Em agosto deste ano, o magistrado Joseli da Silva foi advertido devido à sua “falta de senso de urbanidade”

O juiz Joseli da Silva preferiu não se pronunciar quanto às representações contra ele, instauradas pela OAB-GO | Foto: André Saddi
O juiz Joseli da Silva preferiu não se pronunciar quanto às representações contra ele, instauradas pela OAB-GO | Foto: André Saddi

Yago Rodrigues Alvim

A seccional goiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO) representará na Correge­do­ria do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) uma ação contra o juiz da 3ª Vara Cível da Comarca de Goiânia, Joseli Luiz da Silva. Em agosto, a Corte Especial do TJ-GO decidiu, por unanimidade, punir o juiz com advertência por “falta de senso de urbanidade com relação à advocacia”.

Mas as atitudes do magistrado continuam sendo discutidas. Na primeira semana de dezembro, diretores, conselheiros, presidentes de comissões e advogados inscritos na Ordem se reuniram, na plenária do Conselho Seccional, para discutir a postura do juiz. A reportagem procurou o juiz para falar a respeito do assunto, mas sua assessoria informou que “ele não tem interesse em falar mais sobre o assunto”.

Advertência

A advertência, dada em agosto, é resultado de uma representação também instaurada pela OAB Goiás contra o magistrado no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e na Corregedoria do TJ-GO. Porém, a Ordem considera a punição branda, pois o juiz já havia sido advertido, anteriormente, “por seus discursos agressivos contra a advocacia e sua postura iníqua”.

À época, o relator da representação, Leandro Crispim, impôs pena de censura ao juiz e foi acompanhado por outros cinco magistrados. Porém, três desembargadores foram contrários à pena. O procurador da OAB-GO, Paulo de Medeiros, explica que a legislação prevê punição a magistrados apenas se forem obtidos nove votos por parte dos desembargadores do TJ.

Henrique Tibúrcio: “Os juízes extrapolam, mas caso do juiz Joseli é exceção e não regra”
Henrique Tibúrcio: “Os juízes extrapolam, mas caso do juiz Joseli é exceção e não regra”

Segundo o presidente da OAB-GO, Henrique Tibúrcio, entre as penas, a advertência é a mais leve. Acima, existe a sanção de censura. Existe até a possibilidade de um afastamento por meio de uma aposentadoria compulsória, mas só pode ser aplicada pelo CNJ.

Monografia

Recentemente, o juiz Joseli Luiz da Silva divulgou, no site da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego), um texto acadêmico em que defende a “dispensabilidade do advogado co­mo forma de promover a de­mocratização do acesso à Justiça”.

Mesmo defendendo a liberdade do juiz em emitir sua opinião, Henrique Tibúrcio diz que a monografia é uma prova cabal de que ele fecha os olhos para a Constituição e que as opiniões não coadunam com a postura de um magistrado. “É uma afronta à Constituição Federal, à advocacia e, mais ainda, à sociedade, pois o cidadão fica desamparado quando não tem a advocacia para assisti-lo perante a Justiça”, afirma.

Tibúrcio lembra uma pesquisa feita, recentemente, pela Comissão do Direito do Consumidor nos Juizados Especiais de Goiânia e de Aparecida de Goiânia, onde as partes podem atuar sem constituir advogado (Lei n° 9.099/95 – Juizados Especiais Estaduais). O levantamento constatou que a média de indenizações que a parte recebe, quando assistida por um advogado, é dez vezes maior que o valor pago a quem vai sozinho, sem assistência advocatícia.

Com isso, o presidente argumenta que “não é possível deixar o cidadão sozinho, se debatendo, por exemplo, contra grandes empresas”. Segundo ele, “o leigo não sabe e não conhece as previsões legais e termos técnicos, o que pode deixá-lo fragilizado em uma audiência”.

Tibúrcio reitera, ainda, que o que está em debate não é o sagrado direito de expressão, mas, sim, a posição agressiva contra uma categoria que trabalha na defesa da cidadania e na sustentabilidade do Estado Democrático de Direito. Além disso, segundo ele, a postura do juiz fere o Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei Federal 8.906/94). No artigo 6º, o Estatuto determina que “não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos”.

O presidente lembra também que o juiz já havia piso­teado o artigo 133 da Cons­ti­tui­ção, que é justamente o artigo que diz que o advogado é imprescindível para a administração da Jus­tiça. “São questões muito graves. Quando um magistrado defende, em um trabalho acadêmico, que es­ses princípios estão errados, existe um problema de ordem ética e até quanto à competência para continuar exercendo a magistratura”, afirma.

Próximos passos

Além de instaurar um processo contra o juiz no TJ-GO e no CNJ, Henrique Tibúrcio informa que o Conselho Federal da OAB acompanhará e será signatário da representação no CNJ. “As ofensas que ele faz são a todos da advocacia do Brasil; ele não se refere apenas aos advogados de Goiás”, explica. O presidente comenta que a seccional goiana estará atenta e que cobrará dos órgãos competentes as sanções previstas para que esses casos não voltem a ocorrer. “Em Goiás, as atitudes do dr. Joseli já ultrapassaram todos os limites do aceitável e do que se pode imaginar como um mero erro. Muitas vezes, os juízes podem errar e extrapolar, mas isso é exceção e não a regra como tem sido no caso do dr. Joseli”, conclui.

Intenção é evitar que juízes se tornem “deuses”

Em novembro deste ano, o Conselho Seccional da OAB do Rio de Janeiro (OAB-RJ) decidiu pedir o afastamento do juiz João Carlos de Souza Correa. O magistrado se envolveu em uma situação de abuso de autoridade, em 2011, quando foi parado em uma blitz da Lei Seca, no Rio de Janeiro.

Após ser parado pela agente de trânsito Luciana Silva Tamburini, que determinou que o carro fosse rebocado ao verificar uma série de irregularidades na documentação, João Carlos se identificou como magistrado. Luciana, então, disse que ele “era juiz, mas não Deus”. A reação do juiz foi dar voz de prisão à agente, que foi processada e condenada a pagar R$ 5 mil ao juiz.

“Nós vemos essas situações com preocupação, pois elas têm se tornado cada vez mais frequentes”, avalia o presidente da OAB-GO, Hen­ri­que Tibúrcio. Ele também lembra um caso mais recente em que um juiz deu voz de prisão a uma funcionária de uma companhia aérea, porque ele chegou atrasado e não pôde embarcar. “Temos esse caso aqui, em Goiás. Ou seja, são juízes que têm demonstrado que não estão preparados para o exercício da magistratura, porque se colocam acima das outras pessoas”, pontua.

Tibúrcio avalia a postura desses juízes: “São pessoas que, como a­conteceu no Rio de Janeiro, se co­lo­cam em uma posição de ‘deuses’, de estarem acima do bem e do mal e das pessoas comuns; o que é o o­pos­to do que se espera de um magistrado”. Segundo o presidente, o juiz, quando tenta inferiorizar a ad­vocacia em relação a ele, se põe em uma condição acima, em que faz avaliação e críticas ao trabalho do advogado. “Ele se coloca como se não pudesse ser alvo de críticas, co­mo se ele não errasse ou tivesse defeitos. Ele diz, em sua monografia, inclusive, que a maioria dos ad­vo­gados não tem capacidade técnica para estar em juízo ou atuar em pro­cessos que tramitam em sua Vara”, afirma.

O conselheiro Antônio Carlos Monteiro da Silva destaca que a Ordem tem que agir com rigor em relação ao juiz e outros magistrados que não toleram e perseguem advogados. O também conselheiro Eurico de Souza lembrou que o juiz não é bem visto entre seus pares e que já responde a vários processos no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).