Brasil vai utilizar esquema que ainda está em teste em países como México, Suíça e Colômbia. Campanha nacional pretende imunizar meninas de 11 a 13 anos do vírus que é o principal causador de câncer de colo de útero, o quarto que mais mata no País

Governo federal pretende vacinar 4,2 milhões de adolescentes entre 11 e 13 anos
Governo federal pretende vacinar 4,2 milhões de adolescentes entre 11 e 13 anos

Frederico Vitor

O protocolo adotado pelo governo federal para a Campanha Nacional de vacinação contra o Papiloma Vírus Humano (HPV), que vem sendo aplicada na rede pública em adolescentes do sexo feminino, entre 11 e 13 anos, desde o dia 10 de março, não deve garantir 100% de imunização. Ao contrário do recomendado na bula da vacina quadrivalente — cuja posologia indica que a segunda dose deve ser tomada dois meses após a primeira e a última em seis meses depois do início da imunização —, o Ministério da Saúde usará um método que ainda está em teste em outros países, sem comprovação de eficácia.

A vacinação do governo é feita num intervalo de 6 meses da primeira para a segunda dose, e de 60 meses (cinco anos) para a terceira. Este método, conhecido como vacinação estendida, está em teste em países como México, Suíça, Canadá e Colômbia, e não há resultados que comprovem a sua absoluta eficiência na imunização ao HPV. Entretanto, há dados que mostram que duas doses disparam respostas imunes semelhantes a três doses, mas nada que comprove o efeito ou a durabilidade da proteção em um intervalo de cinco anos para a terceira dose.

Mas por que o governo aderiu a este esquema, mesmo informado que não há pesquisas científicas que comprovem que o método 0-6-60 meses não garante total eficiência? E por qual motivo não se adotou o método 0-2-6, o mesmo usado em clínicas privadas e com quase 100% de efetividade comprovada?

De acordo com o Ministério da Saúde, o plano vacinal estendido é uma recomendação do Grupo Técnico Assessor de Imunização da Organização Pan-Americana de Saúde (TAG/Opas). Segundo o governo, quanto maiores os intervalos entre as primeiras duas doses de vacina, maiores são os tipos de anticorpos obtidos imediatamente antes da terceira dose. O resultado seria uma resposta imunológica mais robusta em meninas de 11 a 13 anos de idade, justamente a faixa etária restringida pela campanha.

A outra justificativa ao esquema alternativo é que evitaria a concomitância com outras campanhas de vacinação, como a da influenza e a da poliomielite. Neste sentido haveria a redução da carga de trabalho das equipes de vacinação.

Fatores econômicos

Boaventura Braz: motivação econômica leva a método estendido
Boaventura Braz: motivação econômica leva a método estendido | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

Estas e outras justificativas do Ministério da Saúde, no entanto, são contestadas por especialistas ouvidos pelo Jornal Opção. Segundo o médico infectologista do Hospital de Doenças Tropicais (HDT) de Goiânia Boaventura Braz de Queiroz, há motivações econômicas para a escolha do método estendido para a campanha levado a cabo pelo governo. Ele afirma que, ao restringir o programa à faixa etária de 11 a 13 anos, economiza-se o número de doses, já que o contingente de meninas acima desta idade é bem superior. “No País, principalmente nas classes menos favorecidas, a vida sexual se inicia dos 13 aos 17 anos. É para essa faixa etária que deveria ser direcionada a vacinação”, ressalta.

Todavia, o infectologista explica que a vacina, em suas duas primeiras doses, é altamente imunizante. Apenas uma dose é satisfatória para a obtenção de anticorpos. O nível de eficiência na imunização, entretanto, é menor e foge do projeto original de pesquisa que foi aprovado pelos organismos internacionais, inclusive pela Organização Mundial da Saúde (OMS). De todo modo, o infectologista atesta que as adolescentes vacinadas pelo governo já ganhariam um escudo de proteção contra o HPV, mesmo com o risco de falhas no longo prazo. “Ainda que em patamares que não se aproximam a 100% de eficácia, a vacina é importante como política de saúde pública.”

A médica infectologista Luciana de Souza Lima Oliveira Barreto afirma que, por razão de economia, o comitê assessor que orienta o Ministério da Saúde teria inclinado para o esquema de vacinação estendida. Ela ressalta que em nenhum lugar do mundo se fez o cronograma com a última dose em cinco anos — o prazo máximo é de dois anos, como na Suíça e no Canadá. “Quanto à eficácia, só o tempo dirá o resultado. O que ainda não se sabe é se os anticorpos se manterão até as idades mais avançadas. Tudo indica que sim, mas nada está provado com pesquisas ou estudos”, afirma.

Para a ginecologista Rosana Ribeiro Figueiredo Alves, os ensaios clínicos realizados em milhões de mulheres em o todo mundo demonstram que, com o tradicional protocolo de vacinação (0-2-6 meses), a imunidade é suficiente e seguramente mais efetiva. Em relação ao esquema estendido, não há trabalhos que comprovem resultados similares ao 0-2-6. “O que existem são sugestões que apontam a existência de efeito positivo. Como a vacina não é barata e há necessidade de abrangência, penso que o esquema estendido foi escolhido pelo governo por causa do custo-benefício.”

Campanha poderia ser mais abrangente, segundo especialistas
Rosana Ribeiro: terceira dose em cinco anos é pelo custo-benefício | Luciana de Souza: campanha é válida, mesmo sem provar eficácia | Fotos: Fernando Leite/Jornal Opção
Rosana Ribeiro: terceira dose em cinco anos é pelo custo-benefício | Luciana de Souza: campanha é válida, mesmo sem provar eficácia | Fotos: Fernando Leite/Jornal Opção

Segundo informações do Insti­tuto Nacional do Câncer (Inca), a incidência no Brasil de casos de desenvolvimento de células cancerígenas pelo HPV, principalmente entre a população de menor renda, é elevada. Por ano, cerca de 15 mil pessoas são diagnosticadas com doenças decorrentes do vírus. O câncer de colo do útero é o segundo tumor mais frequente na população feminina, atrás só do câncer de mama.

Diante desse quadro, qual seria a motivação do governo em restringir a vacinação apenas para meninas de 11 a 13 anos de idade? Por que mulheres de todas as idades não são vacinadas? Para a infectologista Luciana de Souza Lima Oliveira, entre 11 a 13 anos, o sistema imunológico consegue gerar anticorpos melhores do que em idades mais avançadas. Entretanto, nada impede que uma mulher de 25 anos, por exemplo, venha a tomar a vacina anti-HPV.

O governo justifica que a vacinação é potencialmente mais eficaz em adolescentes que ainda não tiveram a primeira relação sexual, uma vez que a contaminação ocorre concomitantemente ao início da atividade sexual. Para este ano, a expectativa do Ministério da Saúde é de imunizar 80% das meninas de 11 a 13 anos, uma população em torno de 4,2 milhões de adolescentes. Para o ano que vem projetam-se mais 4,2 milhões de meninas entre 9 a 11 anos. Em 2016 serão incluídas 1,3 milhão de garotas entre 9 e 10 anos.

No Brasil, segundo pesquisa do Ministério da Saúde, a média da iniciação sexual das mulheres é em torno de 15 anos. Rosana Ribeiro Figueiredo Alves— que em 2006 defendeu tese de doutorado sobre a infecção pelo vírus, em jovens de 15 a 19 anos, no Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública (Iptesp) da Universidade Federal de Goiás (UFG) — afirma que o grau de contágio nesta idade é alarmante. No universo de 432 mulheres pesquisadas, 121 tinham o vírus sem a consciência de que eram portadoras. “Nesta faixa etária, 28% das meninas que tinham o HPV não se queixavam de nada. Com 15 a 19 anos, elas não teriam o benefício do atual programa de vacinação do governo”, ressalta.

O HPV é capaz de infectar a pele ou as mucosas e possui mais de cem tipos. Do total, pelo menos 13 têm potencial para causar câncer. Segundo a OMS, 291 milhões de mulheres em todo o mundo são portadoras do HPV, sendo que 32% estão infectadas pelos tipos 16 e 18, ou seja, causadores de lesões pré-cancerosas e cânceres de colo do útero. No Brasil, a cada ano, cerca de 4 mil pessoas são infectadas. Entre os homens, cerca de mil têm o pênis amputado anualmente por causa do câncer, verrugas genitais e demais lesões, como a crista-de-galo. Se diagnosticado e tratado precocemente, há praticamente 100% de chance de cura.

Falta informação?

Apesar de estudos mostrarem que a vacina reduz as infecções por HPV, ainda há muita desinformação e resistência por parte de pais de adolescentes e de segmentos religiosos. Por se tratar de uma vacina para um vírus sexualmente transmissível, o tema desperta receio e está envolto em polêmicas e especulação.

Como a vacina é comercializada há alguns anos em clínicas privadas, as informações não são tão escassas como se imagina. Para a infectologista Luciana de Souza, apesar das dúvidas, a campanha não deixa de ser uma oportunidade para as classes sociais de menor poder aquisitivo, já que cada dose da vacina varia de 360 a 420 reais em clínicas particulares. “Pos­sivelmente, poderemos ver com esta iniciativa a ampliação das informações e a queda da taxa de câncer do colo de útero em algumas décadas. Isso é um fato que já ocorre em outros países, onde governos realizaram campanhas similares a esta do Brasil.”

A Sociedade Brasileira de Imu­nizações (SBIm) e a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), por meio de nota, reiteram a importância da vacinação na prevenção não apenas do câncer de colo uterino, mas também de neoplasias em outros órgãos. Segundo os institutos, o câncer causado pelo vírus é o segundo mais frequente entre as brasileiras. A estimativa é de 18 mil novos casos diagnosticados por ano, com alta mortalidade, a despeito da existência do teste preventivo papanicolau.

A Fe­deração Brasileira das As­so­cia­ções de Ginecologia e Obs­te­trícia (Febrasgo) também é favorável à campanha nacional de combate ao HPV. Para a Fe­brasgo, a va­cina apresenta maior benefício em mulheres sem atividade sexual prévia e há comprovação da proteção antiviral por um período acima de seis anos, sendo menos eficiente nas que já iniciaram vida sexual, que podem já ser portadoras do vírus.