Luciano Huck pode ajudar a carimbar eleição como a mais excêntrica desde 89
25 novembro 2017 às 10h06
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O que menos importa é se o apresentador da Globo está ou não preparado para ser presidente. Sua aprovação mostra quão descontente o brasileiro está com a política
Um meme que ficou popular nas redes sociais nas últimas semanas traz uma “prévia” do que seria um debate entre possíveis presidenciáveis no próximo ano. Na mesa, quatro nomes que há quatro anos nunca seriam imaginados com alguma seriedade como possíveis postulantes ao Palácio do Planalto: o deputado federal e capitão da reserva do Exército, Jair Bolsonaro (PSC-RJ); o empresário João Doria (PSDB), hoje menos prefeito de São Paulo do que pré-candidato à Presidência; o cirurgião plástico e apresentador de TV Roberto Miguel Rey Júnior, o Dr. Rey (PEN); e o apresentador de TV Luciano Huck, da Rede Globo. A piada do meme é que não se sabia se o que sairia da mesa seria um debate político ou “amenidades” mais apropriadas para um reality show tipo “Big Brother Brasil”.
A bem da verdade, todos eles mostram um sintoma do atual adoecido da política nacional: significam um tipo de busca desesperada por renovação dos quadros. Nem todos em igual situação: uns lançam seu nome por acharem que tem “espaço” diante da conjuntura estropiada para ver no que vai dar; outros já estão na boca e nos braços de um povo que é, ao mesmo tempo, vítima e autor do mesmo crime.
A última eleição que concentrou tantos nomes diferentes e – em certos sentidos – exóticos foi também algo muito novo para todos, à época: em 1989, disputaram o pleito 22 candidatos, com uma maioria de aventureiros desconhecidos em busca de alguns minutos de fama. Alguns conseguiram expandir seu alcance e ganharam notoriedade, apesar de como o médico Enéas Carneiro, marcado pelo visual pouco ortodoxo (a imensa barba contrastando com a calvície quase total) e uma alucinante fala verborrágica nos poucos segundos de que dispunha no horário eleitoral. Enéas voltou a ser candidato a presidente por duas vezes, em 1994 e 1998, até resolver tentar, com muito sucesso, mandato de deputado federal por São Paulo, em 2002, obtendo mais de 1,5 milhão de votos pelo Prona, um partido de viés quase de extrema-direita. Morreu em 2007, pouco depois de começar seu segundo mandato na Câmara.
A primeira experiência do brasileiro com o voto para escolha de seu presidente após quase 30 anos foi o que aqueles que já tinham idade para votar em 1960 chamariam de “balaio de gatos”. Ao mesmo tempo em que foi inesquecível – a democracia supitava pelo País depois décadas de repressão e ditadura –, havia uma incerteza sobre que rumo tomar. E a falta de maturidade para o voto fez o Brasil cair em uma experiência ruim: Fernando Collor, o governador alagoano “caçador de marajás” eleito pelo minúsculo PRN, sofreria processo de impeachment na metade de seu mandato, sob acusação de corrupção e após ficar marcado por confiscar as poupanças dos brasileiros. Aqui, uma abertura de parênteses: o que haveria ocorrido com o País se o eleito tivesse sido Lula (PT), naquele momento? Talvez seria outra alternativa para a qual o País não estivesse preparado.
Ficaram pelo caminho, sem chegar ao segundo turno, nomes moderados, como Mário Covas (PSDB) e Guilherme Afif Domingos (PL), e históricos, como Leonel Brizola (PDT) e Ulysses Guimarães (PMDB).
O que une 2018 a 1989? Naquele período, como agora, o Brasil estava envolto em uma crise que parecia sem fim. A esperança parecia estar depositada unicamente em uma mudança geral do quadro. Cenário ideal para o surgimento dos salvadores da pátria.
Jair Bolsonaro é o mais “político” dos citados. Não é novo no ambiente de Brasília – está no sétimo mandato, mas é um novato na pretensão. É também o que tem mais chance – aparece em 2º lugar em todos os cenários de intenção de voto e já há quem preveja uma polarização entre ele, candidato de extrema-direita, e Lula, acuado pela Operação Lava Jato, mas cada vez mais endurecendo o discurso no outro extremo.
Dr. Rey é, com certeza, o mais bizarro. Filho de americano com gaúcha, ele parece fazer tudo para não ser levado a sério. É um personagem histriônico com sotaque e discurso desconexo. Já João Doria, depois de uma “febre” que envolveu sua possibilidade de ascender da Prefeitura de São Paulo direto para o Planalto, sofre com o desgaste de ter se esquecido de que governava uma cidade – “somente” a maior do continente – para viajar Brasil afora em uma pré-campanha das mais inusitadas. Talvez tenha queimado a largada e se queimado junto.
Mas o que dizer de Luciano Huck? Primeiramente, não se pode reduzi-lo a simplesmente um apresentador da Globo; em segundo lugar, ele não é o candidato da emissora para quem trabalha e cujos interesses envolvem muito mais nuances e tentáculos do que bancar um famoso para a Presidência; por fim, é preciso dizer que ele tem legítimo direito de pleitear a candidatura.
Em busca de maior consistência, embora ainda não se declare pré-candidato, ele tem buscado referências positivas. Recentemente, Huck causou uma fissura no Agora!, ao passar a integrar o movimento, um dos mais importantes surgidos entre os que professam a renovação na política. Um dos fundadores, o produtor cultural Alê Youssef, deixou o grupo. Na semana passada, pesquisa divulgada pelo instituto Ipsos apontou o apresentador como a personalidade com maior aprovação (60%) e menor reprovação (32%) entre 23 nomes do trabalho. A pergunta da pesquisa era questionando pela aprovação ou desaprovação da maneira como o personagem vem atuando no País – o que, no caso dele, torna o cenário favorável, já que é o único “longe” das esferas dos Três Poderes.
O que menos importa agora é se o superstar da Globo está ou não preparado para o cargo. O resultado positivo para Luciano Huck só reforça a percepção de que o brasileiro está extremamente descontente com seus políticos e pode, sim, vir a escolher alguém que se mostre o mais distante desse perfil. Quando descobrir que, a despeito do discurso de ódio contra os atuais representantes da classe, não se faz política sem os políticos, pode ser tarde demais.
Os corredores de Brasília não são um auditório de TV. Mas a dinâmica da democracia abre as portas da esperança para todos. A propósito, em 1989, o apresentador da rede concorrente tentou o pulo do gato na política. Silvio Santos, já no meio da corrida presidencial, por pouco não ficou com o lugar de Armando Corrêa como candidato do extinto Partido Municipalista Brasileiro (PMB). Mas o partido era muito desorganizado e a candidatura do dono do SBT acabou impugnada. Huck pode ser o que faltava para tornar 2018 uma repetição de 1989 – senão em euforia democrática, pelo menos em confusão sobre os nomes.