Novos tratamentos para a Covid-19 melhoram perspectiva de pacientes

23 maio 2021 às 00h00

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Terapias descobertas pelas equipes de saúde para tratamento da Covid-19 vão de novas drogas à equipamentos desenvolvidos no Brasil

Com o avançar da Covid-19, profissionais de saúde estão descobrindo como lidar melhor com a doença. Equipes médicas estão tendo um melhor índice de salvamento dos pacientes infectados com o Sars-CoV-2 com a seleção de terapias e tratamentos que se provaram mais eficazes ao longo de um ano e três meses de pandemia, segundo médicos entrevistados.
São diversas as armas que os infectologistas dispõem em seu arsenal para tratar os sintomas: plasma convalescente; anti-inflamatórios, anticoagulantes, técnicas não invasivas para a ventilação de pacientes entubados e até mesmo o uso de toxinas vem sendo estudado na recuperação destes pacientes.
Enquanto a descoberta de novas drogas custa tempo e recursos, velhos medicamentos já aprovados para outras doenças podem ser reconvertidos para tratamento de uma nova patologia com relativa facilidade. Por isso, a maior parte das pesquisas para tratar os sintomas da Covid-19 tenta verificar a eficácia de drogas já aprovadas e reconhecidamente seguras.
Anti-Inflamatórios

A ativação descontrolada do sistema imunológico é responsável pela resposta inflamatória exacerbada à infecção pelo SARS-CoV-2. Incapaz de impedir a infecção das células pelo vírus, o organismo produz monócitos e neutrófilos que se infiltram nos infectados. Esse quadro leva a danos inflamatórios persistentes das paredes dos vasos que circundam múltiplos órgãos vitais, à lesão microvascular disseminada e à trombose, culminando na falência de múltiplos órgãos.
Em junho de 2020, cientistas da Universidade de Oxford encontraram a primeira droga que, comprovadamente, reduz a incidência de mortes pela covid-19. O corticóide dexametasona tem efeito anti-inflamatório e já era largamente utilizado. Hoje, a droga de baixo custo integra o protocolo de grande parte dos hospitais do país.
O estudo de Oxford mostrou os resultados para 2.104 pacientes selecionados aleatoriamente, que foram medicados com a dexametasona, por via oral ou intravenosa. Eles foram comparados a 4.321 pacientes tratados convencionalmente. Os números mostram que a redução de mortes foi de 35% para pacientes que precisavam de tratamento com respiradores e 20% para os que precisavam de suporte de oxigênio. Houve registro de que a droga seja eficiente em casos menos severos, com apenas 13%.
Conforme reportou Elton Alisson, da Agência Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), novos anti-inflamatórios estão sendo testados com o mesmo propósito. Dois estudos clínicos independentes – um conduzido por pesquisadores do Centro de Terapia Celular (CTC), em Ribeirão Preto, com o anticorpo monoclonal eculizumabe e outro por cientistas da Universidade da Pensilvânia (Estados Unidos) com uma droga experimental chamada AMY-101 – observaram um efeito anti-inflamatório importante, capaz de acelerar a recuperação de pacientes com COVID-19 em estado grave.
Os dois medicamentos foram administrados separadamente. O anticorpo monoclonal, que já é usado no tratamento de doenças hematológicas, foi testado em pacientes do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-Usp). Já o candidato a fármaco desenvolvido pela farmacêutica norte-americana Amynda foi administrado a pacientes de um hospital em Milão, na Itália. Ambos apresentaram resultados promissores, mas como a molécula AMY-101 é mais barata e teve um desempenho ainda melhor no teste clínico, os dois grupos de pesquisa consideram testá-la em um grupo maior de pacientes no Brasil.
Hipersoro

O princípio de inocular animais com doses não letais de patógenos a fim de se produzir uma resposta de anticorpos neutralizantes não funciona apenas contra as peçonhas de serpentes. A ideia de coletar o plasma (componente do sangue que, entre outros, carrega anticorpos) de animais, purificá-los para a obtenção de um soro tem se mostrado eficiente também no combate do coronavírus.
Atualmente, o Instituto Butantan está desenvolvendo um soro hiperimune para tratar pacientes com Covid-19. Os pesquisadores do instituto relataram que, após 70 dias, o plasma de cavalos inoculados com o novo coronavírus (Sars-CoV-2) exibe anticorpos neutralizantes 20 a 100 vezes mais abundantes contra o novo coronavírus do que o plasma de pacientes humanos convalescentes com Covid-19.
O tratamento com soro em ratos infectados pelo SARS-CoV-2 mostra que há a diminuição da carga viral, apresentando melhora na estrutura pulmonar dos animais em estudo. De acordo com reportagem da CNN Brasil, aproximadamente 3 mil frascos serão utilizados nessa fase do estudo. A princípio, o soro será aplicado em um número restrito de pacientes para analisar o tipo de resposta, após alguns dias.
Atualmente o Instituto Vital Brazil está testando um soro hiperimune contra a proteína S e espera iniciar em breve os ensaios clínicos, enquanto os testes do Butantan utilizam o vírus inteiro inativado. Composto de anticorpos que reconhecem diferentes partes das proteínas virais, o soro foi desenvolvido em cinco meses e já foram produzidas 3 mil unidades para os testes com pacientes e outras 3 mil estão prontas para serem envasadas.
O pedido de autorização à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) foi submetido pelo Instituto Butantan para dar início aos testes clínicos com o soro anti-SARS-CoV-2 desenvolvido pela instituição. A informação foi divulgada em coletiva de imprensa pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB) e pelo diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, em 5 de março no Palácio dos Bandeirantes. Espera-se que a autorização para o início dos testes seja dada nos próximos dias.
“O soro tem potencial para evitar o agravamento dos sintomas e curar os contaminados pela Covid”, afirmou João Doria. O soro foi interinamente desenvolvido pelo Butantan e atuará no tratamento da doença, ao contrário da vacina que busca prevenir a infecção.
“O soro já demonstrou em testes pré-clínicos que é seguro e efetivo em dois tipos de estudos animais. Isso se complementa à expertise do Butantan na produção de outros soros. O Butantan, nesse momento, é responsável pelo fornecimento de 100% dos soros do Brasil”, explicou Dimas.
Para obter o soro, o novo coronavírus foi isolado de um paciente brasileiro e em seguida cultivado, inativado, submetido a vários testes em camundongos e, por último, aplicado em cavalos. Os animais, após receberem o vírus inativado, produziram anticorpos. O plasma resultante foi coletado e processado nas instalações do Butantan, dando origem ao produto.
A princípio a pesquisa será realizada com pacientes transplantados do Hospital do Rim, pelo médico nefrologista José Medina, e com pacientes com comorbidades no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, com o médico infectologista Esper Kallas. “Os estudos animais feitos com o que a gente chama de ‘teste de desafio’ mostraram que esse soro é extremamente efetivo”, disse Dimas. “Esperamos que a mesma efetividade seja demonstrada agora nesses estudos clínicos que poderão ser autorizados para ter início na próxima semana”, completou.
Ventilação não-invasiva
O assessor parlamentar Leandro Amaral Arantes atesta os benefícios dos novos tratamentos para a Covid-19. O comunicador social conta que testou positivo para a doença mas não exibiu sintomas por uma semana. Então, repentinamente, sentiu falta de ar. Ao buscar uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), Leandro Arantes foi internado e recebeu suporte de oxigênio devido à baixa saturação do gás em seu sangue.
“Fui transferido ao Hospital Alberto Rassi (HGG), onde fiquei internado por dez dias – seis deles na UTI”, revela Leandro Arantes. “As tomografias mostraram o comprometimento de mais da metade dos meus pulmões”. Ele conta que recebeu três medicamentos: o antibiótico Azitromicina, para combater infecções oportunistas; um antiinflamatório corticóide, pelas razões já descritas; e um anticoagulante, já que a infecção pelo COVID-19 apresenta alto risco de doenças tromboembólicas.

Além dos medicamentos, Leandro Arantes utilizou o suporte de oxigênio por meio de três equipamentos não invasivos. A ECMO (oxigenação por membrana extracorpórea) mecânica foi tentada por máscara facial e catéter nasal, mas só deu resultados satisfatórios com o capacete Elmo, criado no Ceará.
O mecanismo de respiração artificial não invasivo Elmo foi desenvolvido e testado no Hospital Leonardo da Vinci (HLV), em Fortaleza, onde mostrou redução em 60% na necessidade de internações em leitos de UTIs. Apenas quatro das dez pessoas que usaram o capacete no HLV precisaram ser transferidas para UTIs, segundo a Secretaria da Saúde do Estado (Sesa) . O dispositivo trata quadro clínico moderado e também auxilia casos em início de gravidade.
“O capacete Elmo incomoda, mas com ele eu pude sentir o ar entrando nos pulmões pela primeira vez desde que fui internado. Se respirasse sem o capacete, o oxigênio parecia não chegar, eu tinha a respiração curta. A pressão força a entrada de mais ar nos pulmões, o que doía, mas era apenas assim que podia respirar. Na minha percepção, foi fundamental para minha recuperação”, diz Leandro Arantes.
Além dos medicamentos e equipamentos do HGG, Leandro Arantes atribuiu sua recuperação à equipe multidisciplinar do hospital. “Além dos médicos e enfermeiros, fui tratado por fonoaudiólogos, nutricionistas, fisioterapeutas e psiquiatras. Isso foi fundamental, porque após passar dez dias deitado, eu mal podia ficar de pé. Hoje, sinto alguma fraqueza nas pernas, mas não terei sequelas.”
O médico, vereador de Jaraguá e escritor Breno Leite foi de tratador a paciente da Covid-19. Tendo sido internado no hospital Hospital Anis Rassi, em Goiânia, ele conta que utilizou de todos os tratamentos descritos acima. Além disso, Breno Leite atribui sua rápida melhora aos três dias em que passou na UTI com ventilação não-invasiva. Isto é, respiração artificial que não utiliza a tradicional cânula orotraqueal.

“Muitos dos óbitos decorrem não da Covid-19, mas a infecções secundárias devidas ao acúmulo de pus e bactéria da cânula invasiva. A ventilação não-invasiva requer um fisioterapeuta o tempo todo ao lado, é mais cara e salva muitas vidas. Não é mais utilizada porque lança vírus no ambiente; só pode ser utilizada porque grande parte da equipe do hospital em que fiquei internado já se contaminou e está imunizada”, explica Breno Leite. A técnica não-invasiva utiliza uma cânula nasal de alto fluxo no tratamento da insuficiência respiratória aguda.