O que a Coreia do Sul tem a ensinar ao Brasil
16 fevereiro 2020 às 00h01
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Países se tornaram democráticos de fato com suas constituições de 1988. A Coreia, entretanto, seguiu o caminho da intervenção estatal e apoio à cultura
Há 32 anos, Brasil e Coreia do Sul estavam em situações semelhantes. Recém saídos de ditaduras militares e com histórico de corrupção e personalismo político, os dois países se depararam com dicotomias típicas da época. Entre favorecer o livre mercado ou um estado forte, nacionalismo ou liberalismo econômico; os países tomaram rumos diferentes e hoje, devido a onda cultural – Hallyu – se reencontram.
O filme sul-coreano Parasita, de Bong Joon-ho, recebeu quatro Oscars e chamou atenção internacional por tocar no lado feio do capitalismo de um país que é resguardado como caso de sucesso. Entretanto, o que Bong Joon-ho pensou ser uma situação característica da Coreia do Sul (banjiha moradores de porões em grandes centros urbanos), ressoou por diversos países, Brasil incluído.
Enquanto a ditadura militar brasileira durou de 1964 a 1985, a coreana foi de 1963 a 1979 oficialmente, mas na prática perdurou até 1987, sob o comando do militar Chun Doo-hwan que fazia apontamentos indiretos por fora do sistema democrático. Somente a partir de 1988 o regime sul-coreano mudou, de fato, para uma democracia liberal direta – ainda que o candidato eleito, Roh Tae-woo, fosse um militar.
Em ambos países, o protecionismo foi gradualmente substituído. Enquanto no Brasil de Collor houve a abertura ao capital internacional, o Estado coreano apoiou grandes empresas emergentes, privilegiando companhias familiares chamadas de “Chaebol”. Estes conglomerados foram fomentados com crédito do estado coreano, com objetivo de alçar estas companhias a mercados internacionais como os de Taiwan e Singapura.
Os Chaebol são definidos como grandes conglomerados industriais administrados e controlado por um proprietário ou família cujo poder sobre o grupo geralmente excede a autoridade legal. Assim, em 1988, a Hyundai conseguiu estender seu poder à bancada na Assembleia Nacional da Coreia.
Naturalmente, empresas menores foram engolidas no mercado e regulações trabalhistas são favoráveis às campeãs nacionais coreanas. Em 1997, a Coreia do Sul foi atingida por grave recessão, mas políticas de resgate financeiro ao estilo “too big to fail” conferiram ainda mais poder aos Chaebol. Algumas destas empresas são conhecidas dos brasileiros: Hyundai, Samsung e LG.
Segundo Richard Westra em seu livro “State, Market, and Stages of Capitalism In South Korean Development”, 25,4% dos sul-coreanos eram autônomos em 2017. A tendência é que o número cresça conforme, domesticamente, as Chaebol são vendidas como cases de empresários que venceram pelo próprio mérito de seu trabalho.
O desenvolvimentismo estatal coreano tem seus desdobramentos na cultura, como mostra o jornalista da EBC José Romildo, que viajou para a Coreia do Sul a convite do Kocis (órgão do Ministério da Cultura, Esporte e Turismo da Coreia do Sul). O Estado coreano apoiou fortemente a Hallyu, “onda coreana”, uma expansão estética produzida por artistas coreanos e fomentada pelo Serviço de Cultura e Informação da Coreia.
O próprio filme Parasita, que retrata criticamente a situação social coreana, faz parte deste movimento estético. Como afirma José Romildo em sua reportagem, “a Coreia do Sul está cada vez mais se posicionando como um fenômeno extraordinário de cultura e entretenimento, exportando músicas, seriados de TV, cartoons, dramas transmitidos pela internet, filmes exibidos em cinemas tradicionais, jogos digitais e coreografias. Só em 2018, essa onda cultural garantiu uma renda para o país superior a US$ 7,4 bilhões. Muitos desses componentes do mundo cultural coreano já chegaram ao Brasil. Existem faixas de adolescentes e jovens brasileiros fanáticos pelo K-Pop.”
Na prática, a principal medida do governo que contribuiu para transformar a produção cinematográfica sul-coreana foi a criação do programa (já extinto) que previa um mínimo de dias de exibição para produções cinematográficas nacionais. A exigência chegou a ser de 40% do tempo de tela fosse reservado para filmes locais. O incentivo e financiamento públicos também alcançaram a produção, distribuição e exibição de filmes do país, com a criação de festivais de cinema locais, como o de Busan, por exemplo.
Conversa com um coreano
Para compreender melhor a onda cultural coreana, o Jornal Opção conversou com o coreano Taejun, que atualmente reside na Espanha e tem seu próprio grupo de dança K-pop.
Quando você começou a se interessar por música?
Comecei a gostar no ensino básico. Meus amigos também gostam e conhecem o K-Pop desde cinco ou seis anos de idade.
Você sabe por que esse gênero cresceu tanto recentemente?
Não sei exatamente. Mas penso que tem a ver com o fato de que grupos de K-Pop têm muitos membros, então os fãs acompanham pelo menos uma pessoa de perto. Além disso, você não consegue tirar o ritmo da cabeça e a performance também é divertida.
Vocês aprendem música, cinema, literatura na escola?
Claro! Se você quer se tornar um artista profissional, é importante se aprimorar; caso contrário, não é tão importante para seu currículo, mas ainda assim aprendemos artes como parte do conhecimento comum.
A cultura coreana de hoje é muito diferente da tradicional?
Sim, completamente. O ritmo K-Pop se utiliza do gênero eletrônico, mas a música típica, que geralmente é apreciada pelos mais velhos, utiliza instrumentos tradicionais coreanos.
O que vocês pensam do fato de que a cultura coreana vem ganhando o mundo?
Na verdade, nós nem acreditamos. Acho que maior parte das pessoas não espera que nossa música fosse ser tão popular. Estamos bastante orgulhosos e, quando escuto um estrangeiro falar sobre K-pop, fico bastante contente.