Os motoboys ou mototáxi por muito anos foram uma das principais alternativas de deslocamento rápido na Capital. Era comum de ver nas ruas de Goiânia as motos amarelas e seus pilotos com capacetes e coletes da mesma cor. Em quase toda esquina da cidade, seja no Centro ou nos bairros mais afastados, se encontrava pontos onde o serviço era oferecido – por vezes com mais de dez motociclistas trabalhando. Além de transportar passageiros, os profissionais também realizavam o serviço de motoboy para empresas e ainda moto-frete, ou seja, não eram solução para o cotidiano de quase todo cidadão.

Na capital a categoria já chegou a ter mais de 2 mil profissionais cadastrados e prestando serviço. Mas hoje, apenas 132 resistem. O principal motivo apontado para a decadência da modalidade de transporte são os aplicativos de entrega. 

O presidente do Sindicato dos Mototaxistas e Motoboys do Estado de Goiás (Sindimoto), José Carlos Pinto – chamado por todos de Carlinho – lembra dos tempos em que a procura pelo serviço era tão grande que era difícil de atender a demanda. Segundo ele, um motoboy não ficava cinco minutos parado em um ponto. Ele lembra que era grande a procura por aqueles que queriam trabalhar de mototáxi e logo surgiu as empresas que tinham as motos e contratava somente alguém para pilotar, o que gerou muito emprego na época e rendia um bom dinheiro no final do mês.

José Carlos Pinto, presidente do Sindimoto | Foto: Cilas Gontijo/Jornal Opção

Porém, na atualidade é muito raro se ver um mototáxi ou motoboy amarelinho pelas ruas da cidade, ou até mesmo um ponto fixo que  existiam. No entanto, ainda é possível encontrar alguns que resistem ao tempo e à chegada da tecnologia dos aplicativos de entrega que foram surgindo com o passar do tempo.

A grande maioria dos motoboys aderiram ao novo jeito de trabalhar utilizando os aplicativos de entrega. Para Carlinho, este é o principal motivo que faz com que os amarelinhos se tornem raros. “Eles são atraídos por uma falsa promessa de melhor faturamento e acabam caindo na armadilha dos Apps. Eu jamais entraria para essa nova modalidade. Prefiro parar”, argumenta.

Carlinho, que é mototaxista há 22 anos, e preside o sindicato há oito, explica que essa luta entre os antigos motoboys e a tecnologia é injusta. Ele culpa as autoridades por isso. “Porque que somente nós precisamos estar rodando com toda a documentação legal e eles não? Porque apenas para nós foi colocado, lá no início, um monte de regras e dos aplicativos não cobram nada? Qualquer motoqueiro, sem nenhum curso, pode colocar um passageiro na garupa e fazer uma corrida. Está errado isso”, alerta.

O presidente ainda recorda da lei 844/2015 e do decreto 1.072 que regulamentou a lei 8.622 de 26 de março do ano de 2008 que alterou o regulamento do serviço de mototáxi na capital. Carlos destaca algumas das obrigatoriedades dentre várias exigidas pela lei, como: portar o cartão que dá autorização para tráfego, caracterização da motocicleta, as motos precisam ter alças de apoio na traseira, o escapamento precisa estar revestido com material isolante.

Também é necessário ter o curso de direção defensiva, as motos não podem passar de cinco anos de uso, certidões criminais são exigidas, e na habilitação é obrigatório inserir que o trabalhador exerce função remunerada. Carlinho destaca que, as exigências são pesadas e reitera que a lei ainda está em vigor. O presidente diz que em relação aos Apps, o poder púbico é omisso. “Eu afirmo que as autoridades devem fiscalizar não somente os mototáxis, mas também os outros motoqueiros que trabalham para os aplicativos. Não queremos que ninguém pare de trabalhar, e sim, que trabalhem de forma regular, igual aos outros. A lei tem que valer para todos”.

O líder classista ainda enfatiza que os motoqueiros que usam os aplicativos nem sempre são profissionais da moto, mas pessoas que possuem outras atividades, que usam suas motos para realizar o chamado “bico” nas horas vagas. “São pilotos que não estão preparados para o trânsito. Estão acostumados a ir de casa para o trabalho e voltar para casa. A realidade de trabalhar o tempo todo nas ruas é outra totalmente diferente”, diz ele. Carlos chama os mototaxistas remanescentes de “os resistentes”.

“Hoje nós somos 132 devidamente regulamentados e legalizados, mas já chegamos a ser mais de dois mil”, afirma. Entretanto, para ele existem mais de 12 mil que trabalham de forma clandestina em Goiânia.

Ele esclarece que o serviço mais realizado hoje em dia é o de entrega de encomenda e reconhece que o transporte por aplicativo como a Uber e agora a nova modalidade lançada pela empresa que é o transporte de passageiros por motos, levaram os clientes.  Carlos faz um alerta para a população: “Não se deixem enganar pelos valores mais baixos dos apps. É muito melhor fazer uma viagem pagando um pouco mais caro, mas com um motociclista preparado e treinado, do que com alguém que não tenha nenhuma experiência”.

Segundo um levantamento feito no Hospital de Urgência de Goiânia (Hugo) pelo próprio presidente do Sindimoto, 80% dos acidentados que dão entrada no hospital, são de acidentes de moto e a grande maioria estava trabalhando para os aplicativos.

Os resistentes

O motociclista José Luiz de Freitas de 52 anos, é motoboy há 24 anos e se diz um mototaxista à moda antiga. “Sou do tempo que o colete era verde. Fui um dos primeiros a trabalhar na primeira central de Goiânia, estou resistindo desde 1999. Reconheço que o serviço de entrega por app chegou para ficar e muitos colegas entenderam que lá é melhor para ganhar dinheiro. Por isso os mototaxistas das centrais foram diminuindo. Conheço alguns que foram para os apps e voltaram, porque viram que lá é só ilusão, eles pagam muito pouco e aqui somos nós que colocamos valor no serviço”.

José Luiz Freitas, Motoboy | Foto: Cilas Gontijo/Jornal Opção

José Lourenço, 63 anos e 20 de profissão, conta que até hoje está resistindo, porém, com dificuldade devido à concorrência, que segundo ele, é desleal. “Os aplicativos rodam muito barato e as pessoas preferem eles por esse motivo. Mesmo assim não pretendo ingressar nesse sistema, porque acho que é um desgaste muito grande para o veículo e não tem retorno. A única vantagem desse negócio é para o dono do aplicativo e para o passageiro que roda barato”, diz. Lourenço alega que o mototáxi à moda antiga está acabando e que é uma triste realidade. “Se realmente acabar eu paro, app jamais”, enfatiza.

Ela que se diz a mulher mais antiga na profissão de mototáxi em Goiânia, Ellen White, 62 anos, pilota moto desde os 13 anos. Vem de uma família de motoqueiros e se declara amante da liberdade proporcionada pela motocicleta. Ellen é dona de uma vaga no ponto em frente a rodoviária desde o ano 2000, porém, ela mesma começou a trabalhar com sua moto somente em 2010. A motogirl garante que nunca foi hostilizada ou alguém deixou de andar na sua garupa pelo fato de ela ser mulher. “Pelo contrário, muitos preferem (risos). Prova disso é que tenho muitos clientes fiéis”.

Ellen White, motogirl | Foto: Cilas Gontijo

Ellen afirma que para ela o trabalho ainda está compensando apesar da concorrência dos aplicativos. “Admito que minhas corridas diminuíram bastante. Reduziu perto de 50%. Mas mesmo assim ainda prefiro por aqui mesmo. Essas empresas de aplicativo só querem o lucro para eles, pagam uma mixaria para os cadastrados. No final das contas é mais prejuízo do que lucro”.  Para ela é muito injusto o que está acontecendo com eles. “Olha só, hoje eu vou fazer a vistoria anual para a minha permissão ser renovada e receber uma nova carteirinha. Sem a vistoria eu fico sem a permissão. Além do mais, eu preciso provar que não devo nada para a justiça. Por outro lado, os que trabalham com apps não precisam fazer nem a provar. Ou libera para nós, ou aplica a lei para todos”, desabafa.

Direção perigosa

A questão levantada pelo presidente do Sindimoto, afirmando que o número de acidentes com motos aumentou desde a chegada dos aplicativos, é também compartilhada pelo Engenheiro de Transporte e Professor do Instituto Federal Goiano (IFG), Marcos Rothen. O especialista diz a modalidade dos apps agravou ainda mais a situação que já era crítica. Para ele, todos os motociclistas deveriam fazer um curso de direção defensiva. “Esses motociclistas sem preparo pilotam suas motos de forma perigosa, avançam sinais, andam pelas calçadas aumentando o risco de acidente”, avalia.

De acordo com o especialista, outra situação que corrobora para o agravamento da situação é o reaproveitamento de motos que são leiloadas. “Essas motos são desmanchadas e as peças vendidas. No entanto, muitas foram consertadas e vendidas para motociclistas e, como a moto é ilegal e sem documentação, os novos proprietários não se preocupam em dirigir dentro das normas de trânsito e cometem todo tipo de infração que sempre culminam em acidente”, explica.

O engenheiro comunga da mesma ideia do presidente do Sindimoto em outra questão, que é a capacitação dos motociclistas que trabalham por aplicativos. “Estes trabalhadores também precisam estar dentro das leis estabelecidas para os mototaxistas”.

Acidentes com motos em Goiás 

Dados da Secretaria de Segurança Pública de Goiás (SSP-GO) revelam que os casos de acidentes envolvendo motos em todo o Estado crescem a cada ano. Em um levantamento rápido de 2020 até os três primeiros meses de 2023, os números são assustadores porque mostram o quão perigoso é pilotar uma moto sem responsabilidade. Especialistas garantem que a maioria dos acidentes são provocados pela imprudência dos condutores.

Somente em 2020 foram mais de 32 mil acidentes, em 2021 houve um aumento apavorante em relação à 2020, um total de mais de 66 mil ocorrências. Já em 2022, os números caíram para pouco mais de 35 mil e, em 2023, com apenas três meses passados, já são mais de 7 mil acidentes com motos.

Nova lei

Uma nova lei para a categoria está em tramitação na Câmara dos Deputados em Brasília. O projeto é de autoria do deputado Gilson Marques (Novo –SC), o PL de número 2508/22 cria segundo o deputado, o estatuto da liberdade dos motoboys de todo o Brasil. Para Gilson Marques, a legislação antiga engessa o trabalhador, e o objetivo do texto atual é tirar as amarras do motoboy para que ele trabalhe sem medo. 

Por exemplo, a nova lei deixa de exigir a autorização do poder público para o desempenho da atividade, além de defini-lo como um serviço essencial em todo o território nacional. Outro fator importante, de acordo com o legislador, é a retirada da obrigatoriedade do registro da motocicleta na categoria aluguel.

Posicionamento da SMM

 Sobre as reclamações do presidente do Sindimoto José Carlos Pinto de que somente eles precisam estar dentro da legalidade para exercer a função, sendo que os APPs trabalham à revelia da lei, a Secretaria Municipal de Mobilidade (SMM), que faz a gestão e a fiscalização da lei, esclarece em nota que, o serviço de mototáxi em Goiânia é regulamentado pela prefeitura por meio do Decreto Número 1072 de 2008. E em relação à atividade por meio de aplicativos ainda não há regulamentação em Goiânia.

Cilas Gontijo é estagiário do Jornal Opção em convênio com a UniAraguaia, sob a supervisão do editor PH Mota.