Nações desenham seus planos de imunização e fecham acordos para a distribuição de doses para enfrentar o vírus Sars-CoV-2

Vacinas contra Covid-19 começam a ser aprovadas em planos emergenciais pelo mundo | Foto: Reprodução

Durante a última semana, diversos eventos determinantes no desenvolvimento e distribuição de vacinas contra a Covid-19 se desdobraram. Na segunda-feira, 30 de novembro, a empresa farmacêutica americana Moderna anunciou que concluiu a fase três de seus estudos clínicos. Na terça-feira, 1º, o Ministério da Saúde publicou um plano preliminar de imunização, em que prevê quatro fases e 109,5 milhões de brasileiros imunizados.

Na quarta-feira, 2, o Reino Unido se tornou o primeiro país a aprovar o uso da vacina Pfizer-BioNTech e comunicou que o imunizante estará disponível em seu território no início da próxima semana. Na quinta-feira, 3, o Senado brasileiro aprovou a Medida Provisória (MP) 994/20, que autoriza o uso de R$ 1,995 bilhão para compra de tecnologia e a produção da vacina Oxford/AstraZeneca.

Para compreender e contextualizar os acontecimentos, o Jornal Opção ouviu epidemiologistas e imunologistas do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública (IPTSP) da Universidade Federal de Goiás (UFG). 

Moderna

A empresa Moderna anunciou a conclusão das análises de seus testes de eficácia. A etapa encerra a terceira fase dos estudos clínicos. Após acompanhar dois grandes grupos de voluntários – um que recebeu a vacina em desenvolvimento e outro que recebeu um placebo –, a desenvolvedora do imunizante comparou a porção de membros de cada grupo que contraiu a Covid-19. 

Na ocasião em que a Moderna submeteu seu protocolo de testes clínicos para avaliação e aprovação de um comitê internacional independente, foi estabelecido que a análise primária seria encerrada quando uma quantidade de 196 pessoas acompanhadas desenvolvessem a doença. Esta ocasião foi anunciada na segunda-feira, 30, em press release de pré-publicação. Os dados ainda não estão disponíveis em publicação oficial, mas os resultados preliminares são animadores. 

O laboratório Moderna informou ao mundo que concluiu a fase três de testes da vacina que produz para ser utilizada contra a Covid-19 | Foto: Reuters

Periódico de grande prestígio no meio científico, a Science afirmou que os resultados foram “absolutamente notáveis”. De todos os 196 casos de Covid-19 desenvolvidos por voluntários, apenas 11 ocorreram em pessoas que haviam recebido a vacina. Das 185 infecções entre aqueles que receberam o placebo, 30 evoluíram para o quadro severo da doença. Nenhum membro do grupo vacinado desenvolveu Covid-19 grave.

“Ainda gostaria de ver todos os dados reais, mas o que vimos até agora é absolutamente notável”, afirmou um membro de um comitê independente de especialistas em vacinas à revista Science. No total dos relatos da desenvolvedora, chega-se ao resultado de 94% de eficácia. A Moderna mostrou intenção de submeter os dados à análise da FDA (Food and Drug Administration, equivalente norte-americana da Anvisa brasileira).

Plano preliminar de imunização

O plano preliminar de imunização do Ministério da Saúde prevê a aplicação da vacina em quatro fases, a começar pelos seguintes grupos: pessoas acima de 75 anos, profissionais de saúde, pessoas com 60 anos ou mais que vivem em instituições de longa permanência (como asilos e instituições psiquiátricas) e população indígena. 

Embora o plano tenha sido traçado para começar a imunização em março, o processo será feita de acordo com a disponibilidade de doses e, portanto, depende da aprovação de alguma vacina pela Anvisa. Entre as vacinas mais prováveis de virem para o Brasil estão aquelas que compõem o consórcio Covax Facility. 

O consórcio é formado por 184 países que concordaram em investir quantias variáveis de dinheiro em um fundo coordenado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O Brasil entrou na iniciativa no dia 24 de setembro de 2020 por R$ 2,5 bilhões. O Covax fomenta o desenvolvimento de nove vacinas e, aquelas cuja eficácia e segurança forem demonstradas, serão distribuídas aos países membros. 

Vacinação contra a Covid-19, por enquanto, só foi aplicada em voluntários nas fases de teste | Foto: SMS/ Divulgação

Pfizer e BioNTech

O primeiro país a aprovar o uso de uma vacina contra a Covid-19 foi o Reino Unido. O imunizante da farmacêutica Pfizer e BioNTech já estará disponível para a população nesta semana, de acordo com as autoridades britânicas. Os resultados dos testes massivos da vacina Pfizer/BioNTech mostraram uma eficácia de 95% em estudos clínicos conduzidos com 44 mil pessoas, em que duas doses foram aplicadas.

Há um complicador, entretanto: esta vacina de RNA deve ser guardada e transportada a -70ºC e por apenas 15 dias. A temperatura demanda equipamentos especiais e tem distribuição mais complexa do que as concorrentes.

AstraZeneca

Uma das razões pela qual o Reino Unido optou pela vacina das companhias alemãs e não pela alternativa mais patriótica de Oxford pode ter a ver com a perda de confiança em que a desenvolvedora AstraZeneca incorreu na última semana. Embora sua efetividade de 70% ainda seja superior ao limiar mínimo considerado pela OMS como adequado para distribuição em situação de emergência, houve problemas na comunicação dos resultados de seus estudos clínicos, o que colocou a credibilidade da empresa em cheque. 

Os estudos clínicos envolveram 11.636 participantes (menos que metade da amostra avaliada em estudos concorrentes) em dois grupos diferentes: um no Reino Unido e outro no Brasil. Para os dois grupos, a desenvolvedora aplicou doses diferentes de vacina. O placebo usado no grupo controle do Reino Unido foi diferente do placebo utilizado no Brasil. Idosos e pacientes com comorbidades não foram testados.

Diante de resultados preliminares e expectativa de venda e distribuição das vacinas, mundo aguarda momento do início da vacinação contra a Covid-19 | Foto: divulgação/Governo de SP

O CEO da farmacêutica AstraZeneca, Pascal Soriot, afirmou que a companhia fará novos testes com número maior de participantes, inclusive mais idosos ou com pessoas com doenças preexistentes.

O Senado aprovou, por unanimidade, Medida Provisória que destina R$ 1,99 bilhão para a distribuição de doses da vacina de Oxford a grupos de pessoas mais vulneráveis à doença. Segundo a MP, a transferência de tecnologia na formulação, envase e controle de qualidade da vacina será realizada por meio de um acordo da empresa britânica com a Fiocruz, vinculada ao Ministério da Saúde. Caso a eficácia do imunobiológico seja comprovada, o Brasil deverá produzir 100 milhões de doses. 

Em todo o mundo, a AstraZeneca fechou acordos para 3 bilhões de doses antes mesmo de qualquer resultado de estudo em estágio final. Isso é mais do que o dobro de qualquer outra vacina candidata.

Contribuição goiana

Com base em diversos estudos que levantam a hipótese de que a vacina BCG pode melhorar a resposta imune inata e evitar a infecção sintomática ou o agravamento da infecção por Covid-19, um projeto de pesquisa do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública coordenado pela professora Ana Paula Kipnis realizará um ensaio clínico para avaliar o papel da vacina BCG como estratégia preventiva da Covid-19.

A vacina BCG, administrada em recém-nascidos de diversos países, induz a uma proteção adjuvante para diversas infecções virais comuns na infância. Já é conhecido que a BCG melhora a resposta para todas as vacinas da infância e induz a resposta imune inata, que não é específica, e é importante para a proteção contra infecções respiratórias. Assim, o ensaio clínico randomizado “BCG-COVID19” propõe a revacinação com BCG dos profissionais da área de saúde. Ana Paula Kipnis esclarece que a BCG não é uma vacina direcionada para a Covid-19 ou para vírus. 

“BCG é uma vacina para tuberculose que oferece proteção cruzada para infecções virais. A proteção cruzada é quando a resposta imune gerada por uma vacina protege contra outras infecções. O mecanismo de ação é pela ativação de respostas de células que atuam eliminando células infectadas por vírus. Portanto, a hipótese seria que o vírus seria eliminado no aparelho respiratório superior (nariz, por exemplo), evitando entrada para os pulmões”, explica.

O estudo da UFG tem previsão de duração de dois anos e um investimento de R$1,241 milhão do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Kipnis explica que a intenção do grupo é testar em estudos clínicos dois grandes grupos de profissionais da saúde: um que receberá a revacinação da BCG e outro no qual será aplicado um placebo. “Os dois grupos serão acompanhados para saber quem desenvolve a Covid-19. Exames médicos serão repetidos a cada 15 dias para acompanhar o estado de saúde de voluntários ao longo de seis meses.” 

Neste momento, o projeto precisa de voluntários da área da saúde para participar da pesquisa. Até o momento, foram triados mais de 600 voluntários, mas apenas aqueles que nunca tiveram Covid-19 poderão fazer parte do estudo.

De acordo com a pesquisadora, “poderão participar quaisquer profissionais da área da saúde que tenham contato direto com pacientes suspeitos de Covid-19 por pelo menos oito horas semanais, seja nos leitos hospitalares, CTI ou no transporte e admissão destes pacientes, o que inclui maqueiros, enfermeiras, médicos, fisioterapeutas, nutricionistas, psicologos, dentistas, técnicos de enfermagem, radiologia, entre outros”.