Liminar da Justiça inconstitucionaliza portarias do Ministério da Saúde que limitam doação de medula
18 outubro 2014 às 11h10

COMPARTILHAR
Além de ajuizar a ação judicial, a OAB-GO concentra esforços junto ao Hemocentro para aumentar as doações

as Portarias do Ministério da Saúde, que limitavam o número de amostragens no Redome em Goiás | Foto: Léo Iran
Yago Rodrigues Alvim
O juiz da 8ª Vara Federal da Seção Judiciária de Goiás, Urbano Leal Berquó Neto, deferiu na segunda-feira, 13, pedido liminar de antecipação dos efeitos da tutela em Ação Civil Pública (ACP) proposta pela seccional goiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO), protocolada no início do mês. A ACP, proposta pelo presidente da OAB-GO, Henrique Tibúrcio e pela presidente da Comissão de Direito Médico Sanitário e Defesa da Saúde (CDMS) da seccional, Ana Lúcia Amorim Boaventura, questiona as Portarias nº 844, de 2012, e nº 2.132, de 2013, do Ministério da Saúde (MS), que limitam o número de doadores voluntários de medula óssea no Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea (Redome) em cada Estado.
O documento declara a inconstitucionalidade das Portarias “no que tange à limitação estabelecida para o Estado de Goiás, alusiva ao número de doadores voluntários no Redome e, por consequência, fica apregoado que não há teto quantitativo e qualitativo ao número de doadores”. Além disso, o juiz garantiu os efeitos da liminar, sob as penas de abertura de inquérito policial e multa de R$ 1 mil para cada caso de recusa.
Atualmente, as portarias do MS estipulam uma cota anual de doadores em Goiás de apenas 12 mil inscrições. Segundo dados do Hemocentro de Goiás (Hemogo), a coleta de 2014 já chega a 18 mil, ou seja, 6 mil amostras doadas aguardam análise para, então, serem inseridas no Redome. Os estudos apontam que a probabilidade de compatibilidade entre doadores e receptores é somente de 1 para cada 100 mil pessoas.
Segundo Ana Lúcia, a decisão prevê que a União realize exames de histocompatibilidade nas mais de 6 mil amostras estocadas no laboratório credenciado ao Hemocentro de Goiânia e em outros hemocentros e laboratórios. O magistrado também determinou que os exames de compatibilidade das futuras coletas de sangue sejam realizados sem qualquer limitação numérica. O prazo para cumprimento da decisão pela União é de 20 dias, a contar da intimação.
“Uma grande conquista que vai beneficiar inúmeros pacientes que aguardam por um doador compatível. Os direitos à saúde e à vida são garantidos a todos pela Constituição Federal. Essa decisão traz esperança para muitas famílias”, comemora Tibúrcio. Ana Lúcia também celebra a decisão e destaca que já entrou em contato com presidentes de comissões de defesa da saúde de outros Estados para que, caso tenham interesse, entrem com uma ACP, pois, agora, tem precedente. A decisão só vale para o Estado de Goiás, mas fortalece ações nas demais unidades da Federação.
Motivos

O sr. Eugênio César da Silva é pai da menina Rafaela Raizer, de 6 anos, que luta contra um tipo raro de leucemia. Ele teve uma audiência com o Ministro da Saúde, Ademar Arthur Chioro dos Reis, para buscar explicações sobre o limite estipulado pelas Portarias. “A alegação do Ministério é que o Redome atinge 80% dos pacientes que necessitam de transplante e, por isso, não há necessidade de captar mais amostragens, mas realizar apenas uma manutenção do quantitativo. Segundo eles, o que necessita é uma melhoria da qualidade da amostra, uma diversificação. Mas, na verdade, o limite é por questão financeira. Um exame sai na faixa de R$ 470 por pessoa” diz Eugênio.
A portaria de 2012 diz: “Considerando a necessidade de regular o cadastramento de novos doadores voluntários de medula óssea e outros progenitores hematopoéticos no Redome e na rede BrasilCord de forma a garantir a adequada representatividade da diversidade genética da população brasileira nesses registros, e de assegurar a utilização adequada dos recursos financeiros disponíveis”, uma justificativa “esdrúxula”, como afirma Ana Lúcia.
Eugênio explicou que a demanda por doação surge pela necessidade e quando eles limitam, por Estado, até pode haver unidades da Federação que não demande o limite por ano, mas em Goiás mesmo, as campanhas intensificaram a demanda de análises. No início do ano, a campanha da soldado do Corpo de Bombeiros, Suzeli Ferreira de Oliveira, de 29 anos, que integrava a corporação em Jataí, desde 2010, e a campanha de Rafaela resultou em 18 mil doações, ultrapassando as 12 mil inscrições permitidas.
“Nós ultrapassamos o limite, eu disse ao ministro. Certo. E o que fazemos agora? Pois, as amostras valem para pacientes de qualquer unidade Federada do Brasil. A campanha, que estamos fazendo, salva vida em qualquer lugar. E eles me disseram que não, que a amostragem já atingia 80% dos casos. É simples falarem isso. Quer dizer que 20% morrem?” indagou. Segundo ele, não, não é assim que o governo e a população têm que fazer. “A verdade é que quanto mais doadores tivermos, melhor a probabilidade de achar um par compatível para pessoa que necessita”.
A bombeira Suzeli faleceu. Já Rafaela encontrou possíveis doadores. Entretanto, a história não termina aí. Com a ajuda de Ana Lúcia, que se indignou com a justificativa juntamente com o presidente Tibúrcio, com a decisão do juiz Urbano Berquó, a esperança é que mais famílias sejam ajudadas.
“Ainda que tenhamos encontrado possíveis doadores para Rafa, essa é uma luta para todos. Quero que a Rafa seja uma bandeira, um símbolo, pois nós sabemos como e quantas famílias sofrem com a doença. Esperamos que essas famílias, por mais que encontrem possíveis doadores, continuem lutando por isso, para que as pessoas continuem doando e que, assim, ajudem quem necessita”, conclui Eugênio.
“A saúde é uma obrigação do Estado e ele não pode se furtar a isso. O que tinha que ser incentivado, está sendo coibido. Inclusive, a população não foi alertada sobre isso”, disse Tibúrcio, explicando que, muitas vezes, o cidadão faz uma doação, acreditando que ajudará alguém, sendo que o material não será nem analisado, pois excede a quantidade estipulada pela portaria. “Isso acaba sendo um estelionato. Você doa, acreditando que está fazendo o bem, é uma disposição que a pessoa tem e que não adianta em nada, se a portaria estiver em vigor”, enfatiza.
Ana Lúcia destacou que a OAB-GO está confeccionando um ofício, que será enviado ao Hemocentro, em que a Ordem se posiciona solidária a estimular a doação de medula óssea entre os colegas advogados.