País importa 85% dos fertilizantes que utiliza e Rússia responde por 23% das importações. Potássio é o que mais preocupa

Antes mesmo dos ataques promovidos pela Rússia contra a Ucrânia acontecerem o agronegócio já absorvia a tensão vinda do conflito. O temor nasce da dependência brasileira em relação aos fertilizantes, produzidos em sua maioria em solo russo. A guerra já cria a expectativa de falta do produto e um efeito cascata vai penalizar cadeias de produção, e terá forte impacto na inflação nacional.

Com estimativa de 29,8 milhões de toneladas de grãos, Goiás deve ter crescimento de 21,4% na safra 2021/2022, em comparação com o ciclo anterior (segundo o levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento Conab). Esse resultado consolida o estado na terceira posição no ranking nacional de produção de grãos. Somos grandes produtores, nossa tecnologia agrícola é invejada e importada para o mundo todo, mas o Brasil ainda é dependente de outros países para tratar o solo com fertilizantes.

#Os fertilizantes químicos funcionam como
um tipo de adubo, usados para preparar
e estimular a terra para o plantio#

Enquanto os produtores goianos ainda comemoravam a boa colheita, a notícia da guerra chegou como uma tempestade que coloca em risco o futuro da produção. Isso porque o Brasil importa 85% dos fertilizantes que utiliza, e a Rússia responde por 23% das importações. O clima entre os produtores rurais e entidades ligadas ao setor do agronegócio ficou ainda mais tenso após a notícia de que a Rússia recomendou, na  sexta-feira, 4, que os produtores de fertilizantes do país suspendessem as exportações em meio aos problemas de logística provocados pela guerra. A informação foi divulgada pela agência de notícias russa Interfax, com base em um comunicado do Ministério da Indústria e Comércio do país. O comunicado cita a suspensão do transporte de contêineres em direção ou com partida da Rússia por parte de grandes empresas de transporte marítimo, após sanções ocidentais impostas a Moscou.

A Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda), informou por meio de nota que há um estoque de fertilizante no Brasil suficiente para três meses. Embora a nota da entidade tente trazer algum alento para os produtores, as incertezas geradas pela guerra amplia a cada dia o temor dos produtores. 

A colheita de soja na propriedade de Carlos Mayer, na região de Silvânia, está indo muito bem, mas desde que o anúncio da guerra entre Rússia e Ucrânia, sua alegria deu espaço a preocupação. “Os russos são grandes fornecedores mundiais principalmente o cloreto de potássio. Tudo isso que está ocorrendo vai trazer escassez do produto.  Muitos importadores vão deixar de fazer negócios pelas incertezas geradas”, diz o produtor. “A ureia é feita a partir do gás natural, e os grandes gasodutos passam pela Rússia e pela Ucrânia. Ou seja, outro produto necessário para nós que terá problema para ser fornecido”, completa. 

Carlos Mayer explica que a situação dos produtores em Goiás é de alerta total. “O centro-oeste com suas grandes fronteiras agrícolas de solos mais pobres tem uma demanda muito grande por fósforo e potássio. O potássio é o principal ponto de preocupação. Infelizmente vivemos um momento muito crítico para humanidade e a agricultura brasileira vai sofrer com isso”, lamenta.

#O Brasil é o quarto maior consumidor de fertilizantes do
mundo (atrás de China, Índia e Estados Unidos) e o
maior importador mundial desses insumos.#

A soja é a principal cultura consumidora de fertilizantes no país. Somada com o milho, a cana-de-açúcar e o algodão, essas quatro culturas absorvem mais de 90% do fertilizante produzido ou importado pelo Brasil. Clodoaldo Calegari é produtor de grãos em Goiás, embora ainda esteja em meio a colheira da safra 2020/21, ele já trabalha com as perceptivas de impacto para o próximo plantio. “Olhando adiante temos que ficar atentos a elevação de fretes marítimos e explosão da inflação global. Acredito que quanto mais rápido essas tensões forem dissipadas melhor para mundo, melhor para agricultura e melhor para o fornecimento mundial de alimentos”, diz. 

O secretário Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa), Tiago Mendonça, diz que o governo tem acompanhado de perto toda a situação causada pelo conflito na Ucrânia, mas que o momento é mais de expectativas para um cessar-fogo, já que não restam opções em relação à importação de fertilizantes. “As empresas que negociam fertilizantes já suspenderam as listas de compras. Todos estão esperando novas informações. Não sabemos do dia da manhã”, diz. 

Dependência

Somente em 2020, a demanda brasileira por fertilizantes cresceu 12% em relação ao ano anterior e, em 2021, aumentou novamente em 14%, acompanhando uma tendência mundial de avanço do consumo de fertilizantes, além de sucessivas safras recordes de grãos no país.

Esse aumento de demanda se refletiu nas importações de fertilizantes vindos da Rússia, que praticamente dobraram no último ano, passando de US$ 1,8 bilhão em 2020, para US$ 3,5 bilhões (R$ 18 bilhões) em 2021.

#Em 2021, dos mais de 40 milhões de toneladas de fertilizantes consumidos no país,
85% foram importados. A parcela das importações na demanda interna de
adubos e fertilizantes tem crescido ano a ano: em 2017, os importados
representavam 76% do total, segundo dados da Anda.#

A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, tem repetido que o Brasil tem opções para importar fertilizantes, citando como exemplos Irã, Canadá e Marrocos. Mas especialistas do setor avaliam que a situação não é tão simples e que a gravidade do cenário varia de insumo a insumo.

O quadro mais preocupante é o do potássio, que tem Canadá, Belarus e Rússia como maiores produtores, com fatias de 40% e 20% do mercado cada, respectivamente. Ou seja, os três países somam quase 80% da oferta mundial.

Belarus já vinha sofrendo sanções desde o segundo semestre do ano passado, com EUA, União Europeia e Reino Unido respondendo a ataques do presidente de Belarus, Alexander Lukashenko, aos direitos humanos de imigrantes. Assim, o mercado, que já vinha apertado pelas restrições a Belarus, está agora em alerta máximo.

Outros países produtores de potássio, como Israel, Chile, Jordânia e Alemanha, produzem volumes pequenos e que já têm compradores, assim resta como alternativa o Canadá, mas é pouco provável que o país consiga repor a falta que Rússia e Belarus farão no mercado.

Em relação ao fósforo, a Rússia é o terceiro maior exportador, atrás de China e Marrocos. Se 100% das exportações russas forem bloqueadas, não deve faltar fósforo no mundo, mas a situação deve ficar muito similar à do potássio antes da guerra. Ou seja, com um mercado muito apertado e preços elevados.

Por fim, no caso do nitrogênio, matéria-prima para a produção de ureia, muito usada no Brasil como fertilizante e na produção de fórmulas, a Rússia só fica atrás nas exportações se o Oriente Médio é considerado em conjunto, já que países como Arábia Saudita, Catar e Irã — grandes produtores de petróleo e gás natural — são importantes exportadores.

Preço da guerra chegará as gondolas 

A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, afirmou que a expectativa do governo é a de que o preço dos alimentos sofra uma alta, em mais uma consequência da guerra na Ucrânia e da escassez de fertilizante no mercado.  “Isso tudo [essa alta dos alimentos] depende. Se a guerra acabar hoje ou amanhã, é um impacto [aumento de preço menor]. Se continuar por mais tempo, é outro”, disse a ministra.

O secretário da Seapa concorda com a ministra. Ele explica que a agricultura funciona em cadeia e quando algo é impactado, os reflexos são sentidos em todo o processo. “Se há escassez de fertilizante, a produção de grãos será menor, logo ficará mais caro. Como milho e soja são a base de muitos produtos industrializados, o preço também vai subir. Esse impacto pode ser sentido no preço da carne, do leite e dos ovos, afinal os grãos são a base da ração”, exemplifica Tiago Mendonça. 

Assim, logo o preço da guerra chegará aos consumidores brasileiros.  Os especialistas ainda avaliam os impactos no mercado da carne. Dizem ser cedo para falar em percentuais de aumento, mas os custos de produção aumentaram e pode continuar em subida, sempre dependendo das proporções do conflito. 

A disparada do preço do trigo no mercado internacional – que atingiu esta semana seu nível mais alto em quase 14 anos em meio às sanções impostas à Rússia — começará a refletir nos preços do atacado no mercado doméstico nas próximas semanas e deverá ser repassado ao consumidor, apontam analistas econômicos.

Dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), do Esalq/USP, mostram que o preço médio do trigo tem oscilado nos últimos cinco dias entre US$ 334 e US$ 336 por tonelada — patamar que não era alcançado desde o dia primeiro de julho de 2014, quando chegou a US$ 336,88. 

Assim, o  setor da panificação está apreensivo quanto ao cenário da guerra, e o brasileiro pode ter que pagar ainda mais caro pelo tradicional pãozinho.