A principal crítica ao novo modelo de educação é a forma como foi instituído – por meio de medida provisória

Em meio a polêmicas, críticas, expectativas, preocupações e esperança, o Novo Ensino Médio se concretiza no cenário brasileiro. Criado por uma medida provisória do governo Temer, em 2016, o país busca a implementação do modelo em 2022. O ponto de maior destaque é a capacidade de escolha do estudante, que terá áreas específicas para seguir seu caminho na escola em tempo integral.

No último dia 14 de julho, a portaria nº 521, que institui o cronograma de implantação do ensino médio, foi publicada no Diário Oficial da União. A carga horária será maior, de 800 horas anuais, haverá diferentes possibilidades de formação, e a reforma prevê reestruturação do ensino em dois anos, de 2022 a 2024.

A propaganda veiculada pelo governo federal se parece com o lançamento de um filme de heróis. Professores e alunos são os personagens principais, escolas são cenários para o começo de uma nova etapa da vida do brasileiro. No entanto, a falta de planejamento gera incertezas.

A principal crítica ao novo modelo é a forma como foi instituído, pela Medida Provisória 746/2016. Michel Temer, presidente na época, usou de artifício presidencial que a Constituição Federal permite em casos de urgência e relevância. Com apoio do Congresso, o instrumento com força normativa foi transformado em lei logo em 2017.

A professora universitária e ex-ministra de Administração e Reforma no governo Fernando Henrique Cardoso, Cláudia Costin, crê na eficácia do Novo Ensino Médio. Apesar de fazer crítica à implementação por meio de Medida Provisória, ela acredita que revolucionará a educação. “Vai dar mais flexibilidade. Dos países em desenvolvimento, o único que tinha essa média de quatro horas e tantas matérias era o nosso. Agora será dividido por áreas de conhecimento, não por disciplinas”, afirmou.

Glauco Gonçalves é coordenador da Comissão de Reestruturação do Ensino Médio do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação da Universidade Federal de Goiás (Cepae-UFG). Para o professor, a introdução da reforma por Medida Provisória mostra a precariedade da medida. “Dá a impressão de que foi feito às pressas. Vejo como uma forma abrupta de implementar algo. Isso requer participação da comunidade, recursos, qualificação docente, estudos de regiões. Nada disso foi feito”, pontuou o professor.

Professora e gestora pública Cláudia Costin | Foto: Reprodução

Português, matemática e inglês serão disciplinas obrigatórias nos três anos do ensino médio. Além disso, os estudantes poderão escolher se trilharão o caminho das ciências exatas, humanas ou biológicas.

Os defensores do sistema acreditam que a medida incentivará o estudante a permanecer na escola, já que terão acesso à disciplinas específicas. “Na Europa, os estudantes fazem essas escolhas no Fundamental II. No Brasil, a gente acha que a maturidade não chega a tanto. Eles vão ser expostos a diferentes áreas de conhecimento, e, depois, vão escolher uma área de aperfeiçoamento. Boa parte dos estudantes escolhem faculdade com 16 anos, então tem condições de fazer escolha diária também”, observou Cláudia Costin.

Por outro lado, os críticos veem como forma de aumentar o índice de evasão escolar. “O estudante de escola pública, dos bairros periféricos, estuda perto de casa. A tendência é que a especialização mine o interesse desses jovens. Esse Novo Ensino Médio tem objetivo de fazer com que os jovens de classe baixa não cheguem à universidade”, analisou Glauco Gonçalves.

A professora Cláudia Costin também acredita que haverá impacto da sociedade, mas não crê que a culpa será do novo modelo. “Vamos ter impacto (na desigualdade social) por conta da pandemia e da 4ª revolução industrial e não por causa do Novo Ensino Médio”, analisou a ex-ministra ao pontuar sobre a falta de acesso à tecnologia de classes menos favorecidas.

O aumento de carga horária e o tempo integral nas escolas são os pontos de destaques levantados por Cláudia Costin. “Coloca o aluno como protagonista de sua própria aprendizagem, o aluno vai aprender a ser crítico e a pensar”, analisou.

Para o coordenador do Cepae-UFG, o novo ensino médio funcionará em escolas públicas e particulares com boas estruturas. No entanto, aquelas com falta de recursos e de adequação, não cumprirão as expectativas, pois é necessário um conjunto de políticas públicas. “Há a Globalização da escola como um lugar de habilidades, baseado na formação de um cidadão crítico, capaz de pensar, que vai ser formado para ser cidadão, não apenas trabalhador. Vemos países emergentes que tiveram educação como motor para o desenvolvimentom, mas, para isso, tem de ter dinheiro, professor tem de ganhar bem”, analisou.

Em âmbito local, há esforços de secretarias municipais e estaduais com parceria de fundações. Glauco Gonçalves enfrenta dificuldades para organizar o novo currículo. “Nem as escolas particulares estão prontas. O Enem vai ter que se adaptar. O Ministério da Educação não tem mostrado nenhum esforço para isso. É um risco grande. Não sabemos se será feito de maneira adequada. Estamos falando de algo que não tem volta”, cobrou o professor.

Maior autonomia

Com o Novo Ensino Médio, os estudantes terão a carga horária ampliada de 800 horas para mil horas anuais, e uma nova organização curricular que contempla, além da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), os itinerários formativos, que são um conjunto de componentes eletivos, oficinas, projetos, entre outras situações de aprendizado, que poderão ser escolhidas pelos estudantes.

As escolas deverão ofertar até cinco itinerários formativos, são eles: Linguagens e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias, Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, Ciências da Natureza e suas Tecnologias, e Formação Técnica e Profissional. Esses itinerários podem variar de acordo com o contexto da escola, que terá autonomia para decidir o que irá ministrar conforme as necessidades e os interesses de seus estudantes.

O estudante pode mudar de opção caso queira. Todos os estudantes dentro desse novo modelo de ensino terão, de acordo com o MEC, total liberdade para decidir à qual área se aproximará e, se no caminho o aluno não tiver mais interesse na formação escolhida, poderá mudar. Vale ressaltar que a formação básica continua sendo obrigatória e não pode ser excluída ou modificada pelo aluno. Ou seja, todos os estudantes vão continuar desenvolvendo habilidades e competências relacionadas à língua portuguesa, matemática, geografia, história, física, química, biologia, artes, educação física, sociologia, filosofia e língua estrangeira.

Quando ao Enem, haverá mudanças. Conforme o cronograma divulgado pelo MEC, essa alteração somente irá acontecer em 2024. O vestibular passará a incluir, além das quatro áreas de conhecimento para a formação básica, os itinerários formativos. Até lá, os estudantes continuarão realizando o tradicional vestibular. Para o ministro da Educação, Milton Ribeiro, a “educação é sempre de médio e longo prazo, nada de curto prazo.