Ligações escusas entre fornecedores e médicos já viraram senso comum. Para investigar casos assim, uma CPI deve ser aberta no Congresso Nacional

Marcos Nunes Carreiro

Stent na ponta dos dedos: pequeno, mas custo elevado / Foto: Fernando Leite - Jornal Opção
Stent na ponta dos dedos: pequeno, mas custo elevado / Foto: Fernando Leite – Jornal Opção

L.M. sofreu um aneurisma cerebral no fim do ano passado, isto é, uma dilatação anormal de uma das artérias do cérebro. Quando foi ao médico, ela ouviu que esse aneurisma poderia lhe causar sérios problemas e que, por isso, precisaria passar por uma cirurgia para a implantação de um stent, uma prótese metálica posicionada no interior de artérias obstruídas, com o objetivo de normalizar o fluxo sanguíneo. O stent proposto pelo médico é revestido de platina e só é fabricado nos Estados Unidos, chegando ao Brasil por R$ 68 mil, fora os gastos restantes do procedimento cirúrgico, que ficaria em um total de R$ 80 mil.

L.M. não poderia arcar com o valor. Porém, como tinha plano de saúde há vários anos, o médico lhe orientou a procurar o Ministério Público caso o plano se negasse a pagar. A paciente procurou seu plano de saúde, que, em um primeiro momento negou a aquisição do equipamento, alegando que para esse procedimento são usadas micromolas intracerebrais, que são muito mais baratas que um stent. O plano de saúde, então, pediu ao médico uma explicação para o pedido do stent importado.

A explicação foi a seguinte: “Em casos de aneurisma, o uso de micromolas pode causar rupturas, o que pode levar à morte da paciente. A escolha do stent redirecionador de fluxo foi por esse motivo, pois esse novo equipamento diminui o risco de ruptura no intraoperatório.” Assim, o plano de saúde acatou a explicação do médico e pagou pelo procedimento de L.M., que não precisou procurar o Ministério Público.

A situação de L.M. mostra dois fatores: o primeiro é que a evolução tecnológica na medicina diminui, drasticamente, as chances de mortalidade das pessoas que precisam passar por procedimentos cirúrgicos. E isso é bom. Em contrapartida, a evolução da tecnologia médica encarece, e muito, a medicina. Assim, muitos pacientes não poderiam pagar por um equipamento como o descrito acima. A própria L.M. não conseguiria cobrir os gastos se não tivesse plano de saúde.

Já o segundo fator remete a um caso mais sério. O médico de L.M. não lhe deixou alternativa para a solução de seu problema. Atual­mente, o mais comum para o tratamento de aneurismas cerebrais é o uso de micromolas, como foi indicado pelo plano de saúde da paciente. São eficazes — talvez um pouco menos eficazes que o novo stent, é verdade — e tem um preço consideravelmente menor, visto que estão disponíveis no Brasil.

Então, porque o médico de L.M. não deu alternativas, mas pediu especificamente por um equipamento tão caro? E se L.M. não pudesse pagar pelo procedimento? Os motivos podem ser muitos, alguns não éticos ou mesmo escusos. E foi para averiguar situações assim que o deputado federal Rogério Carvalho (PT-SE) propôs a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inqué­rito (CPI) para averiguar possíveis irregularidades no mercado de Órteses, Próteses e Materiais Especiais (OPMEs), que envolve várias áreas da medicina de cirurgia plástica a neurologia. A grande questão é que há, atualmente, no Brasil, uma variação muito grande nos custos desses materiais.

Untitled-4
Ortopedista Robson Azevedo: “Parece que não há interesse em chegar a uma solução nessa questão”

A motivação do deputado foi a seguinte: ao procurar um hospital que pudesse colocar uma prótese no joelho de seu pai, foi informado que o custo do procedimento seria de R$ 120 mil, valor que seu plano de saúde se negou a cobrir por considerar abusivo. Ciente de que deveria procurar uma alternativa, o deputado fez pesquisas de preço e descobriu que em outro hospital o procedimento, junto com a prótese, teria o custo de R$ 35 mil, uma diferença de 346%.

Por que há uma variação tão grande no preço desses materiais? A reportagem do Jornal Opção procurou vários profissionais da área, entre diretores de hospitais, médicos e diretores de planos de saúde para perguntar os motivos disso e as respostas dadas vão no sentido de que há uma máfia por trás do mercado de OPMEs. Já é praticamente senso comum que alguns médicos se associam a empresas fornecedoras ou fabricantes de próteses, que pagam o profissional “por fora” para que ele indique aquele determinado tipo ou marca de equipamento. As taxas recebidas por médicos que se associam a essa prática, segundo se especula, ficam divididas da seguinte forma: 20% para o médico e 10% para o hospital. Isto é, são 30% a mais sobre o valor do equipamento.

A Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) se pronunciou sobre o tema. Em nota enviada ao Jornal Opção, a Fede­ração ressalta sua preocupação com a questão. A nota diz: “Alguns desses dispositivos indicados por médicos, inexplicavelmente, chegam a custar mais de R$ 500 mil atualmente – distorção que requer atenção dos órgãos reguladores e do governo. Estudo de consultoria internacional com fontes primárias de fornecedores e prestadores de serviços apontou que prótese de joelho, na fábrica, saía por R$ 2 mil. Incor­po­rados os custos e ganhos ao longo da cadeia de intermediários, a mes­ma prótese, sem contar as despesas médicas e de internação, custava ao plano de saúde, portanto à sociedade, mais de R$ 18 mil – diferença de 800%. A FenaSaúde deseja que o mercado distribuidor destes materiais seja mais transparente com sua política de custos e ganhos, além de assegurar uma ampla concorrência, a redução das reservas de mercado e das práticas não competitivas do setor.”

O médico goiano Robson Aze­ve­do, que é ligado à Sociedade Bra­si­leira de Ortopedia e Trauma­to­logia (Sbot), conta que é normal que fornecedores cheguem aos médicos para apresentar produtos e tentar convencê-los de que seus equipamentos são melhores. De acordo com ele, no mercado de próteses e órteses, assim como no de medicamentos, as indústrias atraem os médicos para demonstrar tecnicamente como funcionam seus produtos. É uma tática de venda, nada anormal ou ilegal.

Os problemas estão quando os profissionais se unem às empresas para lucrar com a venda de seus equipamentos. Isso não é apenas antiético, como é ilegal. E um fator que ajuda a esconder ações como essa é exatamente a enorme variação de preços entre um local e outro. Como explica o ortopedista, esse fator já foi inclusive discutido amplamente pela Sbot.

“Por exemplo, quando você compra uma Coca-Cola, já se sabe quanto vai gastar em média, seja em Goiânia, em São Paulo ou em Fortaleza. É padronizado. Agora, as OPMEs não. Há uma flutuação de mercado muito grande. Não se sabe o preço das coisas. Às vezes, nem o representante do produto sabe. Uma prótese é vendida no [Hospital] Albert Einstein por um preço e aqui em Goiânia por outro. Acontece, inclusive, de uma mesma prótese valer preços diferentes dependendo do hospital. É preciso chegar a uma solução para isso”, relata Azevedo.

Ele diz que esse fator encarece muito a conta e prejudica os honorários do médico que trabalha honestamente, uma vez que os pacientes e planos de saúde gastam muito com os equipamentos e isso desvaloriza o trabalho do médico. “Essa questão deveria ser normatizada. O preço dos materiais deve ser claro, pois essa obscuridade abre possibilidades para muitas coisas. Já participei de várias reuniões, com representantes nacionais da indústria para debater isso, mas parece que não há interesse em chegar a uma solução. Enquanto isso, nós médicos sofremos com essa questão.”

Azevedo conta que fez parte da comissão de defesa profissional da Sbot durante seis anos e sempre houve discussões em torno de irregularidades não comprovadas, como médicos se associando a empresas. “Se existem médicos com esse tipo de acordo — relata Azevedo — não sabemos. Mas a nossa orientação para os profissionais, inclusive para os residentes, é que a indicação do material deve ser técnica. Deve ser feita de acordo com o que é melhor para o paciente e não financeira. Ações assim, se existem, devem ser denunciadas na polícia.”

Médicos podem ter exercício profissional cassado

Presidente do Cremego, Erso Guimarães: “É dever do Conselho fiscalizar e punir esses profissionais para que esse elo seja quebrado”
Presidente do Cremego, Erso Guimarães: “É dever do Conselho fiscalizar e punir esses profissionais para que esse elo seja quebrado”

As próteses e órteses são, atualmente, o que mais encarecem o tratamento de assistência médica. Existem equipamentos muito caros, o que pode inviabilizar os serviços de saúde tanto na rede pública quanto nos planos de saúde e na rede privada. Alguns pacientes não conseguem comprar uma órtese. Então, o médico deve indicar, quando necessário, dando características do material que precisa. Mas não pode exigir marca.

“O código de ética médica é claro em relação a isso”, diz o presidente do Conselho Regional de Medicina de Goiás (Cremego), Erso Guimarães. E, de fato, é. O Código de Ética Médica diz, em seu artigo 58, que é vedado ao médico: “O exercício mercantilista da Medicina”. E no artigo 72, que é proibido: “Estabelecer vínculo de qualquer natureza com empresas que anunciam ou comercializam planos de financiamento, cartões de descontos ou consórcios para procedimentos médicos”.

Contudo, há casos de médicos que estão associados a empresas. O Cremego já recebeu denúncias nesse sentido, embora não possa divulgá-las. “É dever do Conselho fiscalizar e punir esses profissionais para que esse elo seja quebrado”, declara Guimarães. “Existem denúncias. A maioria delas é oferecida pelos planos de saúde ou mesmo pelo serviço público. Acontece de muitos médicos que indicam um determinado material e orientam seus pacientes a procurar o Ministério Público para obrigar os planos de saúde a pagar pelos equipamentos.”

Esse é também um caso certo, como foi retratado acima, na história de L.M. Há casos registrados pelo Centro de Apoio Ope­ra­cio­nal do Con­sumidor, do Ministério Público de Goiás (MPGO), em que pacientes entram com denúncias contra os planos de saúde devido a não cobertura de determinado procedimento. Em casos assim, os planos costumam dizer que não cobrem o equipamento exigido pelo médico. “Em decorrência disso”, continua Gui­marães, “provêm as denúncias feitas ao Conselho”.

Quais medidas são tomadas contra esses profissionais, caso eles sejam denunciados e comprovadamente pegos em atos ilícitos? Segundo Guimarães, ficando definida a associação do médico com determinado fornecedor, o Con­selho abre uma sindicância e o profissional poderá sofrer um processo. Se for condenado, ele pode receber desde uma advertência confidencial até a cassação do exercício profissional. Mas, para isso, é necessário que haja denúncias. Muitas vezes, os pacientes não sabem que estão sendo lesados, seja financeiramente ou mesmo fisicamente (leia quadro na página 25).

O outro lado

Existe outro lado para as indicações médicas no que concerne a OPMEs, como indica o presidente do Cremego, Erso Guima­rães: “Como a responsabilidade final do procedimento é do cirurgião, ele precisa ter condições de avaliar a qualidade do material ofertado. Agora, ele não pode exigir uma marca específica. O que ele pode é exigir uma especificação de qualidade.”

A resolução n° 1.956, de 2010, do Conselho Federal de Medicina (CFM) disciplina a prescrição de materiais implantáveis, órteses e próteses no Brasil. Considerando que o médico deve, em benefício do seu paciente, agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade, e que seu acesso à evolução tecnológica deve ser garantida, a resolução traz: “É direito do médico indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas reconhecidamente aceitas e respeitadas as normas legais vigentes no país”.

Ou seja, o médico pode dizer suas preferências por material. Porém, a mesma resolução diz, claramente, que: “é vedado ao médico obter qualquer forma de lucro ou vantagem pela comercialização de medicamentos, órteses, próteses, materiais especiais ou artigos implantáveis de qualquer natureza, cuja compra decorra de influência direta em virtude de sua atividade profissional; deve ser respeitado o direito do paciente em receber informações quanto ao seu diagnóstico, prognóstico, riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano.”

Mais que isso, a resolução explicita, entre outros, os seguintes aspectos:

Art. 1° Cabe ao médico assistente determinar as características (tipo, matéria-prima, dimensões) das órteses, próteses e materiais especiais implantáveis, bem como o instrumental compatível, necessário e adequado à execução do procedimento.

Art. 2° O médico assistente requisitante deve justificar clinicamente a sua indicação, observadas as práticas cientificamente reconhecidas e as legislações vigentes no país.

Art. 3° É vedado ao médico assistente requisitante exigir fornecedor ou marca comercial exclusivos.

Art. 5° O médico assistente requisitante pode, quando julgar inadequado ou deficiente o material implantável, bem como o instrumental disponibilizado, recusá-los e oferecer à operadora ou instituição pública pelo menos três marcas de produtos de fabricantes diferentes, quando disponíveis, regularizados juntos à Anvisa e que atendam às características previamente especificadas.

A resolução é clara o suficiente para dizer, inclusive, que “reconhecidamente há conflitos de ordens diversas entre médicos assistentes e operadoras de planos de saúde, como também instituições públicas da área, quando da indicação para uso de órteses, próteses e materiais implantáveis”. Isto é, embora normatize e regule a prática, a resolução admite que o assunto é delicado e deve ser tratado com cautela, tendo em vista a dificuldade da questão.

E como deve ser declarada essa preferência médica por determinado material? O ortopedista Robson Azevedo explica como essa questão é vista em sua área de atuação: “Às vezes, o médico faz um treinamento para operar determinado material que ele confia, dentro dos limites técnicos e éticos do seu atendimento. Assim, é difícil que esse profissional faça seus procedimentos com outro material. Por uma questão técnica, pois se cria uma rotina instrumental que deve ser modificada caso mude o material.”

O mesmo pode ser visto na fala do cirurgião plástico Luiz Humberto Garcia. Ele diz: “Eu tenho preferência por próteses que tenham espuma de poliuretano. No Brasil, até o presente momento, só existe uma marca que fabrica próteses com esse material, que eu saiba. Eu prefiro esse material porque a espuma de poliuretano diminui muito o endurecimento da prótese. E essa é uma complicação chata para os pacientes porque eles precisam fazer outra cirurgia devido ao endurecimento do material. Para se ter uma ideia, a prótese com a espuma endurece de 3% a 5% dos casos. A prótese somente texturizada endurece de 15% a 20%. Então, para benefício do paciente, eu prefiro usar essa prótese, que é, inclusive, um pouco mais cara.”

Como funcionam os hospitais públicos 

Superintendente executivo do Crer, Sérgio Daher: “Não se pode colocar na mão de um médico um produto que ele não tenha conhecimento”
Superintendente executivo do Crer, Sérgio Daher: “Não se pode colocar na mão de um médico um produto que ele não tenha conhecimento”

Com essa “influência” dos médicos sobre a compra de próteses, órteses e outros materiais, há certa preocupação quanto às aquisições feitas pelos hospitais que trabalham segundo o Sistema Único de Saúde (SUS). Como são feitas as compras? Os médicos têm influência direta sobre a indicação dos materiais, o que pode abrir brechas para corrupção?

A reportagem procurou os hospitais públicos para saber. Em Goiás, segundo dados da Secre­taria Estadual de Saúde (SES), os dois hospitais com maior demanda por OPMEs são o Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo) e o Hospital Geral de Goiânia Dr. Alberto Rassi (HGG). Os dois juntos somaram, entre abril de 2013 e março de 2014, 2.405 dos 2.449 procedimentos realizados envolvendo próteses, órteses e outros materiais do tipo.

O campeão é o Hugo, com 2.164 atendimentos a um custo de R$ 1.220.129,98. A reportagem procurou a direção do Hugo, que é administrado pela Organização Social Gerir, para saber como funcionam as compras. Porém, a assessoria de imprensa informou que os responsáveis pelo assunto estavam em viagem, por isso, não conseguiriam falar a respeito.
Mas o hospital referência na­cio­nal na utilização de OPMEs é o Centro de Reabilitação e Rea­da­­pta­ção Dr. Henrique Santillo (Crer). O superintendente executivo do hospital, Sérgio Daher, disse que o entendimento certo deve ser o de que a compra de ma­teriais, sejam eles OPMEs ou medicamentos, deve ser feita pelos hospitais, não havendo ligação diferente dessa. “Eviden­te­mente que o profissional que irá co­locar o material precisa ter o conhecimento técnico sobre aquele produto. Não se pode colocar na mão de um médico, por exemplo, um produto que ele não te­nha conhecimento. Porém, a relação comercial com a indústria é feita, de maneira geral, pelos hospitais e pelos convênios e não pelos médicos.”

Contudo, ele ressalta que quando se trata de gastos a questão é muito complexa. Daher diz, por exemplo, que existem muitos produtos que não estão catalogados no hall do Ministério da Saúde. Isso acontece, segundo ele, porque o processo da indústria é muito mais rápido que o do serviço público. “Assim, evidentemente, acaba ocorrendo um descompasso. Então, se precisamos de um produto que não está na lista, o SUS não paga. Mas se o paciente precisa desse material, seja prótese ou mesmo medicamentos, nós temos uma política própria. Nós tentamos equalizar isso para que o paciente não tenha prejuízo funcional. E isso tem um custo. Quem paga a conta? Essa é a pergunta. A questão é que todo produto acaba tendo um custo de produção, de desenvolvimento, de comercialização e de investimento intelectual.”

Bom exemplo

Uma boa solução encontrada pelo Crer para não precisar comprar certos materiais, foi a construção de uma oficina, que produz, sob prescrição médica, entre outros materiais, próteses e órteses. “Um amputado irá colocar uma prótese para que ele possa se locomover. Um paciente com deformidade vertebral precisa usar um colete para impedir a evolução dessa deformação. Um cadeirante com sequela de paralisia cerebral precisa de uma cadeira de rodas que se adequa à sua postura. Tudo isso nós fazemos aqui”, diz Sérgio Daher.

Ele cita o exemplo de um piloto de helicóptero que sofreu uma amputação de membro superior e fez o tratamento no Crer. “Nós construímos uma prótese e ele voltou a exercer sua profissão. Essa é a importância do desenvolvimento de novas tecnologias, mas isso tem um custo. O desenvolvimento de uma prótese como essa envolveu engenheiros, técnicos qualificados, terapeutas e médicos, que em conjunto fizeram algo eficaz nesse caso. É importante oferecer tudo o que é necessário para o tratamento dos pacientes.”

O HGG conseguiu diminuir brechas para irregularidades com novo método de compras
O HGG conseguiu diminuir brechas para irregularidades com novo método de compras

 

Plataforma de compras visa diminuir corrupção

Diretor-técnico  do Idtech, Rafael Nakamura: “Há uma tendência  na saúde complementar  de tornar o fator comercial mais institucionalizado”
Diretor-técnico
do Idtech, Rafael Nakamura: “Há uma tendência
na saúde complementar
de tornar o fator comercial mais institucionalizado”

O Hospital Geral de Goiânia (HGG) é gerido pelo Instituto de Desenvolvimento Tecnológico e Humano (Idtech), Organização Social que assumiu a administração da unidade em 2012. E uma das primeiras ações foi mudar o sistema de compra de seus materiais, de medicamentos a OPMEs. E isso foi feito exatamente para coibir ações de corrupção ao passo em que corta o vínculo direto entre médicos e fornecedores. O novo sistema funciona por meio de uma plataforma de compras, que funciona da seguinte maneira: os fornecedores se cadastram na plataforma e fazem cotações sobre os produtos que estão sendo requisitados pelo hospital.

Tudo por meio eletrônico, sem contato pessoal direto entre fornecedores e administradores. Como explica Rafael Nakamura, diretor técnico do Idtech, o instituto agiu dessa forma por atender a uma tendência da área de saúde complementar: a de tentar organizar compras em grupos, isto é, fazer negociações de pacotes maiores entre os hospitais e as fornecedoras. “Isso é feito exatamente para tornar esse contato menos pessoal, em relação ao consumidor. Ou seja, fazer um contato mais institucionalizado”, relata.

Nakamura avalia que, quando se trata de dinheiro público, a responsabilidade passa a ser muito maior. “Então, por administrarmos um hospital público, houve uma preocupação grande em quebrarmos esse ciclo vicioso entre médicos e fornecedor. Nesse sentido, a plataforma é um instrumento que já existia no Brasil, mas não era utilizado em Goiás no ambiente público. Ela tira o vínculo do profissional com o fornecedor. O médico pede o material e a plataforma oferece os mecanismos de cota e compra, mas sem predileção por marca.”

Fora isso, o diretor técnico ressalta que quando se faz compras usuais, como geralmente os hospitais fazem em Goiás, sabe-se exatamente quem são os fornecedores. Às vezes, só existe um, o que torna a negociação muito difícil, pois “há oferta de produtos de extrema qualidade, esquecendo-se que existem produtos de qualidade, que atendem o paciente e não encarecem tanto o custo da medicina.”

A experiência da cirurgia plástica 

Cirurgião plástico Luiz Humberto Garcia: “São necessárias informações verdadeiras, transparentes, corretas e livres de omissões por parte do médico”
Cirurgião plástico Luiz Humberto Garcia: “São necessárias informações verdadeiras, transparentes, corretas e livres de omissões por parte do médico”

As OPMEs são utilizadas em várias da medicina. A mais lembrada, sem dúvidas, é a ortopedia devido ao aspecto locomoção, além de que as próteses nesses casos, geralmente, são visíveis. Porém, há também o fator estético das próteses. Esse é o caso da cirurgia plástica. Luiz Humberto Garcia é conselheiro do Cremego e membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Ele explica que, assim como nas outras áreas, a cirurgia plástica não está livre das obscuridades do mercado de OPMEs.

Ele diz, por exemplo, que a maioria dos médicos da área atualmente oferecem “pacotes completos”, o que pode prejudicar os pacientes, a começar pela qualidade das próteses usadas. “Normal­mente, o paciente acha que é beneficiado por esses ‘pacotes’. Porém, se o profissional não tiver um bom caráter, ele corre o risco de receber um material de má qualidade. Mas os pacientes, muitas vezes, sequer sabem disso, pois está tudo dentro do tal ‘pacote’”. E os riscos para a saúde são grandes. Como aponta o cirurgião, próteses com componentes errados, como o silicone industrial, podem causar até câncer.

Garcia é claro ao defender o respeito do profissional ao código de ética da profissão, que traz um conjunto de deveres do médico, sendo um deles o da informação. “Eu não gostaria de comprar uma roupa que irá encolher na primeira lavagem. Ou seja, se eu tiver a informação de que ela encolherá, eu não vou comprar. Mas preciso de uma informação verdadeira, transparente, correta e livre de omissões. Da mesma forma, é o médico. Ele não pode se vender para a empresa A, B ou C, que fornece próteses, seja ela de mama, de coluna, de quadril, stent cardiovascular, etc. E não pode porque se o profissional se vincular a uma determinada empresa, o julgamento dele fica completamente prejudicado, pois fará indicações equivocadas ou indicará aquele material por estar ganhando dinheiro ‘por fora’”, analisa.

Fora isso, segundo Garcia, outro aspecto importante está no fato de que, muitas vezes, os equipamentos indicados dessa maneira não são o melhor para os pacientes, pois “se uma empresa precisa pagar um médico para indicar um produto, isso pode significar que o produto não é um produto de qualidade. Pelo me­nos, em uma avaliação inicial”. O médico ressalta que o profissional da medicina precisa se atentar para isso, uma vez que, quando o médico vende uma prótese de mama, por exemplo, ele passa a ser responsável por aquele produto. “Ou seja, a responsabilidade sai da empresa e cai sobre o médico. Médico não é vendedor de nada. Ele é provedor de um serviço público. O que ele deve fazer é dizer para o paciente ‘olha, existem essas marcas de prótese’ e, então, especificar quais são as características de cada. O máximo que o médico pode fazer é dizer qual é a marca que ele prefere e dizer as razões. Mas cabe ao paciente escolher.”