Quem é pai ou mãe sabe o que são os meandros do leva e traz de crianças para e da escola. Não tem quem não sinta um leve aperto no peito ao deixá-las para o momento das aulas e um regozijo singelo ao ver as carinhas das criaturas identificadas no meio da multidão barulhenta de filhotes no corredor de saída, ao fim do período.

Por isso, o horror de Blumenau dói tanto e faz perder o sono. Inclusive o da imprensa – afinal, filhos de jornalistas não nascem de chocadeiras. Provavelmente foi com aquele aperto no peito que quatro pais e quatro mães deixaram seu bens mais preciosos aos cuidados de profissionais na quarta-feira, 5, sem imaginar que eles nunca mais tornariam para casa.

O que querem maníacos que cometem essas atrocidades? Às vezes, nada. Às vezes são “apenas” bombas-relógio humanas, doentes na iminência de um surto, mas que estão por aí sem estrelas na testa que os identifiquem. Outras vezes, porém, são monstros que querem uma fama ou um reconhecimento que sentem que não conseguiriam por vias convencionais. Isso também é uma doença, uma neurose, embora esses saibam exatamente o que estão fazendo.

São, geralmente, seres isolados e antissociais, por uma série de motivos. Tudo o que lhes falta para o cometimento de um ataque pode ser um grupo a incentivá-los. Por muito tempo, pela limitação das tecnologias, não tinham ninguém para dar um empurrão ao desabrochar de seus funestos desejos. A internet e, principalmente, as redes sociais vieram para interligar as pessoas – inclusive as que têm planos macabros. Assim, quem sente em si uma “vontade estranha” e está em um lugar remoto da Austrália, pode se comunicar com quem tem em si sensações semelhantes e está em uma metrópole da Europa ou numa cidade do interior do Brasil. Essas pessoas com maus desejos se encorajam umas às outras, até ao ponto de alguém do grupo se dizer “pronto” para um ataque.

Dessa forma, é muito salutar, literalmente falando, que haja um consenso dos grandes veículos de comunicação para o estabelecimento de um padrão de conduta ao noticiar casos como o daquela trágica manhã. Foi a isso que se propuseram grupos como Globo, Band, Estadão e CNN, entre outros: em comunicados editoriais, explicaram sua decisão de restringir ao máximo a exposição de fotos, vídeos e dados pessoais que possam de alguma forma “divulgar” os criminosos.

A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) prepara um protocolo para essas coberturas. Em entrevista à Folha de S.Paulo, o presidente da entidade, Flávio Lara Resende, disse que “o documento será uma sugestão, não podemos impor, mas a maioria está preocupada e deve seguir”.

De fato, a recorrência dos atentados concretizados – sem contar a multiplicação dos que são felizmente abortados pelo trabalho de inteligência dos órgãos de segurança – fez com que boa parte de emissoras, sites e jornais tomasse, ao que parece, uma decisão conjunta, ainda que não combinada pela classe: a de que é preciso deixar de dar palco midiático para os protagonistas do terror.

Mas, por outro lado, há sempre espaço para o abominável, tanto para quem o pratica como para os que o consomem, de tal maneira que, se os grandes veículos se “retiram” dos detalhes da cobertura, outros, menores, buscam mais visibilidades e cliques para, no fim lucrarem alto – o processo conhecido nas redes como “monetização”. Infelizmente, pelas regras atuais quem concentrar seu foco nos detalhes mórbidos de massacres e outras tragédias vai se dar bem, multiplicando seu alcance, que eventualmente será ainda maior sem a concorrência de uma grande mídia mais responsável. Tudo isso sem que sofra qualquer restrição. Em suma: sempre haverá alguém para fazer o serviço sujo e, pelas regras atuais, isso vai render muito dinheiro.

Antes da revolução causada pelas redes sociais, já havia antigas normas morais, por assim dizer, para publicações em determinadas situações. Por exemplo, noticiar suicídios é algo extremamente delicado dentro do jornalismo. É o temor do efeito gatilho, pelo qual um caso divulgado, principalmente se rumoroso, pode encadear tantos outros.

Pois o mesmo clique ético se deu agora – e, espera-se, de agora em diante – no terror contra as crianças da escola do interior de Santa Catarina. Só que no caso de massacres, ao contrário dos suicídios, os  holofotes vão para os algozes, não para as vítimas. Quando veículos de comunicação (ou grande parte deles) resolvem não tocar no nome do assassino, nem divulgar sua foto, nem mostrar vídeos, o objetivo é reduzir ao máximo a exposição de um provável exibicionista que tentou, por seu crime, se fazer famoso.

E aqui chegamos ao ponto: é preciso fazer essa restrição de modo mais objetivo – e legal – e isso passa por uma sistematização que coloque regras nessa forma de comunicação. Para tanto, é preciso que o debate sobre a regulamentação da mídia e das redes sociais saia do simplismo de pensar que seria uma forma de censura. Políticos e grupos que radicalizaram na defesa da liberdade de expressão devem ser enfrentados e contestados no campo do debate, pelo bem da própria sociedade.

Somente se pode vislumbrar uma sociedade ao mesmo tempo interligada e saudável quando houver regras claras para o uso das redes sociais.