Pacote de bondades inviabiliza gestão de 70% dos municípios goianos, diz entidade
10 julho 2022 às 00h00
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Redução no repasse e na arrecadação cria temor entre prefeitos de não conseguirem se enquadrar na Lei de Responsabilidade Fiscal
O pacote de bondade do governo federal, que inclui a redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), é alvo de duras críticas de prefeitos que já contabilizam os prejuízos para administração. Cálculos apontam que só a redução do ICMS fará com que Goiás tenha uma perda de arrecadação de R$ 3 bilhões até o fim deste ano, em consequência os municípios também sofreram redução nos repasses.
Medidas federais do Legislativo, do Executivo e do Judiciário que afetam as finanças municipais somam impacto imediato de R$ 73 bilhões ao ano para os Municípios. Segundo dados da Confederação Nacional de Municípios (CNM), o impacto, caso pautas ainda em tramitação sejam aprovadas, pode chegar a R$ 250,6 bilhões. Os valores são referentes à redução de receitas, aumento de despesas e liminares que impedem redistribuição de recursos. Apenas o potencial impacto de medidas da União e do Congresso sob as finanças municipais (R$ 136,3 bilhões/ano) corresponde a 16,7% da Receita Corrente Líquida dos Municípios em 2022.
“Esse é um cenário que inviabiliza de imediato a gestão de 176 municípios goianos, ou seja, 70% das cidades já começarão a ter dificuldades”, diz o presidente da Federação Goiana de Municípios (FGM), Haroldo Naves.
O presidente da FGM ainda ponta que não há nenhuma expectativa de crescimento da arrecadação no próximo ano, mas que as instâncias federais estão criando despesas estruturais para os Municípios. Exemplo disso são as dezenas de propostas de criação de pisos salariais – projetos desse tipo de tramitam no Congresso representam impacto de R$ 44,1 bilhões, fora outros R$ 11,38 bilhões de despesas já aprovadas com reajuste do piso de agentes de saúde e de endemias e criação do piso da enfermagem e R$ 30,46 bilhões do piso do magistério.
“Além dessas despesas há um fator do subfinanciamento do governo federal. Veja que para a merenda escolar é transferido apenas R$ 0,36 centavos para o lanche diário de um aluno. O município precisa complementar com recursos próprios para garantir o alimento. O mesmo ocorre com o custeio da saúde e seus profissionais. Ou seja, os valores que o governo transfere para seus programas não cobrem todo o custo”, diz o presidente da FGM.
Além de prejudicar custeio de obras municipais, como pavimentação, manutenção de escolas e unidades de saúde, Haroldo ainda lembra que o impacto na arrecadação pode se tornar um problema jurídico para os prefeitos. Segundo ele, o gasto com folha de pagamento de servidores passará a consumir mais de 54% dos recursos – limite estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. “Quando se reduz a arrecadação e aumenta o custeio de folha facilmente ultrapassa o percentual permitido. Não tenho dúvida que isso fará com que 90% dos prefeitos fiquem inelegíveis”, diz.
Impacto na educação
O projeto que reduz o ICMS sobre combustíveis, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo e zera os impostos federais de PIS/Cofins e Cide sobre gasolina, etanol e gás natural até 31 de dezembro faz parte do pacote do governo na tentativa de frear a inflação e alta no preço dos combustíveis. Entretanto, Bolsonaro vetou dispositivo que previa a recomposição de verbas para saúde e educação em caso de prejuízo a essas áreas devido à perda de arrecadação. A mudança, incluída pelos senadores, havia sido mantida pelos deputados, a despeito da resistência do governo. Parlamentares e entidades ligadas à educação e à saúde defenderam a inclusão do artigo para evitar perdas para os dois setores.
Com isso, o ensino público pode perder até R$ 21 bilhões de recursos que seriam usados em obras nas escolas, aulas e salários das trabalhadoras e trabalhadores da educação. Já há dois pedidos no STF para declarar inconstitucional a lei, que, como efeito colateral, pode tirar R$ 21 bilhões da educação pública de estados e municípios, segundo estimativas da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca).
Alguns estados chegavam a cobrar até 32% do imposto em determinados tipos de combustíveis. Ao reduzir para um teto de 17% de ICMS há um impacto de até 60% da receita do Fundeb. Isso significa que o fundo terá R$ 17 bilhões a menos — valor que já está dentro dos R$ 21 bilhões projetados de perda total para estados e municípios.
Atualmente, o governo federal e os estados negociam as mudanças no ICMS em reuniões de conciliação organizadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Até agora, já houve dois encontros, mas não houve consenso. Os estados pedem que a alíquota do ICMS sobre o diesel seja calculada com base na média dos últimos 60 meses e que os combustíveis não sejam considerados bens essenciais.