OAB propõe fim de doações empresariais para campanhas eleitorais
16 abril 2014 às 17h34
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Objetivo é que as eleições se tornem mais democráticas e transparentes sem depender do poder financeiro
Yago Rodrigues Alvim
Em setembro de 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou a votação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.650, de autoria da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O objetivo da ação é proibir o financiamento de partidos políticos e campanhas eleitorais com investimentos empresariais. No início deste mês, o Supremo retomou o julgamento. Porém, a decisão final foi adiada.
O Brasil tem umas das mais caras campanhas eleitorais em todo o mundo. O presidente da seccional goiana da OAB, Henrique Tibúrcio, explica que o problema do alto custo das campanhas, devido os investimentos empresariais, é o afastamento de pessoas que querem participar do processo político. Para se eleger um deputado federal no Brasil, é necessário arrecadar R$ 1 milhão, em média. Já um senador precisa de R$ 4 milhões. E 97% dos recursos são frutos de doações de empresas.
A ADI 4.650 auxiliaria na democratização do processo eleitoral. De acordo com Henrique Tibúrcio, a política seria possível para pessoas que não têm o respaldo de empresas. “Um presidente de uma associação de moradores ou uma associação de bairros muitas vezes tem liderança, faz parte de um segmento importante, mas não tem condições de disputar as eleições, pois não tem grandes empresas financiando sua campanha”, exemplifica.
A Ordem dos Advogados sublinha a igualdade para os cidadãos nas eleições. O direito ao voto e a participação na formação da vontade de votar deve ser plena e igualitária entre os brasileiros. “O impacto, primeiro, será em campanhas mais modestas, o que é positivo”, explica Tibúrcio. Os investimentos tem uma limitação muito alta, o que permite as empresas injetarem muito dinheiro nas campanhas e em diversos candidatos, pois querem a garantia de eleição.
“Hoje, o que se observa é que pessoas tanto no Legislativo, quanto no Executivo, que têm campanhas inteiramente financiadas por empresas vão, evidentemente, devolver a essas empresas padrões específico. Acaba legislando, trabalhando no sentido de beneficiar essas empresas”, pontua o presidente. Disso, partiria a corrupção existente no país, “pois, as empresas doando para campanhas, cobrarão essa fatura; o dinheiro que eles investiram, querem de volta”.
Outra problemática é o uso de Caixa 2. A inconstitucionalidade da legislação deixará mais evidente e, consequentemente, mais passível de punição o uso de esquemas. Apenas pessoas físicas poderão fazer doações dentro de um limite determinado e, assim, a quantidade de recursos será menor que a atual. O volume de investimentos é tão grande que facilita o disfarce de arrecadações ilegais.
De acordo com o juiz do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO), Luciano Hanna, as doações feitas por empresas, em sua maioria, são destinadas aos políticos de poder e afirma que “ninguém [nesse caso] faz doação por fazer”. Com os investimentos, as campanhas são mais atrativas. “Quando se tem recurso, o jeito de alcançar o cidadão é mais prático, mais fácil. Com isso, a campanha se diferencia da de outro que não tem esses privilégios, essas doações de empresas”, diz o juiz, observando que isso atrapalharia e desconfiguraria um princípio secular, do cidadão comum estar acima do poder econômico. Além disso, os candidatos que não angariam esses recursos são prejudicados.
Sobre o impacto, Luciano acredita que a disputa eleitoral estaria mais corpo a corpo e o patamar seria um só. Com isso, uma tranquilidade maior para o eleitor na hora de votar. Teoricamente, não haveria todo o volume nas campanhas eleitorais que chegam a confundir a população. Seria mais justo, democrático e até transparente. Hanna comenta sobre uma “mudança cultural” que envolveria a forma de os candidatos se promoverem e até mesmo quanto aos critérios dos cidadãos para elegerem determinado candidato.
Diferenças
A Ação Direta de Inconstitucionalidade questiona a legítima pretensão de pessoas jurídicas participarem do processo político-eleitoral. O presidente Tibúrcio comenta sobre a Constituição do Brasil, que prevê a participação do cidadão no processo eleitoral, inclusive como doador de recursos. Disso, afirma: “O empresário é como todos nós, um cidadão”. A diferença está na empresa. O empresário é considerado uma pessoa física e tem seus interesses como qualquer outro cidadão.
Entretanto, a empresa não é um cidadão: “A empresa tem único e exclusivo interesse que é o lucro, o que é natural. Dentro de uma empresa tem os investidores, os sócios, ela tem que dar lucro, senão não justifica sua existência”, lembra Henrique. Por isso, como pessoa jurídica, que busca o lucro, não faz sentido que ela faça doações para campanhas, pois ela está, exatamente, tentando obter retorno através das suas doações, diferentemente do cidadão.
Como exemplo, o presidente diz sobre uma pessoa que almeja mais segurança e, assim, ela doa uma quantia para um candidato que se comprometa em resolver o problema de segurança pública. “Trata-se de uma vitória importante para o cidadão. Quem vota é o eleitor. Empresa não vota, então não deve participar da eleição. O que acontece é que aquelas que financiam fazem um investimento no candidato e, depois, cobram o retorno”, afirma.
O juiz Luciano Hanna fala da possível válvula de escape, em que as doações seriam feitas por empresários. A problemática se resolve, segundo ele, na necessidade de declarar patrimônio em imposto de renda quando a pessoa física ou jurídica queira doar. Luciano Hanna explica que há limites para doações: com embasamento legal, o porcentual para pessoas físicas é de 10% do rendimento bruto do ano interior e para pessoas jurídicas de 2% do faturamento bruto do ano antes à eleição. O intuito é “buscar alternativas para que as campanhas [eleitorais] sejam mais igualitárias.”
Votos
O processo já tem seis votos favoráveis e um contra. O ministro Gilmar Mendes pediu vista, ou seja, um tempo maior para estudar o tema. O presidente da OAB-GO explica que é natural o pedido de estudo e, após um tempo, o processo volta ao plenário para votação. O ministro Teori Zavascki, por exemplo, pediu no ano passado mais tempo para averiguar o tema, e na quarta-feira, 2, votou em manter as doações empresariais.
Além de Gilmar Mendes, faltam os ministros Rosa Weber, Cármen Lúcia e Celso de Mello votarem. Já os ministros Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski se juntaram, na quarta-feira, a Luiz Fux, Joaquim Barbosa, Dias Tafffoli e Luís Roberto Barroso, que votaram favoráveis ao fim dos financiamentos empresariais. O presidente Tibúrcio destaca o não interesse político dos ministros. “É uma decisão técnica e está de acordo com um pensamento mais moderno a respeito da legislação eleitoral brasileira de processo político.”
Tibúrcio afirma que não há uma justificativa para prolongação da votação. Naturalmente, o Supremo julga de acordo com a relevância do tema. “O tempo razoável é de três anos”, explica. Por isso, não há uma data precisa para a decisão final. Tibúrcio ressalva que há um interesse muito grande na ação e acredita que o ministro Gilmar Mendes volte rapidamente com o processo, e que até o meio do ano já se tenha uma decisão sobre a ADI 4.650.
Quando for retomado o julgamento do processo, e caso haja a proibição dos investimentos empresariais para financiamento de partidos políticos e campanhas eleitorais, os ministros terão que decidir a partir de quando vale a decisão. Para Tibúrcio, isso será apenas para as eleições de 2016.
“Ainda que o ministro Gilmar Mendes volte com o processo e fique cristalizada a proibição, dificilmente o STF valerá a decisão para essas eleições, que já estão, praticamente, em curso. Há toda uma movimentação. Pessoas já estão descompatibilizando para poderem participar. Não é saudável mudar as regras do jogo no meio do jogo. Portanto, eu acredito que só valerá para 2016”, conclui Herique Tibúrcio.