em Goiás, o ex-vereador Euler Ivo, a deputada estadual Isaura Lemos e sua filha, a vereadora por Goiânia Tatiana Lemos, trouxeram considerável número de militantes que o serviam quando controlavam o PDT goiano. Fortalecidos e superiores numericamente, o grupamento tem sido acusado pela ala ideológica de agir agressivamente em prol de interesses que beneficiam a família, em detrimento do consenso político geral do partido.

O ponto alto da crise foi escancarado pela publicação de uma carta assinada pelo ex-vice-presidente estadual da legenda Luiz Carlos Orro, na qual expôs publicamente a insatisfação de antigos militantes com atitudes classificadas como “incivilidade política, prática de exclusão e de amputação” impetrada pelos quadros vindos do PDT.

Com o título explosivo de: “O PCdoB de Goiás não merece e não pode viver sob o poder obsessivo do grupo que veio do PDT”, há um trecho na carta em que fica explícito o descontentamento e decepção com os rumos tomados pela legenda sob a direção de Isaura Lemos: “Quem foi recebido de braços abertos há poucos anos, agora decide quais cabeças vão rolar. A prosseguir nesse desvio de rota, o recado é claro, para dentro e para fora: o de que o partido agora tem dono.”

Isaura, Euler e a filha Tatiana Lemos se filiaram ao partido no dia 7 de outubro de 2011, após vários anos de comando do PDT goiano. Com apoio da direção nacional do PCdoB, que buscava seu crescimento em todo País com agregação de novos quadros e militantes, ficou entendido que estes seriam bem-vindos novamente à legenda comunista, desde que fizessem um processo de autocrítica e que respeitassem as características de um partido marxista-leninista. Ou seja, as decisões são tomadas coletivamente após exaustivos debates e, havendo divergências, a minoria se submete à maioria.

Aprovada a refiliação e, em sinal de credibilidade e confiança ao grupo que retornava, Isaura foi eleita no ano passado presidente do comitê estadual do PCdoB. Desde então, o partido tem sido acusado de dançar conforme a música da deputada, do marido e da filha vereadora. O primeiro episódio que gerou atritos entre o grupo egresso do PDT e os militantes históricos se deu com a deliberação da candidatura de Isaura Lemos à Prefeitura de Goiânia em 2012.

A decisão da legenda de disputar o Executivo da capital, apesar do amplo consenso interno e da direção nacional do partido, gerou — veladamente — descontentamento por parte de militantes e antigas lideranças, já que é uma posição histórica do PCdoB, desde 1989, se posicionar sempre como aliado preferencial do PT — alguns quadros afirmam que a candidatura desastrada trouxe prejuízo político e isolamento do partido. Além disso, comunistas ocupavam cargos-chave na administração do prefeito Paulo Garcia (PT), como por exemplo, o próprio Luiz Carlos Orro, que era titular da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer.

Contudo, a crise teve seu pico com a inclinação de Isaura Lemos ao projeto político do empresário peemedebista José Batista Júnior, o Júnior Friboi. Mesmo que o partido ainda não tenha manifestado apoio oficial a qualquer governadoriável, a preferência dos quadros ideológicos é pelo alinhamento do PCdoB ao ex-prefeito de Anápolis e pré-candidato ao governo estadual, Antônio Gomide (PT).

Outro fato que vem repercutindo e que gerou contendas internas é o plano de candidatura da vereadora Tatiana Lemos a uma vaga na Câmara dos Deputados nas eleições deste ano. Desde os tempos de PDT, o casal sempre usou a tática de concorrer em eleições proporcionais tanto ao Legislativo federal quanto estadual. Como Euler Ivo é impossibilitado de registrar candidatura, por conta de pendências na Justiça eleitoral que o incluiu na lista dos “ficha sujas”, sua filha assumiu desde então a tarefa de ser a representante do clã na disputa por uma cadeira na plenária do Congresso Nacional.

Entretanto, esta manobra desagrada a outra ala do PCdoB que é favorável à candidatura do ex-deputado federal e ex-presidente da União Nacional dos Estu­dantes (UNE) Aldo Arantes. Eles entendem que o momento é propício a eleição do anapolino, por ser uma figura histórica e por ter consistência e capilaridade eleitoral. Em relação a Tatiana Lemos, os ideológicos a consideram frágil eleitoralmente além de classificarem sua postulação à Câmara dos Deputados como meio de promovê-la em preparação a sua reeleição ao Legislativo municipal, dando prosseguimento à sistemática da família de sempre colocar um integrante no parlamento estadual e outro no municipal.

“Nossas posições se decidem internamente”

Bruno Pena: “O estatuto não permite grupos no PCdoB”
Bruno Pena: “O estatuto não permite grupos no PCdoB”

A reportagem procurou ouvir militantes e quadros que exercem papel de liderança do PCdoB de ambos os lados. Na noite de terça-feira, 15, houve uma reunião com a direção estadual do partido e, ao final, foi aprovada a elaboração de uma nota em resposta à carta assinada por Luiz Carlos Orro. Aldo Arantes declarou ao Jornal Opção que, como dirigente nacional da legenda não gostaria de fazer comentários sobre a crise. “O caso é objeto de discussão. Não gostaria de fazer comentários. No momento em que o PCdoB avançar em suas discussões eu me manifesto”, afirmou.

A deputada Isaura Lemos também foi ouvida e disse que a contenda está sendo resolvido internamente e que se pronunciaria por meio da nota divulgada na manhã de quarta-feira, 16. “Posições internas se decidem internamente e no partido não há grupos”, disse. O advogado e presidente do comitê municipal de Goiânia do PCdoB, Bruno Pena, afirmou que dentro do partido há uma determinação estatutária que não permite a existência de grupos. Neste caso, segundo ele, houve uma insubordinação de Orro, que não estaria acompanhando os rumos do partido.

Bruno Pena defende que a maioria segue o que é decidido nos fóruns institucionais e que um pequeno grupo vem se insurgindo contra esta liturgia partidária. “No dia 26 deste mês todas as questões levantadas por Orro serão avaliadas e terão respostas às questões. Um quadro com mais de 30 anos de militância que expõe publicamente questões que não foram tratadas internamente é uma situação lamentável.”

Bruno Pena, que é ligado a Isaura e Euler Ivo, afirma que não existe o suposto alinhamento da deputada ao projeto do pré-candidato Júnior Friboi. De acordo com ele, a posição do PCdoB é de união com toda a oposição goiana. Ele diz que, caso não ocorra o surgimento de uma ampla frente oposicionista, os fóruns do partido decidirão de que lado a legenda deverá caminhar. Tal decisão será tomada pela convenção marcada para o mês de junho. “A prioridade é a reeleição da presidente Dilma Rousseff (PT) e a união dos principais partidos de oposição em Goiás. Estamos aguardando a definição do quadro político para nos posicionarmos.”

A nota oficial divulgada pelo Comitê Estadual de Goiás do PCdoB em resposta à carta de Orro diz que a atitude foi individual, pessoal e destoante da posição do partido. A resposta afirma que na legenda comunista “todos são livres para manifestar suas opiniões, posições e divergências, de forma responsável, nas discussões partidárias, seja nos órgãos partidários, e em alguns casos até publicamente. Contudo, tal liberdade se dá até construção da posição partidária, que uma vez definida submete todo o Partido. No PCdoB não há grupos ou tendências, e todo o partido tem seguido unido o rumo traçado pelos seus órgãos de direção.”

A nota diz também: “O princípio nuclear de qualquer regime democrático é fazer prevalecer a vontade da maioria. É assim que se constitui o consenso que legitima a hegemonia nas sociedades. Porém, acontece, às vezes, de um militante, quando sua ideia é derrotada na discussão política, reagir ao centralismo, embora tenha se valido da democracia para discutir e votar uma questão. Insurge-se, oportunistamente, contra o resultado desfavorável, de determinada construção partidária, após participar de sua discussão.”

“As críticas, acusações, e inconformismos apresentados serão discutidos pelo Comitê Estadual, que apresentará uma resposta partidária à questão, construída de forma legítima e democrática. O PCdoB em Goiás tem apresentado elevados índices de crescimento em todo o Estado nos últimos três anos. O partido recebeu mais de cinco mil novos filiados, avançou de pouco mais 30 para mais de 120 municípios onde se encontra organizado e de 8 para 25 vereadores. E todos os dias novas pessoas têm se filiado e reafirmado o correto rumo do Partido, em macha para o êxito de nosso projeto.”

“Isaura e Euler Ivo excluem setores importantes do partido”

Egmar Oliveira: “Interesse familiar está acima do coletivo” // Euler Ivo é alvo de críticas do grupo ideológico do PCdoB // Vereadora Tatiana Lemos deve se candidatar à Câmara dos Deputados
Egmar Oliveira: “Interesse familiar está acima do coletivo” // Euler Ivo é alvo de críticas do grupo ideológico do PCdoB // Vereadora Tatiana Lemos deve se candidatar à Câmara dos Deputados

O advogado e presidente da Comissão da Verdade da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e militante do PCdoB desde 1980, Egmar José de Oliveira, afirma que Isaura Lemos, Euler Ivo e Tatiana Lemos ao ingressarem ao partido adotaram uma tática contrária ao que haviam prometido, ou seja, a da autocrítica e a predisposição de se submeterem ao coletivo partidário. “O fato é que, hoje, a política implementada por Isaura e por Euler Ivo é de exclusão de setores importantes do partido.”

Egmar Oliveira, que foi por nove anos conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, diz que Isaura e Tatiana Lemos usam da prevalência de seus mandatos parlamentares em detrimento do coletivo partidário. “As questão não são discutidas coletivamente. Tomam-se as decisões no seio familiar, o ue contraria o caráter e a essência do PCdoB, que é a de decisões emanadas do coletivo.”

O comunista afirma que o mandonismo no PCdoB goiano se dá em todas as questões, inclusive em relação ao projeto eleitoral deste ano e a posição do partido. “Vi outro dia uma declaração de Isaura acompanhada de Júnior Friboi em uma caravana pela região da Estrada de Ferro. O projeto eleitoral do partido não pode ser confundido com o de determinadas pessoas ou família. Esta é a grande questão”, diz. Para Egmar Oliveira a legenda tem uma política muito clara e já definida em seu último congresso, que é a de trabalhar pela reeleição da petista Dilma Rousseff. “Fazemos parte da base do governo federal e participamos a nível nacional com vários cargos importantes.”