Passados 13 anos do assalto seguido por assassinato e estupro da publicitária Polyanna Arruda, apenas um, dos quatro condenados pela Justiça, segue cumprindo prisão em regime fechado. Assad Haidar de Castro sentenciado por estupro e por ter disparado oito vezes contra a vítima, foi transferido para um presídio de segurança máxima de Planaltina de Goiás, em 2019. Há dez anos, o juiz Wilton Müller Salomão, da 8ª Vara Criminal de Goiânia, condenou, além dele, Marcelo Barros Carvalho, o Gaguinho; Leandro Garcés Cascalho, Diango Gomes Ferreira e Marcelo Barros Carvalho. 

Além deles, as investigações concluíram que outros dois participaram ativamente do crime. Ambos foram mortos. Um assassinato que apresentava elementos para apenas entrar nas estatísticas criminais, como na época destacou o delegado Odair José, considerando a complexidade do caso. Naquela ocasião, delegado adjunto da Delegacia Estadual de Repressão a Narcóticos (DENARC), ele frisou que a tentativa de apagar as provas com a queima parcial do veículo e os assassinatos de envolvidos se transformaram em barreiras difíceis de serem atravessadas.

Mas, diante dos obstáculos havia uma mãe, Tânia Borges, que buscava com “luto e luta” desvendar o ministério que colocou fim a vida da filha, a publicitária Polyanna Arruda, aos 26 anos, em 23 de setembro de 2009, na Capital. No entanto, o corpo foi encontrado dois dias depois em uma mata nas margens do Córrego Caveirinha. Foram cerca de 30 horas de desaparecimento, sendo cogitado se tratar de um sequestro. Entretanto, a comunicadora tinha sido vítima de um roubo de carro, espancada, estuprada e morta com oito tiros. O corpo foi encontrado nu. 

O veículo que ela dirigia, um Prisma de cor preta, para dar uma palestra na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), naquela manhã, era o modelo encomendado por um esquema de roubo, furto e desmanche ou adulteração de carros que operava em Goiânia. “Ela tinha cinco meses de casada, estava em plena lua de mel. Era uma empresária de sucesso. Tinha ganho dois prêmios de propaganda da TV Globo e ela foi naquele dia para dar uma palestra sobre como alcançar o sucesso tão jovem. Era a semana da comunicação”, relembra.

Polyanna Arruda e Tânia Borges
A peregrinação de Tânia Borges por soluções do crime da filha, Polyanna Arruda

Tânia lembra a peregrinação diária para acompanhar toda a investigação, iniciada na Delegacia Estadual de Investigações Criminais (Deic), passada para a Delegacia Estadual de Repressão a Furtos e Roubos de Veículos Automotores (DERFRVA) e depois transferida para uma força-tarefa da Delegacia de Repressão a Narcóticos (Denarc) e da Delegacia de Homicídios. “Quando eu entrei na delegacia e conversei com um delegado que eu queria respostas, logo no primeiro e segundo mês, ele me levou em uma sala, que ficam os arquivos, e falou: ‘aqui tem 750 processos, de homicídios e latrocínios, que nós nunca descobrimos. Eu chamo de ‘nossos filhinhos’. Eu respondi: ‘então, dê-me o processo da minha filha, porque ela tem mãe, ela não vai ser sua filha, nunca. Nós vamos descobrir quem matou”, recorda.  

Durante os dois anos que antecederam a primeira audiência, Tânia chegou a duvidar que a Justiça seria feita, pois dos seis envolvidos, dois tinham sido mortos, o temor dela era que os demais tivessem o mesmo destino. 

No longo caminho até ver na cadeia quatro dos criminosos que mataram a filha, Tânia contou com apoio de outras pessoas que enfrentaram perdas semelhantes. Dentre elas, a autora de telenovela Glória Perez, mãe da atriz Daniela Perez, assassinada por um colega de trabalho, Guilherme de Pádua, e a então esposa dele, Paula Thomaz. Em um site que mantém na internet, a autora divulgava e cobrava soluções para o caso. Em 2010, ela postou uma carta de uma das duas irmãs de Polyanna, Priscila. 

“Minha irmã a Polyanna Arruda Borges, foi morta em setembro, dia 23 do ano passado, de lá para cá vivemos numa guerra… Um luto eterno, pois não podemos, falo por mim e pela minha família, chorar e seguir adiante com a saudade sem tamanho que temos da Polyanna. Temos que viver na luta de achar os verdadeiros culpados e o porquê fizeram isso com minha irmã. Nada sabemos…”, lamentava. “Foi terrível, tinha esperança de que um sequestrador ligasse pedindo resgate, mas nada… No dia 24 às 19h recebemos a notícia que tinham encontrado a Polyanna, mas morta a tiros… No seu velório o caixão teve que ser todo lacrado, pois além do seu corpo ter passado muito tempo na terra, na chuva, ela estava muito machucada pelos assassinos”, escreveu.

“Polyanna lutou”

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Polyanna Arruda está no auge da vida, casada há cinco meses | Foto: arquivo pessoal

Concluídos os inquéritos, outros desafios foram os julgamentos. Tânia Borges contou ter participado ativamente de todos, apesar de enfrentar o estresse, cansaço e fatiga. Segundo ela, o depoimento de uma testemunha, que procurou voluntariamente a delegacia foi essencial para revelar a confissão do criminoso. O homem disse que dividiu a cela com ele. Ela narra a conversa da testemunha com o delegado: “Esse ‘cara’ aí, o Assad, ele foi preso por conta de um desmanche de carro, depois que ele cometeu o crime contra a Polyanna, e tinha mais um na cela, eles estavam fumando maconha. Eu virei para o canto e fiquei quietinho, fiquei com tanto medo deles, e fingi que estava dormindo, quando o ‘cara’ perguntou: ‘Você queria o carro, por que você matou a moça?’ Ele respondeu: ‘porque ela não me quis, ela falou: ‘não’”, conta. Tânia concluiu que Assad “queria pegar ela, e ela não deixou. Ela reagiu. Por isso, ele a matou”. 

Incansavelmente para elucidar o crime, Tânia disse que sofreu ameaças e conselhos para desistir do caso, pois isso não iria trazer de volta a filha. Porém, ela cita que nada mais a abalava e que no fim tiveram um alívio. “Eu sei agora que eu trouxe a Polyanna de volta, porque nós estamos livres dessa história do crime, nós sabemos o que aconteceu. Nada pode ficar obscuro, nem um mistério em relação a um filho. Então o esclarecimento é muito importante para uma família”, afirma. 

Para ela, os cidadãos devem cobrar insistentemente respostas das autoridades. “Nós temos que cobrar mesmo, acho que são muito bem-vindas todas as manifestações. A população, por conta da internet, está mais inteirada do que acontece”, nota. Acerca da exposição dela nos meios de comunicação, Tânia frisa que tem “muita satisfação em falar o que viveu, porque eu passei pelo ‘fogo’. Eu sei o que é sentir a dor”. 

Durante os julgamentos, uma conversa entre Tânia e a mãe do Assad lhe marcou. “Eu sei o que é conversar com a mãe do criminoso. Porque ela [mãe do Assad] me procurou, ela queria que eu inocentasse o filho dela. Eu fico pensando, eu sou a mãe da vítima, ela é a mãe do criminoso, talvez o nosso amor seja, fazendo um paralelo, o mesmo,” compara, acrescentando que perdoa os criminosos pelo roubo, mas não pelo que fizeram com a filha, lhe tirando a vida. “A Polyana vive em mim. Nas minhas memórias. Ela só não fez mais um aniversário, não teve um filho. Não tem novidades, mas a história dela está gravada em mim”, narra.   

Desfechos 

As investigações comprovaram a participação no crime de outros dois criminosos: Deberson Ferreira e Levonierri da Silva. Os dois foram mortos. Em fevereiro de 2010, Deberson foi alvejado com três tiros na cabeça, quando estava usando um telefone público no Setor Cidade Jardim, em Goiânia. Na época, a adjunta da Delegacia de Investigações de Homicídios (DIH), delegada Adriana Ribeiro de Barros, apontou indícios de que ele teria caído em uma emboscada. Deberson era conhecido como informante das Polícias Civil e Militar, com livre acesso em batalhões e delegacias. Entretanto, o envolvimento de policiais na execução foi descartado pela direção-geral da Polícia Civil de Goiás (PC-GO). Levonierri morreu em dezembro de 2009 em uma suposta troca de tiros com policiais militares.

Assad Haidar
Assad Haidar atirou oito vezes contra Polyanna Arruda

Assad foi condenado a 45 anos por latrocínio (roubo seguido de morte), ocultação de cadáver, estupro e formação de quadrilha. Gaguinho que confessou o crime foi sentenciado em 25 anos e 8 meses. Diango, que era mecânico e encomendou o roubo do veículo atendendo pedido do Leandro, teve pena de 23 anos e 2 meses por roubo qualificado e formação de quadrilha. Pelos mesmos crimes, Leandro foi condenado a mais 21 anos. No entanto, dois anos mais tarde, ao atender um pedido de recurso, a desembargadora do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), Avelirdes Almeida Pinheiro de Lemos, aposentada em 2021, relatora do caso, reduziu as sentenças de todos os condenados. A pena de Assad passou de 45 anos de prisão para pouco mais de 36 anos, a condenação de Marcelo caiu de 25 anos para 21 anos; Diango teve pena diminuída de 23 anos para 16 anos; e Leandro Garcez, de 21 anos para 15 anos. 

Uma década após a condenação, Assad Haidar de Castro está preso em regime fechado no presídio de Planaltina de Goiás, no Entorno do Distrito Federal; Diango Gomes Ferreira e Marcelo Barros Carvalho estão em liberdade, com uso de tornozeleira eletrônica; e Leandro Garcés Cascalho em liberdade condicional. Antes de 2019, Assad estava detido no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, onde em 2014 foi apontado como um dos integrantes de uma quadrilha que praticava o golpe conhecido como “bença tia”, agindo de dentro da Penitenciária Odenir Guimarães (Pog). O Jornal Opção encontrou em contato com a assessoria de imprensa da Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP) para saber os motivos da transferência dele para outro presídio, porém, a resposta é que por questão de segurança, não é possível fornecer informações sobre transferência de presos. 

Tânia foi indagada se acompanha os desfechos de cada um dos algozes da filha. Ela respondeu que costuma fazer uma breve pesquisa, quando lhe é pedido uma entrevista. “No meu dia a dia, na convivência com amigos e família, isso fica certa forma em segundo plano, porque a minha luta por Justiça, a minha luta a princípio nem foi por Justiça, foi para que se investigasse o crime da maneira correta e apontasse os verdadeiros responsáveis pelo crime, porque na época, o que a gente percebia era que poderia acontecer qualquer coisa, que não fosse a verdade. Nossa luta foi muito mais para que realmente chegasse aos responsáveis pelo crime e depois a gente torcer por Justiça. Mas dificuldade maior, não era nem a Justiça, era investigação, que não estava de acordo, não era eficiente. Eles ficavam mudando a motivação do crime, sugerindo que tinha sido um crime passional”, recorda.