Quase ninguém se comove com o Iêmen, o país mais pobre da região

“O Iêmen, depois de apenas cin­co meses, se parece com a Síria depois de cinco anos”, disse o presidente do Comitê Interna­ci­o­nal da Cruz Vermelha, Peter Maurer, à “Associated Press”, em 19 de agosto de 2015, após visita ao país.

Àquela altura, o mundo se assustava com o fluxo de refugiados da África e do Oriente Médio, especialmente da Síria. Era o ápice da crise — a fala de Maurer foi dita duas semanas antes da foto do menino sírio Aylan Kurdi, encontrado morto em uma praia da Turquia, ter viralizado. En­quan­to isso, a atual guerra no Iê­men estava só começando e re­cebia pouca atenção.

Agora, os olhos estão se voltando para a Síria. Nota-se uma comoção nas redes sociais em virtude do embate entre o governo sírio e os grupos terroristas da oposição em Ghou­ta Oriental jamais visto no decorrer dos sete anos da guerra — há quem atribua isto ao fato de um refugiado sírio, ca­ris­mático, estar participando da 18ª edição do Big Brother Bra­sil.

Por outro lado, o Iêmen per­manece esquecido. Com pou­cas reservas de gás e petróleo, trata-se do país mais pobre do Oriente Médio e, diferentemente da maioria de seus vizinhos, não é integrante da Or­ga­­nização dos Países Expor­tadores de Petróleo (Opep).

Na Síria, os interesses econômicos que rodeiam a guerra são evidentes — o país é rota de gasodutos que levam gás natural ao continente europeu. Mesmo assim, a repercussão é muito menor do que ataques terroristas na Europa. “Se Paris merece um mi­nuto de silêncio, a Síria me­rece que o mundo se cale para sempre”, diz uma postagem no Facebook compartilhada inúmeras vezes nos últimos dias.

Pobre do Iêmen, que tem milhares de pessoas passando fome e outras tantas morrendo de cólera, que atrai menos audiência ainda.

Origem da guerra
A formação do Estado iemenita atual se deu em 1990, com a unificação do Iêmen do Norte, tribal, e o Iêmen do Sul — este último uma ex-colônia britânica e aliado da União Soviética durante a Guerra Fria.

Ali Abdullah Saleh governava o Iêmen do Norte desde 1978 e continuou governando o país unificado até 2012, quando foi deposto em decorrência de protestos da chamada Primavera Árabe. Seu vice, Abd Rabbuh Mansur al-Hadi, assumiu o poder.

Em 2015, o novo líder foi derrubado pelos houthis, um movimento político armado seguidor da vertente zaidita do islamismo xiita, que estabeleceu um governo na capital Sanaa com Muhammad Ali al-Houthi.

Hadi fugiu para Aden, no sul do país, onde constituiu um outro governo, reconhecido e apoiado pelo Ocidente e pela Arábia Saudita, que bombardeia quase que diariamente áreas controladas pelos houthis, além de realizar bloqueios por ar, terra e mar.

Sim, dois governos, ou seja, o Iêmen se tornou um Estado falido. Daí em diante a guerra não parou mais.

Cabe ressaltar que o país ocupa a segunda posição em número de armas por habitantes — atrás apenas dos Estados Unidos. Nos EUA, contudo, existe uma concentração de armas, isto é, há quem tenha muitas e outros, nenhuma. No Iêmen, os armamentos são mais distribuídos. São poucas as pessoas que não têm.

Vai e volta
O triunfo dos houthis em Sanaa se deu por meio de uma aliança considerada improvável entre eles e Saleh, que, enquanto governou o Iêmen — com o apoio da Arábia Saudita —, os tinha como inimigos.

No início de dezembro de 2017, após negociações intermediadas pelos Emirados Árabes Unidos, Saleh se reaproximou dos antigos aliados sauditas em uma das várias estratégias de expansão de influência re­gional de Mohammad bin Sal­man, príncipe herdeiro da Arábia Saudita que assumiu tal posto em junho do ano passado. Contrariados, os houthis acabaram matando Saleh.

Al-Qaeda e Estado Islâmico
O Irã, xiita, apoia os houthis, mas em uma escala muito me­nor do que no caso do Hez­bo­llah, no Líbano. A Arábia Sau­dita, como dito anteriormente, apoia o lado contrário. Se­guidores da vertente wahhabita do islamismo sunita, os sau­ditas são os principais adver­sários dos iranianos na re­gi­ão. É o que se pode chamar de Guerra Fria do Oriente Médio.

As armas utilizadas pelos sauditas provêm, em sua maioria, do Reino Unido e dos Estados Unidos. Há até suspeitas, ainda não confirmadas, do uso de bombas de fragmentação de fabricação brasileira.

Os bombardeios contribuem para agravar o caos e, co­mo acontece em todo país aba­lado, abre-se o espaço para o fortalecimento de grupos ex­tre­mistas. Hoje, a célula mais for­te da al-Qaeda está justamente no Iêmen. Além disso, há presença do Estado Islâmico. Destaca-se que os referidos grupos também seguem a ideologia wahhabita.