Para qual planeta o seu neto vai se mudar?
31 janeiro 2015 às 11h04
COMPARTILHAR
Até quando a Terra será habitável para as pessoas? Cientistas consideram que o fim da vida humana aqui é questão de quando ocorrerá. E o “quando” não chega à metade do século
Elder Dias
O filme “Interestelar”, dirigido por Christopher Nolan e lançado em 2014, fala de um futuro sem data, mas hoje menos imprevisível do que ainda desconhecido. Nele, a Terra está exaurida: a variedade de alimentos é baixíssima e, dos poucos cultivos que sobraram, as pragas arrasaram com a cultura de trigo. Restaram quiabo e milho. Em um mundo sombrio, onde só chove poeira, Cooper — personagem de Matthew McConaughey — é um engenheiro americano que tem de se virar como fazendeiro para sobreviver.
Todos ali sabem que é questão de tempo — e pouco tempo — para o fim da humanidade no planeta. A chance de sobrevivência da raça é encontrar outro lugar no espaço com condições mínimas para ser habitado. E Cooper acaba por se tornar comandante de uma nave de expedição da Nasa que, através de um buraco de minhoca — uma espécie de atalho espaço-temporal entre galáxias —, tenta encontrar o planeta ideal entre três que foram anteriormente localizados e prospectados por antigos astronautas.
A saga de Cooper e seus companheiros não interessa aqui. A ficção científica serve apenas para colocar uma questão básica: até quando a Terra será habitável para os humanos? Até que geração isso poderá ocorrer? Questões que ganham mais contextualização quando se observam fenômenos como secas e enchentes, ondas de calor, tempestades e outros começarem a fazer parte da rotina. A crise hídrica de São Paulo não é um problema só de má gestão política — e quem pensa assim ou é maldoso, ou alienado, ou mesquinho, ou adversário político. Ou tudo isso junto.
Alguns cientistas, que certo conceito geral ainda teima em considerar céticos, já afirmam que a humanidade acabar por “falência múltipla de recursos naturais” não é mais uma questão de “se”, mas de “quando”. Outros, que seriam vistos como céticos xiitas, já apontam “deadline”, a data limite para o fim. Em abril de 2014, Guy McPherson, professor emérito da Universidade do Arizona (EUA) e um dos especialistas mais influentes de seu país no tema mudanças climáticas, concedeu meia hora de entrevista nada animadora a uma rede de televisão. Sua ideia é de que o aquecimento global vai causar a extinção dos humanos até 2040. Ou seja, o Homo sapiens sapiens não teria qualquer chance de conhecer a segunda metade deste século.
No século 18, quando se iniciou a era industrial, havia na atmosfera, em gás carbônico (CO2), um índice de 280 ppm [partes por milhão]. Atualmente, essa suspensão superou 400 ppm, algo que não ocorreu na Terra nos últimos 800 milhões de anos. Citando seu ex-colega de universidade Albert Bartlett, McPherson diz: “O maior defeito da raça humana é nossa incapacidade para compreender a função exponencial.”
O cientista coloca esse ponto para explicar, por meio de dados sobre a quantidade de gases (CO2, metano e outros) que compõem o efeito estufa e são liberados na atmosfera, que a temperatura do mundo vai subir 4º C até 2030 e mais 10º C nos dez anos seguintes. A frase clássica apocalíptica tirada dos escritos de Nostradamus dizia que “[o ano] 1000 passará, [o ano] 2000 não chegará”. Transpondo para a previsão científica de McPherson, seria algo como “2030 chegará, mas 2040 não passará”.
O vídeo da entrevista, chamado “Cientistas preveem extinção da humanidade até 2040”, é legendado e pode ser acessado facilmente pelo YouTube. Apesar das tentativas do apresentador em buscar uma solução, McPherson se mantém ao mesmo tempo sereno e fleumático ao apresentar suas considerações. Outra delas: “Nós estamos provocando a extinção de cerca de 200 espécies por dia e, em algum momento, a espécie que mergulhará no abismo seremos nós.”
A metáfora é quase a ideal. Para o pesquisador do Arizona, na verdade, o homem já pulou do abismo, mas ainda não atingiu o seu choque fatal. Está, porém, em um estágio já irreversível para sua sobrevivência, como o indivíduo que se joga de um arranha-céus e ainda vê as janelas passarem. A argumentação é um xeque-mate: “Descobrimos só agora que, na verdade, o aquecimento produzido pelo efeito estufa sofre um atraso de 40 anos em relação à sua emissão.” Ou seja, o calor de hoje é resultado do que foi jogado na atmosfera até 1975. Ocorre que, nas últimas três décadas — portanto, desde meados dos anos 80 — o que foi gerado de poluição supera o que se produziu nos 250 anos anteriores.
A solução para uma salvação do mundo? Para tentar barrar o apocalipse, só optando por outro: estancar toda e qualquer atividade industrial. Um cenário improvável num momento em que fenômenos meteorológicos ainda são interpretados apenas como uma “marolinha” do sr. Tempo.
Mesmo sendo bem menos cético, o respeitado climatologista brasileiro Carlos Nobre diz que nos próximos 20 anos não há o que fazer em termos de mudanças climáticas. “O clima do planeta já está determinado pelas emissões que fizemos”, concordando, nesse ponto, com McPherson. Abordando economia, recursos e ética intergeracional — como lidar agora pelo futuro das próximas gerações —, ele afirmou que é “arrogante de nossa parte fazer julgamento sobre o que as gerações futuras vão considerar justo e equitativo”, em entrevista à TV Cultura para o programa “Invenção do Contemporâneo”.
Sobre a sobrevivência da espécie, ele é otimista. “Somos bastante adaptáveis. Não se pode dizer que o risco de extinção é zero, mas é muito pequeno. Em longo prazo, esse risco não passa por uma mudança climática, mas um cataclismo, como a colisão de um grande meteoro com a Terra”. Dentro do que seria otimismo, há fatos que não são exatamente animadores.
“Se parássemos as emissões de gases hoje, o nível do mar continuaria a subir durante os próximos 2 mil anos. São cálculos preocupantes. A previsão até 2100 vai de 80 centímetros a 1,40 metro — o que já é um grande aumento —, mas no fim de todo o período seria algo de 3 a 7 metros a mais. São perturbações de grande monta. Com elevação do mar em 1 metro, seriam já grandes as transformações na linha costeira — basta dizer que 20% da população mundial vive em região até 6 metros do nível do mar.”
O fim do mundo é a gente quem faz. Ou evita
Quando se fala em “fim do mundo”, geralmente se pensa na queda de meteoros, em invasão de marcianos ou na volta de Jesus para o Juízo Final. Talvez seja algo até inconsciente, para conforto próprio, mas o homem acaba assim, com esses modelos apocalípticos, transferindo para algo externo o que deveria ser, por princípio, uma responsabilidade sua: fazer sua parte, cuidar de sua casa. Não há como impedir que um raio destrua a própria habitação, mas é possível evitar que ela não desabe cuidando de infiltrações e corrigindo as rachaduras.
Os avisos de que algo não está bem com a casa-Terra são dados há várias décadas e o maior deles é o efeito estufa. Uma corrente científica apostou alto no menosprezo à tese do aquecimento global, como se fosse algo que nada tivesse a ver com o processo de industrialização. Agora, pelo que se percebe, parece que tal linha começa a mostrar-se totalmente equivocada, mas tendo já causado, como consequência, sério atraso no combate à emissão de gases.
Isso não significa que algo de fato talvez tivesse sido feito. Depois de um duelo armamentista-nuclear na segunda metade do século passado, observamos agora uma corrida econômico-industrial. Os dois países que lutam para ser a grande potência mundial, China e Estados Unidos, não assinaram os tratados de redução de emissão dos gases, porque isso significaria redução no ritmo de crescimento, recessão em seus países e até perda do conforto de suas sociedades.
E, então, tem-se um problema ético: sacrificar certa comodidade agora para garantir não apenas o conforto, mas condições de sobrevivência das próximas gerações. Partindo do ponto de vista de tal cenário global, a crise hídrica que vive o Sudeste brasileiro — não que o Centro-Oeste não esteja também sofrendo consequências, pelo contrário — parece apenas uma leve dor de cabeça.
Supondo (e torcendo bastante para) que Guy McPherson esteja errado, o que há a fazer? A receita já é antiga: consumir menos, e da forma mais sustentável possível. Hoje, por exemplo, parte da população dos Estados Unidos usa um par de tênis só até que ele fique sujo. Depois, o calçado é jogado fora. Enquanto isso, na África há pés que não conhecem o que seja sapato ou sandália. Tal exemplificação não apresenta uma mera discussão econômica — é obviamente ambiental também, quando se pensa na questão ética e de desequilíbrio de consumo.
Para não ver netos (ou até filhos) buscando desesperadamente por um novo planeta como única e última chance, à semelhança da ficção de Christopher Nolan, é preciso que todos cumpram deveres. O que hoje não é feito pela pessoa que hoje joga a garrafa plástica na rua mesmo estando a poucos metros da lixeira — um exemplo bem banal — nem pelo governante que resolve ignorar o potencial bioenergético de seu país por conta de um achado econômico relativamente valioso, mas anacrônico. Foi o que, por exemplo, o então presidente Lula fez ao abandonar o incentivo ao etanol como combustível, assim que anunciada a descoberta do pré-sal.