Processo para liberação de curso a servidora durou 3 dias, diferentemente do que esperam pacientes à espera de medicamentos

Secretária Fátima Mrué disse à CEI que mestrado está na legalidade

Entre os gabinetes com cargos de confiança da Se­cre­taria de Saúde de Goiânia (SMS) e o cidadão que precisa dos serviços da pasta, o tem­po corre diferente. En­quanto pacientes amargam à espera de atendimentos em urgências e emergências ou quando tentam marcar consultas ou exames na Cen­tral de Regulação, a permissão para a Prefeitura custear curso a duas servidoras veio como um passe de mágica.

A rapidez entre o requerimento e a autorização para o custeio, que sairá dos cofres públicos no total de R$ 108 mil às duas servidoras, durou três dias. O benefício ainda abre precedentes para que qualquer outro servidor requeira a bolsa paga pela prefeitura, sem critério de escolha ou qualquer contrapartida do beneficiado. No início desta semana, a promotora de Justiça Leila Maria de Oliveira recomendou à secretária municipal de Saúde de Goiânia, Fátima Mrué, que revogue o ato administrativo que autorizou o pagamento de curso de mestrado em Direito da Saúde às servidoras com verbas do Fundo Municipal de Saúde (FMS).

Segundo consta no documento da promotoria, a legislação aplicada às despesas do FMS decide que os gastos em despesa de programas de capacitação e aperfeiçoamento de recursos humanos devem ser na área da saúde e não na área jurídica, como o pago às servidoras, o que a promotora considerou ilegal.

Leila Maria lembra que “a prefeitura tem deixado de pagar remédios e serviços médicos importantes e dívidas com prestadores de serviços e fornecedores e, diante desse cenário, além de ilegal, é imoral que a prestação dos serviços de saúde pelo município seja comprometida para beneficiar duas servidoras”. A promotora conferiu dez dias para que a secretaria tome decisões ou a secretária será responsabilizada por meio de ação civil pública por ato de improbidade administrativa.

Três dias

Habitualmente, a resposta da secretária Fátima Mrúe a um pedido dura até 60 dias após abertura de um processo. Não para duas de suas apadrinhadas e colocadas em cargos de confiança, desviadas das funções para as quais ingressaram em concursos. O pedido foi feito no dia 19 de junho pela então superintendente da regulação Andreia Monteiro Barbosa e pela assessora do gabinete da secretária, Ana Pau­la Custódio, e não enfrentou qualquer entrave. Elas solicitaram no requerimento “custeio integral para o curso de mestrado em Direito da Saúde”.

No mesmo dia em que as servidoras requereram o auxílio-qualificação, a secretaria solicitou ao Instituto Superior de Educação Santa Cecília, de São Paulo, o encaminhamento da documentação jurídica e fiscal por meio do Ofício 1832/2017, com assinatura de Mrué para que pudesse dar prosseguimento à matrícula de Andreia e Ana Paula. A resposta chegou poucas horas depois no e-mail funcional da secretária, sem qualquer burocracia nem delonga.
Dois dias depois, 21 de junho, o procurador do Município, Frederico Teixeira Santos Mar­tins, deu parecer favorável à (bolsa)mestrado ao escrever que “segundo consta nos autos, prestam serviço de assessoria jurídica aos órgãos máximos da Secretaria de Saúde” e que “juridicamente a questão a ser analisada é deveras simples, pois segundo o próprio estatuto dos servidores públicos municipais, os servidores municipais possuem direito em pleitear cursos de especialização, custeados pela Administração Pública”.

Martins, ainda, abre precedentes para quem quiser fazer mestrado às custas da Prefeitura. “Por derradeiro, ressalto apenas que, pelo princípio de impessoalidade e moralidade, a concessão destes cursos para as servidoras em questão abrirá a possibilidade de demais servidores enquadrados na mesma situação pleitearem também”, escreveu.

No mês de outubro foi instalada uma Comissão Especial de Investigação (CEI) na Câmara de Vereadores para apurar irregularidades no setor de saúde em Goiânia. Essa CEI acabou esbarrando na questão do mestrado das duas servidoras. O relator, vereador Elias Vaz (PSB), disse ao Jornal Opção que para a prefeitura pagar um mestrado, é preciso reconhecer o curso superior. “Ambas são concursadas em ensino médio e o que está acontecendo é um desvio de função, ou seja, jamais poderiam exercer o cargo nem mesmo conseguir ter bolsa de mestrado paga pela Prefeitura com recursos do Fundo Municipal de Saúde.”

Vereador Elias Vaz: “O que está acontecendo é um desvio de função”

Numa visita surpresa à Central de Regulação, vereadores que compõem a CEI deixaram Andréia em maus lencóis. Enquanto diretora de Regula­ção, Avaliação e Controle, ela não soube explicar o motivo de apenas 4 dos 133 médicos estarem atendendo no local. Dias depois, em uma oitiva, um funcionário revelou que Andreia e outra servidora haviam conseguido que a prefeitura bancasse o mestrado. Andreia foi substituída no dia 21 de novembro por Marcelo Netto do Carmo no cargo na Regulação.

A vereadora Dra. Cristina (PSDB) critica veementemente o pagamento das bolsas. “É irregular, grave. Com tantas dívidas, que o próprio prefeito e a secretária costumam reclamar, pagar um mestrado é inaceitável. Dá para perceber a desqualificação, ligação com laboratório. Estão nos cargos por nomeações e a Prefeitura mais perde do que ganha com o título. Elas podem sair a qualquer momento dos cargos”, aponta a vereadora, que critica, ainda, a atuação de Mrué diante das irregularidades: “Ela age como se nada estivesse errado. Não se importa com a CEI, ou com o Ministério Público”.

Vereadora Dra. Cristina: “É irregular, grave esse pagamento”

A vereadora não esquece o caos na Saúde Municipal. “Está faltando dinheiro para antibióticos, luvas. A prefeitura não pagou fornecedores e vai pagar R$ 100 mil para servidoras estudarem mestrado? Mesmo que fosse legal, falta bom senso. Não houve critério algum. E as duas com cargo de chefia, tem algo estranho aí”, disse.

O vereador Clécio Alves (PMDB) afirma que a secretária prioriza mestrado e esquece pacientes: “A vida, que tem se perdido em Goiânia, deve ser mais respeitada”, diz. Ele se recorda de alguns dos resultados da CEI. “Não sabemos onde estão os mais de 100 médicos lotados na Regulação, mas já sabemos que não há controle da medicação, do medicamento que entra ou sai. Faltam remédios e profissionais. E a secretária pagando mestrado?”, indaga o peemedebista. “Queremos saber agora é se a Prefeitura está bancando a passagem de avião, a hospedagem, a comida ou até pagando diárias. Estamos aguardando os documentos, ansiosamente.”

Vereador Clécio Alves: “Secretária
Fátima Mrué prioriza mestrado”

A reportagem procurou as servidoras, mas, segundo funcionários dos gabinetes, ambas estavam em agendas externas na última quinta-feira, 23. É que elas estavam em aula do mestrado, em São Paulo, como confirmou a coordenação do curso Direito da Saúde no Instituto Superior de Educação Santa Cecília.

Por nota, a Secretaria Municipal de Saúde informou “que ainda não foi notificada pelo Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO)” e que o “o pagamento do mestrado das servidoras não ocorreu em detrimento de qualquer forma de assistência em saúde. O curso é em saúde pública e o processo seguiu todos os trâmites legais, como certificação da Controladoria Geral do Município, por exemplo”.

Ainda segundo a nota, as bolsistas “são servidoras públicas efe­­tivas do município com mais de 10 anos de carreira e que o Estatuto do Servidor Público do município de Goiânia (LC N° 011, de 11 de maio de 1992) prevê ajuda para cursos realizados pelos servidores municipais.”