As autoridades brasileiras se acostumaram a dizer que o Brasil tem o maior sistema universal de atendimento público de saúde. Mas a qualidade do serviço prestado é um desastre total

O clínico geral dá o primeiro atendimento e, na maioria das vezes, não é preciso encaminhar o paciente a especialista | Foto: Venilton Küchler/SESA
O clínico geral dá o primeiro atendimento e, na maioria das vezes, não é preciso encaminhar o paciente a especialista | Foto: Venilton Küchler/SESA

Afonso Lopes

Quando se fala de saúde pública no Brasil, se vai de encontro aos extremos: de um lado, exibem-se números espetaculares de atendimento. Do outro, percebe-se que esses números são escandalosamente muito mal trabalhados, como pode ser constatado em quase todos os grandes hospitais públicos e também nos postos de saúde espalhados pelas cidades de todo o país. E quando a saúde pública é colocada em discussão, nas campanhas eleitorais ou fora delas, a solução mais amplamente aceita, quase como unanimidade, e portanto talvez seja uma burrice simplista, é que é necessário investir mais dinheiro. Mas será que o Brasil gasta tão pouco assim que justifique uma situação calamitosa como a que se observa de norte a sul, leste a oeste? Não. O investimento realmente não é nenhuma maravilha, mas também não é nem um pouco desprezível.

De acordo com dados consolidados de 2012, o Brasil gastou o equivalente a 7,9% do PIB. Organismos internacionais afirmam que deveria ser mais, em torno de 12% ou 14%. Conclusão óbvia para as discussões: precisamos gastar mais se quisermos ter um sistema que realmente atenda as necessidades das pessoas.

O problema é quando se compara com o sistema público inglês. Eles gastam, em relação ao PIB, apenas 7,6%. Só que lá o sistema realmente funciona. A rede pública da Inglaterra é considerada a melhor de todo o mundo. Muito melhor do que em países igualmente de Primeiro Mundo e que torram bem mais. Não seria hora de o Brasil observar o que os ingleses fazem para ver se é possível repetir a fórmula em nosso SUS?

O segredo do sucesso do SUS inglês, que lá se chama NHS, de National Health Service, é o formato de seu funcionamento. Aqui, em qualquer postinho de saúde municipal, mães e pais levam suas crianças para serem atendidas por pediatras. E se não tiver um pediatra, lá se vai na ausência a proposta do SUS… Na Inglaterra, invariavelmente, esse primeiro atendimento será feito por um clínico geral.

Para os brasileiros, ser atendido por um clínico geral parece “quebra-galho”. Não é. A Clínica Médica é uma das 54 especialidades médicas registradas no Brasil, e geralmente esse profissional consegue solucionar a maioria dos casos do dia a dia, desde a “chiadeira no peito” da criança até as dores nas articulações dos idosos ou crises abdominais dos adultos. Somente quando o caso é realmente muito grave que o paciente deve ser encaminhado por um especialista.

Priorizar o primeiro atendimento do SUS para clínicos gerais representa uma melhor qualidade do gasto com o sistema. Hoje, para se abrir um postinho de atendimento qualquer, prefeituras precisam contratar um sem número de especialistas, alguns dos quais vão trabalhar com demanda pequena, enquanto outros vão rapidamente à estafa diante do número de atendentes. Pior ainda é quando falta um pediatra num posto desses. São horas e horas aguardando o deslocamento de um profissional substituto. Que já vai chegar ao posto de trabalho e encontrar uma demanda reprimida quase insuportável. É óbvio, portanto, que um sistema que funcione sem clínicos gerais tem tudo para se tornar tão gigantesco quanto incompetente.

O problema é que o Brasil conseguiu desenvolver um preconceito contra a Clínica Médica. E esse preconceito não é só da população, bombardeada pelas especialidades. Os mais velhos sentem saudades do “médico da família”, que atendia pai, mãe, filhos, avós e até fazia partos. Esse médico que atendia tanta gente, com tantas doenças e incômodos diferentes era um clínico geral. E é exatamente essa a ideia central do SUS inglês, valorizar esse profissional. Por aqui, eles estão em desuso. Lá, o piso inicial de um médico desses na rede pública de saúde é equivalente a 15 mil reais. No final da carreira, chega a 60 mil reais, um dos maiores rendimentos dentre todos os especialistas do sistema.

Se o Brasil não rediscutir o formato de atendimento médico do SUS, com a Clinica Médica, vai gastar sempre mais, e dificilmente conseguirá no futuro oferecer qualidade ao cidadão. Não é necessário manter um pediatra, um geriatra e um reumatologista no posto de saúde do bairro. Com clínicos gerais quase todos os problemas nessas áreas e em todas as outras áreas, vão ser imediatamente resolvidos. E, só depois, quando for o caso, convoca-se outro tipo de médico especialista. Acredite: na maioria das vezes, isso não será necessário.

Resta saber se além do fechado mundo da academia, os candidatos a prefeito estão dispostos a discutir o assunto. Ou se preferem a solução mais óbvia com o único propósito de conquistar o voto do eleitor descontente. Vai mais um hospital aí? Sirva-se.