Megaempreendimento do Setor Marista é investigado pelo MPGO, que pode suspender
o alvará de construção a qualquer momento. Isso se a Câmara não o fizer primeiro

Promotora Alice de Almeida Freire: prerrogativa de parar as obras até que toda a suposta fraude seja esclarecida
Promotora Alice de Almeida Freire: prerrogativa de parar as obras até que toda a suposta fraude seja esclarecida | Divulgação/MP

Alexandre Parrode
Colaborou: Sarah Teófilo

A situação do Nexus Shop­ping & Business se agrava cada vez mais. Me­nos de uma semana após o Jor­nal Opção revelar com exclusividade uma suposta falsificação de assinaturas no Estudo de Im­pacto de Vizinhança (EIV) do empreendimento das construtoras Consciente e JFG, o Ministério Pú­blico do Estado de Goiás (MPGO) abriu investigação contra o gigante.
Em face da possibilidade de fraude na documentação do em­pre­endimento, a 7ª Promotoria de Justiça de Goiânia do Meio Am­bi­ente, Patrimônio Cultural e Urba­nismo já está apurando as irregularidades apontadas pela reportagem — e também denunciadas por outros representantes da sociedade civil.

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No dia 6 de outubro, a promotora Alice de Almeira Freire deu início ao Procedimento Preparatório nº 035/2015, resultado de uma denúncia feita pelo Sindicato dos Ar­qui­tetos e Urbanistas do Estado de Goiás (Sarq-GO), para analisar toda a documentação do Nexus, a­pro­vada pela Secretaria de Pla­ne­ja­mento Urbano e Habitação (Seplanh).

Um dia depois foi expedido um ofício, endereçado ao atual titular da pasta, Paulo César Pereira, para que, “em caráter de urgência”, tome providências em relação a “possíveis irregularidades na realização do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) e Estudo de Impacto de Trân­sito (EIT), bem como na aprovação do projeto do empreedimento denominado ‘Nexus Shopping & Business’”.

Júnior Friboi, da JFG, um dos sócio do megaempreendimento | Foto: Fernando Leite
Júnior Friboi, da JFG, um dos sócio do megaempreendimento | Foto: Fernando Leite

De acordo com o documento, o secretário deverá enviar informações acerca dos fatos narrados, “especificamente quanto à aprovação do empreendimento”, sendo que o relatório terá que ser acompanhado de cópias de todos os documentos do processo — incluindo a pesquisa de opinião, que foi o objeto da matéria publicada na edição 2100.

O prazo para que a documentação completa seja entregue pela Seplanh é de dez dias úteis e não há possibilidade de recusa, retardamento ou omissão — sob pena de reclusão e multa, com base no artigo 10 da Lei nº 7.347/1985.

É importante ressaltar que o Procedimento Preparatório, que antecede uma ação do MPGO, tem total liberdade de investigação e pode, inclusive, convocar pessoas para esclarecer a denúncia. De fato, a promotoria deverá ouvir os responsáveis pelo Nexus, empresários Ilézio Inácio Ferreira e José Batista Júnior (o Júnior Friboi), bem como os técnicos da prefeitura que assinaram o processo.

O Jornal Opção apurou, ainda, que a promotora já ouviu algumas das pessoas que foram citadas no EIV que está sob suspeita. Mora­do­res do Setor Sul, Marista e Oeste foram convocados a prestar esclarecimento sobre a possível falsificação das assinaturas na pesquisa de opinião anexada ao processo do Nexus.

Há, de fato, a possibilidade de a promotora pedir a suspensão do alvará de construção do Nexus a qualquer momento. Caso entenda que haja indícios suficientes de fraude no EIV e EIT, Alice de Almeida Freire tem a prerrogativa de parar as obras até que toda a suposta fraude seja esclarecida.

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Ilézio Inácio Ferreira, da Consciente, outro sócio do prédio | Fernando Leite/Jornal Opção

A denúncia do Sarq-GO trata, justamente, dos estudos de Impacto de Vizinhança e Trânsito. Em entrevista ao Jornal Opção, o presidente do sindicato, Garibaldi Rizzo, afirmou que a “voz geral” da comunidade arquiteta é em relação as consequências da construção do gigante. “A preocupação de toda a classe não é só com o impacto no trânsito da região, que já é caótico, mas também com a viabilidade técnica operacional. A coleta de esgoto, por exemplo. O processo foi encaminhado para a Saneago? O impacto ambiental deve ser melhor avaliado”, defende.

Além de presidente do Sarq-GO, Rizzo é integrante do Con­selho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás (CAU-GO) e da Co­missão Especial de Política Urbana e Meio Ambiente (Cepua).

“Nosso grande questionamento é justamente com a possibilidade de a prefeitura ter liberado o Uso do Solo sem que o estudo para avaliar o impacto tivesse sido feito”, alerta ele. A legislação reza que, para se obter o alvará de construção, a empresa deve realizar o EIV e o EIT.

Inclusive, Rizzo fez questão de questionar a maneira como a Consciente Construtora e a JFG Empreendimentos discutiram a construção com a comunidade — feita por meio de uma pesquisa de opinião, cuja validade foi questionada por especialista ouvido pelo Jornal Opção.

“Para se discutir uma obra deste porte, deveriam ter realizado algumas audiências públicas, com a participação de moradores da região, especialistas e formadores de opinião para que pudessem ser discutidas as reais consequências do Nexus”, asseverou o presidente que arrematou: “Não somos contra o adensamento urbano, mas é preciso haver condições”.

Decreto

Estudo de Impacto de Vizinhança do gigante deve ser questionado na Justiça
Estudo de Impacto de Vizinhança do gigante deve ser questionado na Justiça

Foi protocolado na Câmara de Vereadores de Goiânia, na última semana, decreto legislativo pedindo a suspensão do alvará de construção concedido ao megaempreendimento Nexus Shopping & Bu­siness. O pedido se baseou na re­por­tagem exclusiva do Jornal Opção.

Autor do decreto e das denúncias contra o gigante do Setor Ma­ris­ta à CEI das Pastinhas, que investiga supostas irregularidades na emissão de alvarás, o vereador Djalma A­raú­jo (Rede) justifica o decreto. “Aquela obra não pode ser construída naquele local, além do impacto no trânsito e na vizinhança vai trazer grandes transtornos. São dois empresários poderosos e com dinheiro que querem mandar em Goiânia. Eles precisam obedecer a legislação, existe o Plano Diretor. A lei diz que as audiências públicas devem ser realizadas e pelo menos 20 pessoas devem participar, eles fizeram uma pesquisa de opinião fraudada constatada por um perito. Espero que a Câmara seja sensível”, destacou.

No dia 6 de outubro, a CEI das Pastinhas aprovou pedido de perícia técnica das assinaturas da pesquisa de opinião do EIV. Um dia antes, o titular da Seplanh, Paulo César Pereira, garantiu que irá abrir investigação interna para avaliar se houve fraude no estudo. Segundo ele, a administração está atenta e “não se pauta em agradar grandes empreendedores”. “Não farei prejulgamentos, mas os indícios serão apurados, com certeza”, afiançou ao jornal.

No mês passado, o Jornal Opção mostrou que o EIV já havia recebido parecer contrário do Paço Municipal em 30 de janeiro de 2014. O relatório apresentado não atendeu às recomendações da antiga Se­cre­taria Municipal de Desenvolvimento Sustentável (Semdus), hoje Seplanh.

Moradores podem processar donos de empresas por danos morais
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Advogado Pedro Sérgio sugere que moradores podem pedir indenização, caso fraude seja comprovada

O Jornal Opção conversou com dois advogados sobre possíveis processos que podem ser gerados caso comprovada a fraude das assinaturas no processo para liberação de alvará do Nexus Shopping & Business, mostrado na reportagem da última semana.

O advogado criminalista Vitor Hugo Pelles explicou que, caso seja constatado com a análise completa do material, que as assinaturas, ou mesmo algumas delas, foram feitas por uma mesma pessoa, a conduta se enquadraria no Artigo 299, do Código Penal, que trata de falsidade ideológica.

“Omitir em documento público ou particular declaração que dele deveria constar ou nele inserir ou fazer inserir nele declarações falsas ou adversas da que deveria ser escrita, com o fim de prejudicar, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.

Incorre da pena de reclusão de um a cinco anos e multa se o documento é público. E reclusão de um a três e multa se o documento é particular. Se o agente é funcionário público e comete o crime prevalecendo-se do cargo ou de falsificação ou alteração, é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de 6ª parte”, sustentou.

Nesse caso, o professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e advogado Pedro Sérgio dos Santos explicou que, se a fraude for comprovada e os autores condenados pela Justiça, os moradores poderão requerer uma indenização.

“Se houver dano moral, a pessoa pode, sim, processar, pois utilizaram seu nome. Os que se sentirem prejudicados poderão entrar com ação contra os responsáveis da empresa, caso o crime seja comprovado”, justificou.

Entretanto, como mostrado pelo Jornal Opção em matéria na última semana, os formulários possuem apenas o endereço (muitas vezes incompletos) com rubrica, que nem sempre identifica o entrevistado. Conforme explicou Pedro Sérgio, ao olhar alguns dos formulários, se não é possível identificar o autor da assinatura, não existe ente prejudicado. “Isso aqui não prejudicou ninguém, porque não dá para saber quem é. Se souber quem é, e for identificado o prejudicado, aí sim pode desencadear um processo.”

Pedro Sérgio segue explanando que, por exemplo, no caso de um formulário que possui endereço completo de uma casa, mas o dono do local garante que nunca assinou, não reconhece a assinatura do documento e não concorda com a construção, ele pode processar o dono da empresa – pelo fato da empreendimento gerar impacto em sua vida, que reside na região dos arredores. “Podem responder do ponto de vista cível. Penalmente, quem responde é o autor, e possível coautor da fraude em si”, relatou.

É necessário deixar claro que o responsável só poderá ser apontado depois de aberto um inquérito policial ou processo no Ministério Público, para que o caso ser julgado. “Se constatada fraude e ao final do inquérito, depois de todas as investigações, chegar à conclusão que quem mandou falsificar foi empresa A ou B, aí sim os donos podem responder penalmente”, explica Pedro Sérgio.

As investigações é que apontarão de onde partiu a intenção de cometer o ato ilícito. Caso tenha havido o crime de falsificação, de fato, é preciso apurar se o autor o fez por conta própria, ou se a mando de outra (s) pessoa (s) – configurando um coautor do ato ilícito.

Os formulários da pesquisa de opinião, anexados no processo para retirada do alvará de Uso de Solo para início das construções do empreendimento, podem descumprir os princípios da administração pública, segundo o advogado Pedro Sérgio. Estão previstos na Constituição Federal os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, que devem ser respeitados pelo poder público, seja ele municipal, estadual ou federal.

O professor questiona que a prefeitura não poderia aceitar os formulários com apenas uma rubrica e o endereço incompleto. Para ele, mesmo que haja uma regra própria, esta deve seguir, sim, os princípios da administração pública. “Pode ser que seja questionado o fato de que não está sendo cumprido o compromisso com a transparência”, conjecturou.

Desqualificação da pesquisa

Se a pesquisa tiver sido, mesmo, fraudada após análise da perícia, que será feita pela Câmara Municipal, o advogado acredita que seria o caso de “cassação do alvará”. A explicação é justamente o vício, o erro.

“O que eles requereram da prefeitura foi um documento administrativo, que pode ter sido produzido com informações falsas. Então se o alvará tiver sido produzido com informação falsa, houve um ilícito administrativo. E o poder público tem o direito e dever de rever o ato administrativo embasado em documento nulo, falso, ou o que seja. Em suma, o administrador, que foi conduzido ao erro, pode voltar atrás”, esclareceu.

Consciente insiste na “legalidade” do Nexus

Ante as novas frentes de investigações levantadas pelo jornal, a Consciente Construtora preferiu não comentar sobre a possibilidade de fraude na pesquisa de opinião apresentada pela empresa e se restringiu a dizer que o empreendimento está “legal”.

“A Consciente Construtora informa que, ao tomar conhecimento das questionamentos a respeito do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) para o Nexus Shopping & Business, fez nova consulta nesta semana à Se­cretaria Municipal de Planeja­mento Sustentável (Semdus), que reafirmou a regularidade do estudo e a análise dos técnicos. A empresa contratou os serviços da Construtora Milão para a elaboração do referido estudo. O escritório, na época, detinha a melhor referência para a realização de trabalhos desta natureza, respondendo inclusive pelo EIV de todos os grandes empreendimentos da capital, além de também atuar em outras cidades. Todo o estudo foi submetido, analisado e aprovado pelos técnicos pela Prefeitura de Goiânia”, escreveu a nota da assessoria de imprensa.

Um grande evento deverá marcar o lançamento oficial do Nexus, previsto para o dia do aniversário de Goiânia, 24 de outubro.