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Lei de Responsabilidade Fiscal estadual causa desconforto no meio empresarial, mas eles são unânimes ao afirmar que ela é necessária para promover o enxugamento da máquina

Economista Giuseppe Vecci: “Proposta é boa, mas é preciso ir ainda mais além” Helenir Queiroz: “O Estado não pode gastar mais do que tem” Pedro Alves: “Equilíbrio fiscal é uma cobrança da sociedade atual”
Economista Giuseppe Vecci: “Proposta é boa, mas é preciso ir ainda mais além”
Helenir Queiroz: “O Estado não pode gastar mais do que tem”
Pedro Alves: “Equilíbrio fiscal é uma cobrança da sociedade atual”

Marcos Nunes Carreiro

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) foi promulgada em 4 de maio de 2000 pelo então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. À época, a legislação representou um grande marco na gestão fiscal do País. Foi eficaz, por exemplo, em reduzir o endividamento dos Estados e organizar a gestão pública de forma que os Estados tivessem superávit primário; 15 anos depois, a situação já não é lá as mil maravilhas. Entre 2011 e 2012, já na gestão de Dilma Rous­seff, o governo federal começou a permitir que os Estados fizessem menos superávit primário e acertassem mais recursos oriundos de empréstimos.

Mas a lei é mais conhecida por regular o gasto com folha de pagamento, estipulada em 60% da receita corrente líquida para Estados e municípios. Infelizmente, mesmo que muitas unidades da federação estejam dentro dos limites da LRF, ela não impediu que todos os Estados estivessem com suas receitas comprometidas com folha de pagamento. Todos. Tal questão tem feito com que muitos estudem implantar leis estaduais.

É o caso de Goiás, que, mesmo abaixo dos 60% — 58,9% da receita estadual é atualmente revertida para o pagamento de pessoal — tem sofrido para manter a folha em dias, dado seu tamanho. Entra aí a ideia de criar uma legislação própria, visto que entrar na pauta legislativa federal é muito difícil, sobretudo em um período político complicado como o atual. Aproveita-se para tratar de algumas particularidades estaduais que não são tratadas pela lei federal, caso dos incentivos fiscais, tão caros ao Estado. Fala­remos dos incentivos depois.

Muitas são as questões que podem ser tiradas dessa proposta do governo. A principal delas parece ser a criação de condições para que o Estado continue investindo. Isto é, criar poupança, como relata o economista e deputado fe­deral Giu­seppe Vecci: “O Estado existe para o ci­dadão. E para melhorar a vida, tanto das pessoas quanto do Estado, é preciso ter poupança, que significa sobra de recursos para fazer investimentos. Logo, não se pode gastar apenas com despesa corrente — pessoal, custeio etc. É preciso resgatar o papel do Estado: confiscar impostos de todos e, em cima disso, poder atender prioritariamente a clientela, que é a população”.

Afinal, como diz a própria secretária da Fazenda, Ana Carla Abrão, qual o objetivo principal do equilíbrio fiscal? “Conseguir viver com as próprias pernas”. A lógica do Estado deveria funcionar, em tese, como as finanças de uma casa: se no fim do mês sobra dinheiro, é possível reformar o imóvel ou trocar de carro. Contudo, se a gestão fiscal está desequilibrada e a renda do futuro foi comprometida sem considerar o que vai acontecer do ponto de vista de receita, nunca será possível fazer nada sem recorrer a um empréstimo.

Segundo Ana Carla, é essa a proposta da LRFe. “A lei irá, em um primeiro momento, equilibrar as contas do Estado, de forma a garantir que o Tesouro tenha condições de fazer investimentos e andar sem tanta dependência da União”, diz ela lembrando, porém, que Goiás ainda tem despesas maiores que receitas. Logo, o primeiro objetivo é garantir que esse déficit — no primeiro semestre, Goiás terminou com um déficit operacional de R$ 100 bilhões — cesse. Mas garante: a continuidade da lei fará com que, cada vez mais, Goiás tenha capacidade para investir com recursos próprios.

E Goiás não é o único que caminha nessa direção. O Rio Grande do Sul encaminhou para sua As­sembleia Legislativa um projeto sobre uma lei estadual, que está muito focado em despesa de pessoal. Espírito Santo está preparando a sua lei, assim como Mato Grosso. De todos, a de Mato Grosso é a mais parecida com a goiana. “O governador está fazendo algo que pode ser legado para Goiás para que nunca cheguemos a uma situação de descontrole como vemos em outros Estados. Mas a sociedade é que deve dizer se quer isso ou não”, avalia Ana Carla.

E o que os empresários acham disso? Pedro Alves, empresário e presidente da Federação da Indústria de Goiás (Fieg) diz que ainda não teve acesso ao projeto, mas é assertivo ao dizer que “a sociedade, de modo geral, cobra das autoridades executivas o equilíbrio fiscal”. Para ele, tudo aquilo que é feito para tornar o Estado mais eficiente e que tenha equilíbrio das contas, é válido. “Assim, evita-se ficar aumentando impostos sempre que necessário. Se há dúvidas sobre o projeto, o importante é que a Sefaz convoque os empresários para explicar tudo a eles”, opina.

Helenir Queiroz, empresária e presidente da As­sociação Co­mercial, Indus­trial e de Ser­viços do Estado de Goiás (Acieg), por exemplo, afirma que é a favor da lei e cita o atual momento do governo federal como exemplo: “Gastou mais do que devia, agora tem que au­mentar o imposto sobre a folha de pagamento e já analisa a possibilidade de criar mais impostos. Ou seja, corre atrás do cidadão para buscar o dinheiro que faltou. Então, é importante ter uma legislação que limite os gastos e que diga claramente as responsabilidades do Es­ta­do, pois a própria legislação federal deixa margem para manobra”.

“Ir além”

O economista Giuseppe Vecci concorda com a lei, mas diz que é preciso ir além. Ele cita quatro pontos:

1) Reduzir despesas;
2) Contar com a iniciativa privada;
3) Incrementar as receitas;
4) Preparar melhor o servidor público.

“O Estado precisa criar um programa de concessões para chamar a iniciativa privada, que deve fazer investimentos no âmbito estadual. O que importa para a população é ter suas demandas atendidas. Além disso, precisamos incrementar receitas: tributária e não-tributária. Mesmo sabendo que este é um momento no qual a economia não cresce, há espaço para aumentar a receita”, analisa.

Sobre o último ponto, o e­co­nomista relata que a qualificação das pessoas visa melhorar a produtividade do setor público. “As pessoas podem produzir mais e, consequentemente, manteremos o mesmo número de profissionais. E melhorar a produtividade significa mais qualificação, novos processos e tecnologia. Com isso, teremos ganhos em nível de Estado”.

Independência dos Poderes

A proposta do governo é reduzir os limites não apenas do Executivo, mas também dos outros Poderes. Atualmente, os limites são 48,6% (Executivo), 3,4% (Legis­lativo e tribunais de contas), 6% (Judiciário) e 2% (Ministério Público). A proposta é diminuir para: 44,6% (Executivo), 3,2% (Legislativo e tribunais de contas), 5,4% (Judiciário) e 1,8% (Ministério Público). Como a proposta altera também os outros Poderes e não apenas o Execu­tivo, surgiu certo burburinho em relação a um desrespeito à independência dos Poderes.

Porém, Ana Carla diz que a lei foi feita “com todo o cuidado, justamente para não ferir a independência dos Poderes. O que estamos avaliando é o que a lei federal já faz: isto é, definir os limites de comprometimento de receita com as despesas de pessoal. Assim, como reduzimos os limites do Executivo, é necessário que todos tenham consciência de que é necessário reduzir”.

Outro ponto apontado como essencial é sobre a determinação do Tesouro Nacional para, com relação à despesa de pessoal, aliar folha de ativos, inativos e pensionistas. Atual­mente, segundo a secretária, o Tri­bu­nal de Contas do Estado (TCE) tira a folha de pensionistas para fazer a apuração. “Esse critério subestima o volume de comprometimento. Nossa proposta é apenas incluir isso para todos os Poderes. Ou seja, a lei quer: restringir mais os gastos com pessoal e deixar mais claro que os poderes também têm que cumprir a lei”, relata.

 

Quando se trata de gestão, o Estado de Goiás e a iniciativa privada parecem ficar cada vez mais próximos 

Atrair a iniciativa privada para perto do Estado tem se tornado claramente um objetivo desta gestão de Marconi Perillo (PSDB). Todas as ações caminham para esse sentido, seguindo a ideia de que o poder público não consegue prover todos os serviços necessários à população com a qualidade esperada.

Tal conceito serve de argumento, inclusive, para justificar uma parte da defesa pela Lei de Responsabilidade Fiscal estadual, uma vez que, com parte dos serviços públicos repassados à iniciativa privada, não é preciso ter um Estado tão inchado em termos de folha de paga­mento. Seria o próprio Estado procurando se gerir mais como uma empresa privada.

Na visão da empresária Helenir Queiroz, esse é um bom conceito. Ela diz que o sistema brasileiro atual não funciona por uma série de razões, mas, “quando se entrega isso para a iniciativa privada, resolve porque a pressão que os empresários estão costumados a lidar é a do cliente e não a dos políticos. Atenda bem o cliente, entregue o melhor produto, que ele irá te recomendar e continuar fazendo negócio com você. É assim que funciona”, analisa.

Para ela, ao entregar parte dos serviços para a inciativa privada, o Estado controlará o que tiver de ser controlado e não se desgastando com o todo, mas com o específico. “A secretária de Fazenda do Estado, Ana Carla, tem enfrentado alguma dificuldade, justamente por ter uma cabeça moderna, por estar à procura de um Estado mais eficaz e enxuto. O brasileiro não está acostumado com isso”.

 

“A lei não quer enfraquecer os incentivos fiscais; ao contrário, iremos fortalecê-los”, diz secretária da Fazenda

Foto: Fernando Leite /Jornal Opção
Foto: Fernando Leite /Jornal Opção

Se a lei é benéfica,o capítulo III da lei abre, porém, uma polêmica ao propor certa regulação sobre os incentivos fiscais.

São dois artigos especificamente: 8º e 9º. O primeiro determina que a concessão ou ampliação dos benefícios de caráter tributário só poderão ser feitos se acompanhados de “estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes”, além de exigir adequação a dois critérios:

1) De que o benefício não afetará as metas de resultados primário e nominal, previstas na lei de diretrizes orçamentárias; e 2) A renúncia de receita, se houver, deverá estar acompanhada de medidas de compensação, como: elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo — ou contribuição — ou redução de outros incentivos fiscais, em valor equivalente ao benefício a ser concedido.

O artigo 9º, por sua vez, legisla sobre a possibilidade de novos incentivos. São definidas condições para que isso seja feito a partir da promulgação da nova lei:

1) Só poderão ser concedidos por tempo determinado e mediante regulamentação — a ser feita por meio de decreto do governador;

2) Realização prévia de estudos de viabilidade econômico-financeira, de acordo com as peculiaridades de cada empreendimento;

3) A empresa deverá enviar proposta técnica de solicitação de benefícios tributários à Comissão de Avaliação de Inventivos Fiscais do Estado contendo: metas de investimento, condicionantes e obrigações que deverão ser assumidas pelas empresas beneficiadas e auditadas pelo Estado;

4) A empresa terá que se submeter à sistemática de acompanhamento, controle e avaliação do benefício fiscal pelo prazo determinado, e obedecer a avaliação de indicadores de caráter econômico, tecnológico, ambiental e espacial. Além disso, a empresa será responsabilizada pelo cumprimento de metas estabelecidas nos projetos em termos de volume de arrecadação de ICMS, número de empregos gerados no mercado local, número de benefícios sociais aos empregados e à comunidade e quantidade de empresas complementares implantadas.
Veja os parágrafos de 2 a 5 do artigo 9º:

§ 2º Somente poderão ser concedidos incentivos fiscais a empresas que comprovem:

I – possuir em seus quadros funcionais pessoas com deficiência em quantidade compatível com os parâmetros fixados no art. 93 da Lei Federal nº 8.213, de 24 de julho de 1991;

II – não possuir passivos ambientais junto ao Estado;

III – não possuir passivos de natureza trabalhista decorrente de ação transitada em julgado;

§ 3º Os incentivos fiscais não poderão ser concedidos a contribuinte que incorra em qualquer dos seguintes impedimentos:

I – esteja irregular junto ao Cadastro de Contribuintes do Estado de Goiás;

II – esteja inscrito na Dívida Ativa do Estado de Goiás;

III – seja participante ou tenha sócio que participe de empresa inscrita na Dívida Ativa do Estado ou que tenha a inscrição cadastral cancelada ou suspensa;

IV – esteja irregular ou inadimplente com parcelamento de débitos fiscais de que seja beneficiário.

§ 4º A Se­cre­taria de Fa­zen­da do Es­tado co­municará aos agentes beneficiários de benefícios tributários que estejam enquadrados em alguma das situações descritas no § 3º para regularizarem sua situação no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, após a publicação desta Lei Complementar.

§ 5º Perderá o direito ao benefício tributário previsto nesta Lei, com a consequente restauração da sistemática normal de apuração do imposto e a imediata devolução aos cofres públicos estaduais de todos os valores não recolhidos, decorrentes do benefício concedido, acrescidos de juros e correção monetária, o contribuinte que realizar qualquer tipo de operação comercial ou mudança societária que se caracterize como sucessora ou represente redução no volume de operações ou desativação de outra empresa, integrante do grupo econômico que realize negócios com o mesmo tipo de produto objeto do referido benefício.

A preocupação dos empresários, co­mo relata Helenir Queiroz, é que, benefícios como créditos outorgados, ou o próprio Pro­duzir, sejam reduzidos a cada ano com previsões cada vez menores de recursos destinados às empresas, tanto as que já contam com os incentivos quanto as que ainda podem realizar investimentos no Estado. “A maior preocupação do setor produtivo é com a regulamentação dos incentivos fiscais, que são a nossa ferramenta de crescimento”, diz.

Para a empresária, o crescimento do Estado, atualmente, depende, mais que nunca, de crédito. “Até porque o índice de inadimplência é um dos maiores que o País já viveu. E como o dinheiro é caro nos bancos, o crédito com a finalidade de incentivar o setor produtivo é fundamental para a criação de novas empresas e geração de riqueza e emprego, que é o que queremos. Não há como se questionar que a política de incentivos adotada pelo governo do Estado deu outro perfil a Goiás. Hoje, estamos no clube dos mais desenvolvidos e isso não pode parar. Fora esse ponto, a lei é fantástica”, alerta.

Questionada sobre a questão, a secretária da Fazenda, Ana Carla Abrão, diz que há um equívoco na avaliação dos empresários e ressalta: “Nesta semana, estarei na OAB [Ordem dos Advogados do Bra­sil], na Adial [Associação Pró-desenvolvimento Industrial do Estado de Goiás], na Acieg [As­sociação Comercial, Industrial e de Servi­ços do Estado de Goiás], e qualquer ou­tro lugar que seja ne­cessário. É importante deixar claro qual o objetivo desse dispositivo”.

A secretária informa que o objetivo da lei em relação aos incentivos é dar transparência e sustentabilidade aos benefícios estaduais, o que gera também segurança jurídica para os empresários. “Se o Estado concede benefícios, deixando claro no orçamento que eles cabem e serão sustentados no tempo, isso dá segurança jurídica àquelas empresas que se instalam aqui e recebem os benefícios”, relata.

Ana Carla ressalta que dois pontos precisam ficar claros quando o assunto são os incentivos: “Em primeiro lugar, não visamos nem reduzir nem limitar os benefícios. Os incentivos fiscais que aí estão, aí continuarão, pois têm contratos assinados e assim ficarão. Segundo: o que queremos garantir é sustentabilidade e transparência, que é um clamor da sociedade.
Quantas vezes não ouvimos a oposição dizer na Assembleia, por exemplo: ‘Ah, esses benefícios são vultosos e o que o Estado ganha de volta?’. Bem, nós sabemos que gera retorno para Goiás, mas, com a lei aprovada, tudo isso estará claro no orçamento”.

Ela explica a exigência da lei proposta é para que tudo fique claro. Constará no orçamento: quanto o Estado renunciará de receita em isenção tributária para as empresas e qual a exata contrapartida: quantos empregos gerados, quantos milhões em investimentos, além do acréscimo na arrecadação que compensará a renúncia tributária. Na verdade, esse cálculo já é feito no âmbito das secretarias de Desenvol­vimento e da Fazenda. Assim, a obrigação da lei é para que isso seja tornado mais claro.

A secretária diz que as dúvidas sempre surgem quando há modificações em assuntos importantes, mas faz questão de frisar: “Não existe uma teoria da conspiração. Ao contrário, o governo de Goiás é o que mais defende os incentivos fiscais. O governador Marconi Perillo tem como bandeira principal a defesa dos incentivos. Assim, não faríamos uma lei que os atrapalhasse em Goiás. Queremos é fortalecê-los”.