Nem à direita e nem à esquerda: futuro da política goiana pode estar ao centro
28 julho 2024 às 00h00
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Em abril deste ano, um levantamento divulgado pelo Ipec mostrou que quase 47% do eleitorado procura candidatos a prefeito e vereador sem vínculos com o presidente Lula da Silva (PT) e com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Conforme Márcia Cavallari, responsável pela pesquisa, a pesquisa evidencia a vontade de renovação por parte da população e a expectativa de um novo modelo de liderança na política.
Já uma pesquisa do instituto Futura Inteligência, divulgada em janeiro deste ano e que trouxe dados de 15 capitais brasileiras, mostrou que na maioria delas a população não apontou ter preferência ideológica na hora de escolher seu candidato. De acordo com o levantamento, que perguntou se “o posicionamento político do candidato é importante na decisão do seu voto?” e “se sim, tem preferência por algum posicionamento político?”, a maioria dos entrevistados de oito capitais – Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza, Recife, Salvador, São Luís, Belém e Manaus – mostrou ser indiferente à questão ideológica.
Mesmo que Goiânia tenha figurado no rol das capitais em que os entrevistados se identificaram mais no espectro da direita (48%), o compilado geral dos dados aponta para um eleitorado cada vez mais moderado e que tenta fugir de polarizações radicais. O cenário político das grandes cidades goianas neste ano parece corroborar esse ponto. Pesquisas de intenção de voto revelam que os pré-candidatos que melhor pontuam, até o momento, são justamente aqueles com posturas e discursos mais moderados, ao centro, do que à direita ou esquerda.
Segundo levantamento do instituto Opção Pesquisas divulgada no início de junho, a deputada federal e pré-candidata à Prefeitura de Goiânia pelo PT, Adriana Accorsi, aparece em primeiro lugar na pré-corrida eleitoral, com 19,7% das intenções de voto. Logo atrás e tecnicamente empatado com ela, aparece o senador e pré-candidato do PSD, Vanderlan Cardoso, com 19%. Mesmo os dois colocando a si mesmos em espectros ideológicos (Adriana Accorsi se diz de esquerda, e Vanderlan Cardoso, de direita), ambos podem ser vistos, no caminhar das articulações políticas, mais como de centro-esquerda e centro-direita.
Não faltam entrevistas nas quais Cardoso se orgulha em destacar que é o tipo de político aberto ao diálogo com todos os nomes, independente do espectro político. O pessedista, que inclusive já surfou na onda bolsonarista, teve consistentes diálogos com o PT de Lula ao longo do ano passado e início deste. Cogitou-se, até, uma aliança entre ele e Adriana Accorsi. Em entrevista ao Jornal Opção em maio deste ano, Cardoso rebateu a informação, mas reforçou a abertura de janela de diálogo com quem quisesse dialogar. “Estou conversando com vários partidos. Conversei com Elias Vaz, o PSB, o Avante, o próprio Bruno Peixoto. Tenho diálogo com o Bruno, com o [Jorcelino] Braga. Tenho bom diálogo com todos”, disse.
Já Adriana Accorsi, ao contrário de Vanderlan Cardoso, que se autointitula de esquerda e admite contar com o apoio do presidente Lula da Silva para tentar se eleger como prefeita de Goiânia, é outra que, em gestos e diálogos, e talvez mais pelo espírito público e diplomático herdado do pai, Darci Accorsi, se coloca mais ao centro e centro-esquerda do que na esquerda propriamente dita.
Ainda sem definição do nome, o mais provável é que Adriana feche com o PSB (um partido de centro-esquerda) para a indicação de sua vice. No entanto, a própria pré-candidata petista admitiu como vice dos sonhos um nome no espectro de centro e até de centro-direita, ligado ao setor produtivo e industrial. “O nosso interesse é construir uma frente ampla. A frente ampla tem de ser verdadeira, e não apenas no discurso. Nesse sentido, precisamos ter humildade, coração aberto para agregar divergentes que possam colaborar com nossa chapa por meio do seu trabalho. Divergentes podem ser unidos em prol da cidade, e acredito que é disso que Goiânia precisa hoje”, disse a petista, em entrevista à reportagem concedida em abril deste ano.
O centro necessita de líderes, diz Vilmar Rocha
Ao Jornal Opção, o advogado, ex-deputado estadual e federal e professor Vilmar Rocha, do PSD, se referiu a Adriana como uma política moderada. “Ela se comporta mais como de centro-esquerda do que da esquerda tradicional. Inclusive, a Adriana é uma policial, já esteve na direção da Polícia Civil de Goiás. Você não conhece, na trajetória dela, nada de radical, nada. Então, se ela for prefeita, a gente pode dialogar com ela. Diálogo, é isso que tem que ser”, disse.
Com vasta experiência na vida pública, o ex-presidente do PSD reflete justamente que a maioria da política do Brasil é de centro. “Às vezes centro-esquerda, um pouco centro-direita, mas o eixo central, a maioria do pensamento político do Brasil, é de centro”.
“Nos anos 90, o PFL era um partido de centro-direita, e o PSDB, um partido de centro-esquerda. A aliança dos dois foi fundamental para dar sustenção ao governo Fernando Henrique Cardoso, e foi a base de aprovação de grandes reformas na economia e no Estado brasileiro. Só foi possível nós fazer as grandes reformas dos anos 90 com base nessa aliança”, relembra.
Para Rocha, para ter governabilidade e estabilidade política, é imprescindível que o mandatário tenha um partido de centro, centro-direita e centro-esquerda para o diálogo no Legislativo. “Ou seja, alguém que dialoga com o não-radical É aí que é o eixo, é a base pra gente avançar na aprovação de políticas públicas estruturantes, e não políticas públicas performáticas ou periféricas”.
O ex-parlamentar destaca ainda que ser de centro não significa ter posições indefinidas, pelo contrário. Para ele, é justamente essa característica de “isenção” que prejudica o caminhar correto de articulações políticas. “Hoje, no Brasil do governo Lula, é como se você estivesse voando num avião sem destino, você não tem um norte. Não tem um plano, não tem um projeto, não tem nada. Até porque a base dele no Congresso é uma base formada através do troca-troca, do interesse dos deputados”.
“Os partidos estão sendo capturados pelos interesses dos políticos. Esses partidos se comportam de acordo, eles não têm projeto, não têm posição. O que eles fazem? Eles fazem acordos de caráter eleitoral e político pessoal. Na verdade, o seguinte: antes o pessoal tinha vergonha, tinha constrangimento de falar que era de direita. Hoje já não existe mais isso. Hoje o pessoal está com vergonha de falar que é de centro. Porque não tem apelo eleitoral”, pontua.
Vilmar Rocha cita a si mesmo como um exemplo de político centrista tradicional, que defende uma postura ponderada e de diálogo com todos. O ex-deputado se descreve como “um cara que tem consistência intelectual, política e trajetória para sustentar essa bandeira”. “Na última eleição presidencial, eu fiz um vídeo bacana apoiando a Simone Tebet. Não por ela. Mas eu quis marcar uma posição de que eu era ‘nem Bolsonaro, nem Lula’, e a tebet era a única que tinha esse perfil”.
No entanto, Rocha afirma que o maior problema hoje é que, ao contrário da esquerda e principalmente da direita, o centro não possui uma liderança constituída. Em Goiás, o ex-deputado diz ser problemático apontar alguém com autoridade para se proclamar líder dos centristas, mas citou o ex-governador do Estado, Daniel Vilela, do MDB, como um “nome em construção”.
“Ele tem um potencial em construção. Mas o Daniel tem que consolidar essa liderança. Ele pode consolidar isso, é capaz de ter diálogo com outros setores, etc. Só que tem que consolidar. Ele ainda não está consolidado, mas pode se consolidar como uma liderança com capacidade de diálogo, de articulação, tudo isso. Com a sociedade, de ter um projeto pro futuro consistente”, argumenta.
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