Medo de cair faz Levy mudar os planos
21 novembro 2015 às 13h37
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Pela primeira vez, ministro da Fazenda sinaliza com medidas que podem evitar aprofundamento da crise recessiva em 2016
Afonso Lopes
Nem o ministro Joaquim Levy, da Fazenda, aguentou o tranco recessivo que ele próprio impôs ao país com o anunciado intuito de colocar as contas do governo em ordem. Na semana que passou, e diante de inúmeras manifestações sobre sua saída do Ministério, Levy sinalizou pela primeira vez desde janeiro que vai afrouxar o cinto um pouquinho a partir de agora. Já não era sem tempo. O plano de ajuste econômico que ele impôs é controverso. Ao mesmo tempo em que ele aumentou as taxas de juros rapidamente, o que aumentou os gastos do governo com a administração da dívida pública, cortou completamente os investimentos e boa parte dos gastos de manutenção, e jogou o país num buraco sem tamanho, o que provocou, como principal efeito colateral nas contas do próprio governo, quedas repetidas na arrecadação. A conta, portanto, deixou de fechar.
Na realidade, pelo menos diante de tudo o que Levy disse ao longo do ano, ele errou a mão. Inicialmente, a recessão não deveria bater muito além de um ponto porcentual. Será três maior do que isso. Ao mesmo tempo, ao mandar a taxa referencial de juros para estratosféricos 14%, ele de certa forma sinalizou para o mercado negativamente tanto em relação ao crescimento da economia como na direção de uma taxa de inflação galopante. Essa mistura foi simplesmente detonadora, e inibiu também os consumidores, espremidos por uma súbita e brutal redução na oferta de crédito.
Foi exatamente essa salada econômico-financeira absolutamente indigesta que provocou a reação contra a permanência de Joaquim Levy no Ministério da Fazenda. Hoje, com exceção da presidente Dilma Roussef, que insiste na manutenção dele no comando da economia, Levy não tem apoio de mais ninguém. Nem mesmo do mercado, que é o ambiente natural dele. Há cerca de 10 ou 15 dias, quando circulou com certa insistência o boato de que ele seria dispensado do ministério, que passaria para o comando do ex-presidente do Banco Central no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Henrique Meirelles, a reação do mercado foi fantástica. O dólar variou negativamente, a bolsa de valores subiu, e gerou certa euforia.
Difícil
Ainda que Levy tenha se referido a um desaperto amplo, geral e bastante restrito, como a situação exige, para colocar seu plano em prática não vai ser tão fácil. Provocar recessão é coisa simples, mas fazer o país andar é bem mais complicado, principalmente quando o governo não tem a menor capacidade de investimento, como é o caso. Mesmo quando as contas públicas apresentam alguma folga, ainda assim é difícil tirar o pé do atoleiro recessivo. O Japão, por exemplo, por uma série de motivos bem diferentes dos enfrentados pelo Brasil, há mais de uma década não consegue crescer. Os governos japoneses já fizeram de tudo e mais um pouco ao longo desse tempo para fazer o país crescer. Até juros negativos se adotou, sem qualquer resultado prático.
Isso mostra claramente que o pessimismo plantado e adubado por Levy ao longo deste ano não vai dar em boa coisa a curto prazo. Ele não tem como, por exemplo, reduzir a taxa de juros para, digamos, patamares civilizados imediatamente. Além de tantos outros motivos, como o desarranjo nas contas do governo em setores vitais, como o energético, submetido a uma demagógica redução de tarifas sem redução de custos, e a recapitalização da Petrobrás, que foi impedida de praticar preços normais durante todo o ano passado — sem computar as dificuldades de um aumento substancial no endividamento da empresa por conta do imenso mar de larápios que a dilapidaram —, a inflação está bem mais elevada, e deve romper a dramática barreira dos dois dígitos. Ou seja, a taxa de juros que era irreal no começo do ano, passou a se tornar uma aberração econômica menos evidente.
Além desse fato, que é balizador natural dos humores da economia, Levy também não poderá reduzir alíquotas de impostos e, assim, favorecer de certa forma alguma recuperação no cenário geral do desemprego, que continua em alta. Também por conta disso, o mercado é pessimista no oferecimento de financiamento do consumo por causa do óbvio aumento do risco. Os bancos, na dúvida, preferem emprestar para o próprio governo, que paga taxas relativamente seguras embora muito menores.
Esses três fatores, taxa de juros que não pode se tornar razoável sem perder a atratividade, inflação em alta e crédito muito restrito, dificulta as manobras que Levy poderia adotar para fazer a economia pelo menos parar de cair. É a velha história de facilidades para jogar o país numa recessão e a enorme dificuldade para sair dela depois. No mundo todo, governos morrem de medo de recessões. Levy, ao contrário, a provocou.
Dilma garante que não vai tirar o ministro do comando da economia, mas o tempo dele está cada vez mais curto. O ajuste, que tinha o anunciado objetivo de colocar as contas do governo sob relativo controle, deu errado. Este ano, a arrecadação de impostos, apesar do aumento das tarifas, caiu em relação ao ano passado, que vinha de carregados incentivos e isenções fiscais. O governo aposta na criação da CPMF no primeiro semestre do ano que vem como forma de finalmente se equilibrar. isso não é nada bom porque vai significar mais um enxugamento na liquidez, o que significa que mais pessoas terão menos dinheiro para consumir, realimentando o quadro recessivo. E com a recessão, como se viu durante este ano, novos impostos ou aumento de tarifas não impedem a queda na arrecadação, o que mantém as contas fora de controle.
É pouco provável que Levy consiga reverter completamente já em 2016 o quadro recessivo que ele construiu. A sinalização dele de que as coisas vão deixar de piorar gradativamente, mas de maneira crescente, é a única saída. Se ele quiser continuar como ministro, vai ter que encontrar algum mecanismo para, pelo menos, impregnar certo otimismo na economia. E se a presidente Dilma insistir com ele por pura teimosia, vai chegar o momento em que ela também ficará sob ameaça.