Não há como desassociar o MDB da falência do Rio
20 janeiro 2018 às 13h57

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Jornal Opção vai ao Estado e conversa com políticos e servidores do segundo maior ente federativo em termos de arrecadação, que passa por uma grave crise

Marcelo Mariano
No Rio de Janeiro
Taxistas e motoristas de Uber costumam dar um bom panorama da realidade do município pelo qual trafegam. Por isso, quando se está em uma cidade nova, a conversa com eles pode ser interessante para entender a política local.
O repórter do Jornal Opção esteve no Rio de Janeiro durante quatro dias. Em uma cidade com figuras políticas tão polarizadas, como o deputado federal Jair Bolsonaro (ainda filiado ao PSC) e o deputado estadual Marcelo Freixo (Psol), é de se imaginar que seja difícil encontrar algum consenso. Mas, entre os motoristas de táxi e de Uber cariocas, há um hors concours às avessas: os governos estaduais do MDB — desde Sérgio Cabral (2007-2014) a Luiz Fernando Pezão (2014 à atualidade).
O presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), Jorge Picciani, o ex-presidente da Casa Paulo Melo e o líder do governo, Edson Albertassi — todos do MDB — estão presos por envolvimento em escândalos de corrupção. Além deles, ex-secretários de Estado, ex-assessores e o próprio ex-governador Sérgio Cabral — transferido na quinta-feira, 18, para Curitiba — encontram-se com a liberdade cerceada.
A crise não é só ética e moral. É também uma mescla de má gestão com dificuldades financeiras: empréstimos contraídos e isenções fiscais concedidas com a crença de que os royalties do petróleo seriam suficientes. Não foram, pois o preço da commodity caiu bruscamente. O desmonte da Petrobrás, responsável por um terço do Produto Interno Bruto (PIB) do Estado, também contribuiu para o agravamento da situação.
Aliado a isso, o aumento da carga tributária acabou tendo resultado inverso e culminou em uma perda de arrecadação. No Rio, o índice de sonegação fiscal em 2016 foi de 27,1%. Os impostos mais altos “incentivaram” uma maior sonegação, especialmente daqueles que não foram beneficiados com as isenções fiscais. Assim, o Estado passou a perder quase 50% da receita com a soma da sonegação e dos incentivos exagerados, que englobam até mesmo casas noturnas.
As consequências são evidentes. Insegurança generalizada e caos nos hospitais resultando em mortes de pacientes são só alguns dos exemplos. Os servidores públicos vêm tendo salários atrasados e, com isso, ficam impossibilitados de pagar suas contas e comprar comida — há relatos de servidores se suicidando, especialmente da área da saúde, que possuem a menor média salarial. O Movimento Unificado dos Servidores Públicos do Estado (Muspe) chegou a promover, em duas oportunidades, campanhas de arrecadação de alimento para os funcionários.
O Jornal Opção ouviu pessoas que estão vivendo o drama. Ramon Carreira, diretor do Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro (Sindjustiça-RJ), disse que não há como desassociar o MDB da falência do Rio. “Uma coisa está intimamente relacionada a outra. E pior: o governo optou pela saída mais covarde e injusta possível, que é penalizar o servidor.”
Presidente do Sindicato dos Policiais Civis do Estado do Rio de Janeiro (Sindipol-RJ), Marcio Garcia relata que o policial se sente abandonado pelo governo estadual e classifica as gestões Cabral e Pezão com as maiores “lástimas” da história do Rio. “Faço votos para que Goiás fique bem longe do MDB”, afirmou, ao saber que o repórter é goiano.
A saúde pública carioca, segundo André Ferraz, diretor da Associação dos Servidores da Vigilância Sanitária do Estado do Rio de Janeiro (Asservisa-RJ), está uma condição de redução de atendimento e de baixa perspectiva em oferecer um bom serviço à população em razão da escolha do grupo político que está no poder. “Precarizaram a força de trabalho e transferiram a gestão dos hospitais para a iniciativa privada, que, ao perceber que o lucro estava sendo menor que o esperado, fecharam algumas unidades de saúde.”
A educação é outra área que tem se deteriorado com os governos emedebistas. De acordo com Marta Moraes, coordenadora geral do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Estado do Rio de Janeiro (Sepe-RJ), a situação é de calamidade, haja vista o número de escolas sendo fechadas. “Existe uma política de enxugar gastos com a educação, que deveria ser, na verdade, encarada como investimento.”
Sérgio Dutra, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores das Universidades Públicas Estaduais do Rio de Janeiro (Sintuperj), corrobora a visão de Marta Moraes e frisa que o MDB é o principal responsável por essa crise. “Basta olhar as propostas e falas dos políticos da legenda em relação às universidades.”
Chegou-se ao ponto da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) ter de escolher entre doar animais ou sacrificá-los porque não havia dinheiro para comprar ração. Ademais, lamenta Sérgio, professores tiraram dinheiro do próprio bolso para comprar freezer e colocá-los em suas respectivas residências com o objetivo de preservar o banco genético da instituição, uma vez que há ameaças constantes de corte de luz no campus, que sofre ainda com assaltos.
Alerj

Com a prisão de Jorge Picciani e a licença médica do 1º vice-presidente da Alerj, Wagner Montes (PRB), o 2º vice, André Ceciliano, atualmente afastado do PT, assumiu a presidência da Casa.
Ceciliano minimiza a perda de arrecadação oriunda das isenções fiscais e atribui a crise do Estado à queda do preço do petróleo e ao aumento da folha salarial, que, segundo ele, triplicou em 10 anos.
O presidente interino da Alerj promete um ano de 2018 melhor. “Com o regime de recuperação e o ajuste fiscal, esperamos que os salários não atrasem mais.” A maioria dos sindicalistas ouvidos pelo Jornal Opção é otimista quanto ao novo ano, mas sugere que a eventual melhora se dê em decorrência das eleições — atrasos salariais poderiam ferir ainda mais a imagem do governo.
No tocante às prisões dos deputados, Ceciliano garante que a Casa continua funcionando sem muitos prejuízos. “[As prisões] não impediram que projetos importantes fossem votados, como a PEC [Proposta de Emenda à Constituição] da autonomia das universidades e o fundo estadual da segurança. Os poderes são independentes e esperamos que as investigações continuem sendo feitas com transparência.”

Por outro lado, o deputado estadual e ex-vice-governador Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB) assinala que as prisões atingem a Alerj de uma forma “dura”. “São três lideranças que sustentavam o governo. Com as prisões, há uma alteração na correlação de forças dentro da Casa.”
Presidente da Comissão de Tributação, Controle da Arrecadação Estadual e de Fiscalização dos Tributos Estaduais da Alerj, Luiz Paulo acredita que 2018 será “menos difícil” do que 2017, mas ainda haverá pagamentos atrasados. “O que o governo tem que fazer é reduzir os incentivos fiscais e modernizar a máquina arrecadatória objetivando diminuir a sonegação e, dessa maneira, aumentar a arrecadação.”
Questionado sobre o porquê do PSDB carioca ser mais fraco na comparação com outros Estados, Luiz Paulo responde com clareza: “Não aceitamos fazer alianças com a máquina partidária do MDB”.