Lei para empresas comprarem vacina avança, mas não gera consenso
10 abril 2021 às 16h10
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No ápice da crise da pandemia, atraso no calendário de vacinação contra Covid-19 cria impasse por legislação específica
Com a lenta caminhada do Brasil rumo à imunização contra a Covid-19, a vacina é hoje o item mais cobiçado dos brasileiros. O fato é que em 2021 bateu com grande intensidade a crise da pandemia, com o drama da falta de leitos, número de óbitos batendo mais de 4 mil por dia e mais de 13 milhões de registros de contaminação em todo País.
Com a economia sangrando, empresários, comerciantes e trabalhadores já não suportam mais o isolamento social e precisam se arriscar fora de casa para conquistar o ganha-pão, mais suado que nunca.
Uma tentativa de contornar a crise sanitária que parece não ter fim é o Projeto de Lei (PL) 948/2021, que tramita no Congresso. Seu texto-base foi aprovado na última terça-feira, 6, na Câmara dos Deputados, e agora segue para votação no Senado. O PL prevê a mudança de regras para a compra da vacina por instituições privadas. Na lei atual, a aquisição por particulares deve ser integralmente doada ao Sistema Único de Saúde (SUS) para utilização no Programa Nacional de Imunizações (PNI). Com o novo projeto, metade das doses adquiridas por empresas privadas poderá ser usada para imunizar empregados, cooperados, associados e outros trabalhadores que lhe prestem serviços.
Outro projeto que tenta passar no Congresso é o PL 12/2021, que permite a quebra de patentes das vacinas contra Covid-19. Importante ressaltar que a medida libera a produção dos imunizantes sem necessidade de observância dos direitos de propriedade industrial apenas durante o estado de emergência de saúde.
Ao Jornal Opção, o senador Vanderlan Cardoso conta que vai trabalhar para ser o relator do PL 948. O parlamentar, que também é empresário, apresentou proposta semelhante, o PL 1033/2021. Para ele, não há vaidade sobre qual dos projetos será aprovado, desde que um deles passe. “Há pouca diferença. O que vem da Câmara autoriza o setor privado a comprar vacinas. No nosso, todas as pessoas jurídicas de direito público e privado. Ou seja, inclui prefeituras e governos de Estado e também autarquias”, explica.
“Vou trabalhar para ser o relator do projeto e fazer essas alterações que julgo necessárias. Creio que teremos outras emendas. Caso eu não seja [o relator], colocarei emendas nesse sentido. O que me importa é que seja aprovado esse projeto o mais rápido possível”, afirmou. De acordo com ele, a aquisição vai ajudar o governo federal a imunizar toda a população mais rápido.
“Sou favorável à aquisição, doação e comercialização das vacinas por todas as pessoas jurídicas”, disse. “O governo já negociou e tem cronograma até dezembro. A compra não vai atrapalhar o que o governo já encomendou. Têm laboratórios que não negociaram e que querem negociar seus produtos, como é o caso da Sputnik V. A China também não negociou venda direta pela Sinovac. A Coronavac que temos hoje é pelo Butantan”, pontuou o parlamentar.
Na Justiça
Na Justiça, empresas, sindicatos, associações e outras entidades têm entrado com ações para conseguir importar doses sem necessidade de contrapartida ao SUS. Em São Paulo, o Sindicato dos Delegados de Polícia (Sindpesp) foi a primeira entidade privada a conseguir autorização para a compra de antígenos. Na ação, a Justiça Federal de Brasília considerou inconstitucional a obrigatoriedade das doações ao SUS de 100% das vacinas compradas por instituições privadas. No entendimento do juiz substituto da 21ª Vara Federal de Brasília, Rolando Spanholo, a imposição viola o direito fundamental à saúde.
Para o senador Vanderlan, essa não é a maneira correta de proceder. “Foi feito errado, se fosse correto, no caso do Rio, de 6 mil doses, compraram vacina só para eles”, opinou. O parlamentar se refere ao caso da Refit, uma refinaria que conseguiu autorização na Justiça Federal de Brasília para importar 6,6 mil doses sem doa-las ao SUS. A decisão também foi de Spanholo. “Sou contra projeto que autoriza iniciativa pública e privada a comprar vacina sem doação para o SUS.”
Para o senador, a oposição que votou contra o projeto “torce em favor do vírus”. “Uma demagogia. O projeto sendo aprovado, a iniciativa pública e privada vacina os seus colaboradores. Os sindicatos, seus associados. As empresas públicas de direito vão vacinar seus trabalhadores. A demagogia é muito grande. O projeto não irá favorecer os ricos. Os ricos do nosso país já estão fazendo turismo da vacina, indo para Dubai, Russia… Tenho amigos de outros estados que estão com a família na Rússia, fazendo turismo e vacinando. Os ricos têm recursos e vacinam fora. O projeto é para atender trabalhadores, colaboradores e associados”, argumentou.
Já o médico infectologista Marcelo Daher é contra a autorização na Justiça e contra os projetos que tramitam no Congresso Federal. “A gente não tem vacina ainda para atendimento no setor público. Existe uma regra no Brasil que diz que a prioridade em compra de qualquer produto de interesse de saúde pública é, primeiramente, do serviço público. Depois do terceiro setor e, por último, das entidades privadas. Acho que temos que priorizar primeiramente o SUS. Essa discussão agora seria errada, porque não tem vacina no mercado para ser liberada para venda”, avaliou.
“A gente precisaria respeitar os nossos órgãos de registros, no caso a Anvisa. Vacina prioritariamente para o serviço público e em um segundo momento para o setor privado. Essa discussão que se faz hoje no Brasil em relação à vacinação do serviço privado, acho que ela é desnecessária. Já existe legislação, já existem regras claras que autorizam ou regulamentam os serviços privados de vacinação. Essa mesma regra deveria valer para vacina de Covid”, pontuou o médico.
Para ele, a aquisição pelo setor privado deveria ser debatido mais para frente. “No segundo semestre ou no ano que vem, 2022, voltaria ao normal, e as clínicas privadas, empresas e quem quisesse comprar a vacina contra a Covid compraria para aplicar em seus funcionários, venda ou o que quer que seja. Essa discussão que se gerou agora faz com que se crie uma legislação específica para uma vacina em detrimento de uma legislação que já existe, inclusive com um setor já especificado de venda de vacina humana. Eu já tenho um serviço de venda de vacina humana que está sendo regido por uma outra norma que não permite a venda da vacina. Acho que a discussão agora deveria ser a união por vacina para todos pelo SUS. É assim que está funcionando no mundo inteiro e é assim que deveria ser no Brasil”, afirmou.
O deputado federal e médico, Zacharias Calil (DEM) foi um dos que votou favorável ao PL 948/2021 na Câmara. “A oposição criou muito caso, defendendo que quem é mais pobre não teria acesso. Não vejo por esse lado”, disse. “Você tem um plano ‘b’ para poder comprar e vacinar seus funcionários, dependentes […]. Perdemos o timing. Desde abril já existia um contrato com a Fiocruz e Butantan, mas o próprio presidente desautorizou o ministro da saúde a negociar as doses. Estamos em um funil. Antes a medida era isolamento, ficar em casa. Cada dia surge um tratamento, preventivo, medicamentos precoces que realmente não funcionaram. A iniciativa privada tem poder de ajudar o governo, diminuir a fila do SUS”, pontuou o deputado.
Entretanto, ele acredita que o Senado não deveria mexer no texto-base aprovado pela Câmara. “Se mudar o texto da Câmara, o projeto vai voltar. Vamos perder mais tempo. Se um senador ou outro mudar, vai ser complicado. O Senado tem que aprovar e depois o presidente ainda assinar”, criticou.
O parlamentar conta que também é favorável à quebra temporária de patentes, apresentada pelo senador Paulo Paim (PT-RS), mas que saiu da pauta da semana no Senado. “Fui a favor da suspensão temporária das patentes. Temos que entender que esse vírus veio pra ficar. Não adianta falar que vai passar. É uma nova perspectiva agora”, opinou.