Iris Rezende é a Síndrome de Estocolmo da oposição goiana
01 maio 2015 às 12h36
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Líder peemedebista sempre se apresenta como solução para os quadros de oposição, mas só perde, perde e perde
Henrique Morgantini
Especial para o Jornal Opção
Iris Rezende é o maior político de Goiás. Se esta afirmação for levada a Marconi Perillo, o próprio irá concordar. Não por polidez, mas porque ele reconhece a trajetória de Iris como homem público, como líder que soube construir uma carreira de forma única. Inventou uma forma de se apresentar, um estilo de governar, um mote de se comunicar com a população. Marconi foi e ainda é um fenômeno. Iris é uma construção da natureza: lenta, gradual, impávida e certa.
Outros “Iris” podem se construir a partir de si mesmos. E isto não quer dizer que é fácil ou que qualquer um pode sê-lo. Mas o fato é que desde 1998, a cada dois anos surge um Marconi Perillo num tubo de ensaio. Não frutificam. Não se constroem fenômenos, eles surgem quase que sem uma explicação matemática. Iris e Marconi condensam em suas histórias as origens de dois tipos típicos de estrelas de enorme grandeza na política. Marconi tornou-se popular enquanto aposta do eleitor, Iris nasceu com o povo.
Iris construiu Maguito, Marconi tentou com Alcides. O resto, o leitor deduz.
Acontece que assim como as estrelas, políticos têm prazo de existência e brilho. E, nisso, Marconi se mostra como um astro de longa duração. Explodiu no vácuo da vontade do eleitor em buscar o novo e assim consolidou-se. Já não precisa mais sê-lo, precisa ser o que é. E é nisso que se baseia a principal diferença de ambos, para além de todas anteriormente descritas. Iris está na memória do eleitor quando se recorda de um céu inesquecível, com um quê de fantástico que ele guarda em suas reminiscências. Enquanto Marconi ainda resplandece no quando-agora do cenário político. É o presente.
Mas entre os apaixonados, os que suspiram sob os astros, há o desejo de fazer o passado voltar. É como tentar retomar uma paixão antiga. É como comprar um carro que já se teve e que nele se foi muito feliz. Já não se é o mesmo, as ruas por onde ele irá passar já não são as mesmas. As companhias da época já se foram, mudaram, ou, pior, ainda são idênticas… mas você mudou. O próprio carro, ele já não é “aquele” carro.
A oposição de Goiás, com destaque aos quadros do PMDB, tenta lustrar este carro a qualquer custo. Os amantes dos céus, devotos de Ícaro ou de Galileu, evocam a mística das estrelas eternas no intuito de trazer de volta o seu brilho do passado para iluminar o presente, embelezar o futuro. A todo instante repetem, como um mantra, a frase que – não por acaso – abre este artigo: Iris é o maior político de Goiás. Isso não significa que ele irá vencer todas as eleições que disputar. Ser amado não é ser eleito, é preciso mais, já diria um tal de Nicolau.
O fato é que esta paixão e respeito compreensíveis dos iristas pelo personagem principal da política de Goiás acabou por transformar e comprometer todo o processo político-eleitoral do Estado a longo prazo. É possível considerar a hipótese de que aquele tal brilho incandescente de Marconi Perillo deu-se por contribuição desta limitação do PMDB em cegar-se da resplandecência de Iris Rezende e, com isso, não ver outras estrelas em ascensão ao redor. Com o tempo, o ídolo se tornou vítima de seu próprio personagem, tendo de assumir a cada eleição uma posição de salvador, de revanchista, de um incansável lutador que mesmo derrotado em outras lutas e, agora, nas cordas irá achar a partir do imponderável um golpe místico, preciso, para vencer o adversário.
Com isso, ao longo dos anos, Iris Rezende passou de ídolo a vítima. E de herói a algoz. Sobretudo, algoz do próprio grupo de oposição.
Hoje é um líder que fagocita seu grupo.
A Síndrome de Estocolmo é grosseira e basicamente o ato de uma vítima ou um grupo delas passar a reverenciar seu algoz após um período de opressão. Tudo ocorre num processo do inconsciente, sem que nenhum dos personagens envolvidos tenha a intenção de atuar de forma predeterminada.
Ao ser aprisionado a este espectro de “salvador” da oposição e de único detentor de poderes para derrotar o grupo marconista, Iris Rezende também funciona como o carrasco ao manter todos presos, hipnotizados pela sua pretensa luz eterna. Na política, na vida, na luz, nada é eterno. No entanto, desde 2002, é Iris quem se apresenta como a solução para os problemas de quadros dos partidos de oposição. E perde. E traz a derrota a todos os outros. É vítima e verdugo.
O que acontece por parte dos quadros integrantes das legendas de oposição nesta síndrome é que eles próprios foram convencidos de que não há solução em Goiás para promover a derrocada de Marconi Perillo, além da existência eterna de Iris Rezende. Desde as grandes agremiações até as mais tímidas, no início da corrida eleitoral até o funil das alianças em segundo turno todas tentam o refúgio no que há de mais retrógrado entre seus quadros. Iris perdeu a eleição porque representava o velho. E é reinventado, relançado e recolocado na luta como sendo mais novo que o novo que o derrotou por ser velho. Releia a última frase e veja como colocando isso no papel ainda fica pior.
Mas grande parte dos detentores do poder de decisão nas legendas não vê assim. Não veem que se instalaram numa das extremidades da Síndrome de Estocolmo, aquela em que por força da pressão psicológica, do desgaste das relações, da intensidade do momento e a necessidade da mente em se proteger da realidade vivida faz com que se reconstrua em volta daquela figura negativa um espectro bom. Encontra-se justificativas para seus atos. Transformam o velho em novo. Veem a revanche pessoal de Iris como um heroísmo pelo grupo.
Mas, não, não é.
Iris não é o herói da oposição, tampouco é o novo dia que surge. Poderia ter sido logo na eleição seguinte à derrota de 1998. Mas já não foi porque no tempo transcorrido não houve qualquer atualização de sua imagem, de seu projeto, de seu discurso. No último debate de 2014, ele prometeu ao povo que “as máquinas iriam voltar a roncar por Goiás”.
“– Quê”?, é o que tem gente ainda se perguntando até agora sobre essa promessa que soa como uma ameaça.
O discurso do grande peemedebista desde sua primeira derrota soa como um mesmo convite para um lugar onde não se quer ir. Um chamado do tipo “vamos voltar para aquele tempo nosso”. Só que o cidadão goiano ou não se lembra deste tempo ou não quer estar lá. Porque já não quis em 1998 e desde então.
Mas as vítimas da Síndrome de Estocolmo insistem em tornar o sonho vivo e acreditar que, sim, Iris está renovado, que Iris é a solução. Iris corre diariamente na esteira, Iris foi prefeito de Goiânia ao lado dos jovens, e outros conceitos quase que inventados – por serem forçados – para manter o líder ainda vivo no jogo. Puro furo do inconsciente traidor das nossas mentes.
Puro “A Bela e a Fera”.
A longo prazo, que não aquele visto somente à luz do delírio de 4 em 4 anos, já se passaram 16 e nenhum dos agentes políticos da oposição se deu conta do que esta espiral de delírio que esta Síndrome de Estocolmo tem causado ao Estado. Nenhuma liderança proliferou, nenhuma explosão de supernova aconteceu porque todos os cultos estavam voltados à Estrela Iris Rezende.
Neste cenário, o maior vulto da política de Goiás funciona como um gato Schrodinger: é, ao mesmo tempo, vítima e carrasco.
É vítima porque compromete sua trajetória. Ao perder, perder, perder, Iris desceu do púlpito de adoração política e virou chacota, piada, fonte para imitadores de vauldeville. É como ver uma divindade descer do Panteão e, no primeiro passo entre os mortais, escorregar e se estatelar no chão. Risos e mais risos injustos.
Só que a mesma vítima também é culpada pelo atraso no processo de renovação da política goiana. Não somente do travamento do fluxo natural de surgimento de novos quadros na oposição, mas se tem um grande culpado pela permanência confortável de Marconi por tanto tempo no poder, esta culpa é da insistência vingativa de Rezende.
Ou será que ninguém consegue imaginar que Marconi Perillo é este Totem das Esmeraldas por pura inércia e ausência de alguém que o remova no embate de ideias? Não pensar nesta possibilidade é também estar acometido de outro delírio ou síndrome.
Se Iris Rezende tiver consciência de que representa o passado, saberá deixar o mundo dos mortais e irá se principiar num lugar que há muito o espera: o panteão, o templo sagrado das divindades. Não aceitará ou forçará para ter prêmios menores e que lhe confie sobrevida pública. Ele é simultânea e literalmente antiquado e maior que isto.
E caso a insistência recaia nesta mesma cantilena, mais uma vez perdem todos os integrantes da oposição.
E entenda-se por “representar o passado” jamais como algo ruim ou menor. É tão-somente um conceito que já teve o seu tempo de brilhar e que brilhou, mas que após isso não pode ser reacendido. Não se trata uma estrela como lamparina. É uma ofensa.
Todos passaremos. Eu, Iris, você, Marconi. E resistir a isto é prolongar a imemorial e inevitável dor do viver.