O que está ruim pode piorar
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A sequência de acontecimentos mostra que a situação na Prefeitura de Goiânia é o reino encantado de Murphy: se pode dar errado, vai dar errado
Afonso Lopes
Já não estava bom. Apesar de ter maioria de votos entre os vereadores de Goiânia, a chamada base aliada governista, o prefeito Paulo Garcia (PT) coleciona uma série de derrotas fantásticas. No ano passado, por exemplo, mais ou menos nesta mesma altura do mês de dezembro, o governo municipal teve que adiar seus planos de recuperação financeira via aumento de IPTU, que deveria ter vigorado agora em 2014. Foi um baque e tanto. Durante todo o ano, a cidade conviveu com sucessivas crises administrativas. Agora, tudo indica que vai perder mais uma vez a sua proposta de aumento desse imposto. Para fechar com chave de ferro enferrujado, Paulo Garcia não conseguiu se impor com sua maioria e viu a oposição sambar a cantar na eleição da mesa diretora.
Se nunca esteve realmente bem, a coisa pode piorar de vez. Não pelas mãos do novo presidente, o ultramoderado vereador tucano Anselmo Pereira, mas pelo conjunto da nova Mesa. Pra começar, o 1º vice-presidente é ninguém menos que Tayrone di Martino, que se tornou arquirrival da prefeitura e de Paulo Garcia ao não votar favoravelmente ao aumento absurdo proposto inicialmente pelo Paço. Tayrone, que foi candidato a vice-governador na chapa liderada pelo ex-prefeito Antônio Gomide, chegou a renunciar a candidatura (e voltou atrás) após ter sido suspenso do PT por conta desse episódio. Para completar o circo de horrores previsíveis, o vereador Elias Vaz, um dos mais duros opositores de Paulo Garcia, participou ativamente das negociações que resultaram na eleição de Anselmo, e deve ocupar a presidência da mais importante comissão da Câmara, a CCJ.
Feliz 2015?
A queda do aumento do IPTU, forçada pela reação da maioria dos vereadores, inclusive da própria base governista, matou o sonho de plena recuperação financeira da Prefeitura de Goiânia no ano que vem. E pode ser ainda pior. A partir de agora, não está descartada a possibilidade de haver apenas a reposição inflacionária no imposto, que é insuficiente para dar qualquer folga no orçamento. Ou seja, os sonhados tempos de calça de veludo viraram pesadelo.
É essa a grande sinuca que se apresenta para o governo de Paulo Garcia no próximo ano. Todas as saídas para a dramática situação de penúria dos cofres municipais foram fechadas, inclusive a que apontava para a venda de áreas públicas, que foi proibida pela Justiça. Resta somente apertar o cerco sobre sonegadores e devedores. Como as previsões para 2015 não são nada alvissareiras para a economia brasileira, até esse torniquete tem limite. Não adianta nada cobrar, fazer e acontecer em cima de quem deve e que não tem dinheiro para pagar a dívida.
Há espaço de tempo para Paulo Garcia resgatar se não todo pelo menos boa parte da imagem que tinha quando foi reeleito em 2010 no 1º turno? Em tese, há, sim, tempo para isso. Grosso modo e mal comparando, há dois anos o governador Marconi Perillo amargava a pior crise política de toda a sua vida pública, e foi reeleito mais uma vez batendo recorde de suas votações. Mas essa comparação para por aí.
O Estado tinha um déficit operacional potencial de 2 bilhões de reais, conforme divulgou no início de 2011 o então secretário da Fazenda, Simão Cirineu. Marconi cortou despesas, adiou gastos e buscou recursos fora do Estado. Ao mesmo tempo, criou um fundo vital para garantir a restauração das rodovias e ampliação da malha. Depois que conseguiu colocar a casa em ordem, partiu para as realizações.
A prefeitura, ao contrário, não fez o dever de casa. O ex-secretário das Finanças Cairo Peixoto, um mestre no assunto, ficou pouquíssimo tempo no cargo. E no pouco tempo que ficou, descobriu que a prefeitura gastava o que não tinha. Mais do que isso, ele contou que o déficit que Paulo Garcia herdou foi da ordem de 400 milhões de reais, buraco que até hoje não foi devidamente coberto. Ao contrário, o governo não conseguiu sequer equacionar a folha de pagamento, que explodiu os limites prudenciais, avançando assim sobre recursos que não deveriam ir parar nos contracheques.
Além disso, a prefeitura tocou em frente duas obras caríssimas, a reforma do Parque Mutirama, com direito a uma passarela sobre a avenida Araguaia ligando a área ao Bosque do Botafogo, e os viadutos da Marginal Botafogo, no Jardim Goiás. Foram obras demais para caixa de menos, e aos poucos serviços essenciais começaram a falhar até entrar em colapso total, como no caso do recolhimento do lixo.
Lei de Murphy
O problema do lixo parece estar resolvido. Se temporariamente ou não, vai se saber depois. Mas no reino das leis de Murphy, se alguma coisa pode ser consertada, existe outra que tem tudo para deixar de funcionar bem. O que tem causado incômodo na cidade agora é a multiplicação geométrica dos buracos nas ruas e avenidas. Nesse caso, para piorar o quadro, há uma conjugação de fatores negativos. A maior parte da pavimentação espalhada em Goiânia é muito velha, e isso é catastrófico quando aliado ao período de chuvas intensas. Ou seja, o asfalto e os buracos são como uma crônica do caos anunciado. Some-se a esse drama os conceitos de Murphy sobre o caixa da prefeitura.
Paulo Garcia abre a segunda metade de seu mandato com imenso desafio à frente. Ele tem que equilibrar as finanças e conseguir manter a cidade funcionando, mesmo sem contar com dinheiro extra, seja do IPTU, seja das áreas públicas. Como em Brasília também não há folga, restaria o caminho do Estado.
Recentemente, e pela primeira vez, Paulo sinalizou com bandeira branca em relação ao governo de Marconi Perillo. Só que o Estado também não está mais com folga no caixa. A arrecadação tende a permanecer nos patamares atuais ou aumentar muito pouco diante da possibilidade de a economia brasileira não crescer, ou até diminuir.
Tudo somado, o prefeito Paulo Garcia terá que operar algum milagre para espantar o espírito de Murphy para bem longe de sua administração.