O silêncio sepulcral (e calculado) dos postulantes ao Paço
07 novembro 2015 às 10h49
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Pré-candidatos estão tímidos sobre temas da cidade. E não se trata de respeito ao rito legal, mas de estratégia para se afastarem dos problemas da capital
Tadeu Alencar Arrais
Especial para o Jornal Opção
O ano de 2016, no calendário político, será marcado pelas eleições municipais. Não deixa de ser estranho que, faltando menos de um ano para a abertura das urnas, nenhuma agremiação política tenha definido seu candidato ao Paço Municipal. Mas pré-candidatos não faltam, afinal todos se julgam habilitados para tal empreita. O quadro postulante atual é resultado de manifestações individuais e/ou especulações da imprensa. Iris Rezende (PMDB), Adriana Accorsi (PT), Waldir Soares (PSDB), Edward Madureira (PT), Luiz Bittencourt (PTB), Jayme Rincón (PSDB) e Vanderlan Cardoso (PSB) são os nomes mais recorrentes no noticiário político.
Os pretendentes se colocam, com exceção de Waldir Soares, de forma tímida no debate da sucessão, como se esperassem uma manifestação formal dos caciques políticos. E não se trata de respeito ao rito legal, mas de uma estratégia que tenciona os afastar, momentaneamente, dos problemas municipais. A total negligência em relação aos problemas do município de Goiânia é a característica comum dos postulantes. As manifestações sobre os problemas do município são, no melhor dos casos, genéricas, ao contrário dos problemas, que são redundantes. Essa negligência pode ser comprovada pelo silêncio em relação a projetos como a desafetação de áreas públicas municipais e a nova Lei de Uso do Solo do Município (que prevê, entre outras questões, a autorização de núcleos industriais e núcleos de recreio nas macrozonas rurais de Goiânia).
Em uma rápida pesquisa nos arquivos do Jornal Opção e do jornal “O Popular” não encontramos registros de opiniões sistematizadas sobre esses assuntos por parte dos postulantes. Três hipóteses podem justificar a falta de interesse. A primeira é de que têm desconhecimento dos problemas do município — o que não os habilitaria a oferecer respostas convincentes nem participar de debates sobre questões aparentemente técnicas. A segunda seria um compromisso com os grupos privados, uma vez que os projetos envolvem interesses comerciais por se referirem, diretamente, ao mercado imobiliário. Não seria interessante desagradar a um segmento com tanta capilaridade no Legislativo municipal e um potencial financiador das campanhas eleitorais. A terceira hipótese fica por conta de um pacto com o governo municipal, responsável pela sistematização dos referido projetos. Criticar as propostas colocaria alguns dos postulantes em rota de colisão com o prefeito Paulo Garcia (PT).
O que poderia se esperar de um postulante a cargo de tamanha importância é uma visão sistêmica do desenvolvimento do município, o que o autorizaria a discutir temas de interesse coletivo. Seria ingenuidade, entretanto, supor que esses candidatos não possuam conhecimento dos interesses que comandam a vida pública municipal.
Ninguém duvida que Iris Rezende conheça como poucos o município de Goiânia. No início da década de 1980, ele antecipou a política de fragmentação da cidade, estimulando a ocupação descontínua, via deslocamento da população pobre, para a região noroeste da cidade.
Agradou a todos. O estrato mais pobre da população, sem consciência de seus direitos, aceitou de bom grado o deslocamento para áreas distantes, sob a fina proteção de placas de cimento. O mercado imobiliário viu preservadas e valorizadas extensas áreas entre o centro e a região noroeste de Goiânia. A imprensa saudou o populismo. Mas Iris Rezende, mesmo acumulando conhecimento sobre o município, manteve-se em silêncio em relação aos projetos apresentados.
A segunda hipótese, e não a terceira, justifica seu silêncio, já que seu distanciamento de Paulo Garcia só não é mais evidente que sua proximidade dos grupos imobiliários. Adriana Accorsi, quase a preferida de Paulo Garcia, parece planar sobre Goiânia. Conhece os bairros da cidade e, certamente, em função de sua herança política, tem intimidade com as demandas municipais. Mas parece não saber, mesmo sendo alguém que conduziu inquéritos, que a população perguntará sobre seus vínculos com a atual gestão municipal. Por que não se pronunciou em relação aos projetos que comprometem o futuro da assim chamada “cidade sustentável”? O silêncio diante dos problemas será o principal inconveniente de sua possível candidatura. A terceira hipótese justifica seu silêncio, sem destacar, é claro, a segunda hipótese como elemento complementar.
As credenciais do delegado Waldir Soares se resumem aos 274.625 votos que teve para deputado federal. Trata-se de um neófito na política e também na cidade, uma vez que aqui fixou residência no início dos anos 2000. Sua atuação na Câmara Federal, folclórica para alguns, não se repete no debate sobre o município de Goiânia. Falta ao deputado perspectiva mais ampla sobre os principais problemas municipais. O discurso da segurança pública não garantirá seu lugar ao sol. Waldir Soares é tudo o que o aparente formalismo do PSDB não deseja. A conjunção da primeira hipótese com a segunda hipótese, caso seu partido banque sua candidatura, explica seu silêncio sobre o tema.
Edward Madureira optou pela fidelidade ao prefeito Paulo Garcia, mesmo que a recíproca não seja verdadeira. Edward possui gabarito técnico, em função de sua formação acadêmica, e pessoas qualificadas do quadro da universidade para opinar sobre os destinos do município. Recusa-se, no entanto, a participar do debate público. Parece não saber que a arena da política municipal é distinta da arena universitária. Não se pronunciou, muito embora a comunidade universitária tenha se pronunciado, sobre os projetos nocivos para o município. Ao que parece, confia seu futuro político mais a Paulo Garcia do que a sua já erodida base de apoio. A terceira hipótese explica seu silêncio.
É absolutamente necessário construir uma agenda pública para que a população saiba o que os postulantes pensam sobre temas de interesse coletivo. Diante da necessidade de debater os problemas concretos do município, tomo a liberdade de desafiar os postulantes a oferecer para a população do município de Goiânia respostas sistemáticas sobre as seguintes propostas, todas ligadas ao ordenamento do uso e ocupação do solo da cidade: a) suspensão imediata do Código de Parcelamento do Solo do Município de Goiânia (projeto de lei nº 20, de 27/8/2015), que autoriza parcelamento das áreas rurais para fins de núcleos residenciais de recreio e núcleos industriais nas macrozonas rurais; b) implementação de projeto de compensação financeira para produtores rurais nas macrozonas rurais, a título de preservação de recursos hídricos, com o propósito de recompor e preservar as nascentes, nos moldes do Programa Produtor de Águas, da Agência Nacional de Águas (ANA); c) urbanização das áreas públicas municipais de acordo com sua destinação primitiva que prioriza, fundamentalmente, espaços de lazer (praças, centros esportivos etc.) e serviços públicos (escolas, creches, postos de saúde etc.); reajuste do Imposto Territorial Urbano (ITU) na proporção do valor dos lotes e quantidade dos lotes por pessoa física/jurídica e dimensão das glebas, com o propósito de combater o monopólio fundiário (além disso, a alíquota deve ser progressiva, seguindo os princípios do Estatuto das Cidades); isenção parcial de IPTU para aposentados proprietários/locatários que residam na área central da cidade e atividades comerciais e de serviços com funcionamento nos finais de semana na área central (tal iniciativa, associada ao programa de reformulação e padronização das calçadas e iluminação pública adequada, objetiva incentivar a ocupação da área central da cidade e, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade de vida dos idosos).
É no período de horário político eleitoral, sob o manto da legislação, que os candidatos apresentarão suas propostas. O debate sobre os problemas do município, no entanto, é deixado em segundo plano. Creio que essa seja uma oportunidade que o Jornal Opção oferece aos postulantes para debater os assuntos de interesse da comunidade. Fica o convite para que Iris, Adriana Accorsi, Waldir Soares, Edward Madureira — e também Luiz Bittencourt, Jaime Rincón e Vanderlan Cardoso — rompam esse silêncio sepulcral.
Tadeu Alencar Arrais é geógrafo, doutor em Geografia e professor do Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa) da UFG.
E-mail: [email protected]