O grupo de elementos tem recebido atenção por seus altos preços, pelas grandes reservas brasileiras e pelo protagonismo que vem ganhando com a tecnologia

O laboratório do CRTI é capaz de fornecer análises das fontes (jazidas) e dos processos produtivos | Foto: Fábio Costa / Jornal Opção

O que smartphones, turbinas eólicas e lâmpadas fluorescentes têm em comum? E mais: o que carros modernos têm em seus componentes que os torna mais eficientes do que os de um Volkswagen Fusca ano 1969? Ou ainda: o que vale muito mais do que ouro, o Brasil tem em quantidades suficientes para suprir a demanda mundial, mas não produz em grande escala? Resposta: os 17 elementos químicos conhecidos como terras raras. 

Terras raras são elementos utilizados na indústria eletroeletrônica com diversas aplicações associadas à tecnologia. Segundo a United States Geological Survey (USGS), o Brasil possui cerca de 22 milhões de toneladas em reservas destes elementos, que ocorrem principalmente em minerais como a monazita. Embora as jazidas brasileiras pareçam poucas, se comparadas às 32 bilhões de toneladas de minério de ferro, o país detém quase um quinto das reservas mundiais. 

“O mundo moderno, como conhecemos, desapareceria sem terras raras”, afirma o professor Jesiel Freitas Carvalho, pro-reitor de pesquisa e inovação da Universidade Federal de Goiás (UFG) e coordenador adjunto do Centro Regional para o Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (CRTI). O doutor em ciência e engenharia de materiais explica como elementos de difícil extração mudaram o mundo: “Com exceção do neodímio para se fazer super ímãs, usamos quantidades pequenas dos terras raras na indústria. Para que aconteçam as propriedades ópticas desejadas, eles devem estar presentes em pequenas quantidades.” 

Jesiel Carvalho explica que o Brasil ainda não domina a química fina necessária para o refino das terras raras em escala comercial | Foto: Fábio Costa / Jornal Opção

O que são as terras raras

Os 15 elementos lantanídeos, somados ao escândio e o ítrio, são coletivamente chamados de terras raras. Eles possuem características ópticas e magnéticas diferentes, o que proporciona suas diversas aplicações. Na indústria de vidro, o neodímio é aplicado para formar filtros especiais em telas de TV que absorvem a luz em uma faixa incômoda ao olho humano. Na medicina, o európio e o térbio são usados como marcadores luminescentes que ajudam a realizar diagnósticos, especialmente na área da imunologia (fluoroimunoensaios).

Entretanto, suas propriedades químicas e físicas são semelhantes, por terem configuração eletrônica parecida. Sobre o assunto, o doutor em geologia, José Affonso Brod, afirma: “O beneficiamento desses elementos é muito trabalhoso porque, como são quimicamente parecidos, na natureza é impossível encontrá-los isolados, com exceção do elemento cério. A natureza e o laboratório têm dificuldade de isolá-los.”

A lavra destes elementos requer um processo químico complexo, formação de recursos humanos especializados, equipamento tecnológico, e vem ainda com grande responsabilidade ambiental. O investimento para separar os elementos que tendem a estar juntos é alto, como coloca o professor Brod, e nenhum país quer comprar este problema. “O Brasil produz concentrados de vários minerais, sulfeto de cobre, por exemplo. Mas o concentrado de terras-raras não tem mercado. Se você quiser vender o quilo já processado de neodímio, aí a conversa é outra”, afirma ele. 

Affonso Brod explica que o processo de separação das terras raras é complexo e requer tecnologia | Foto: Fábio Costa / Jornal Opção

Jesiel Carvalho diz que, ao contrário de vinte anos atrás, o Brasil agora dispõe de recursos humanos e tecnologia suficiente para iniciar pesquisas para lavrar as terras raras. “Mas o potencial só se realizará se houver indústrias interessadas em investir – junto a agências de pesquisa – no domínio dos processos produtivos, e depois na utilização e escalonamento desta química fina para o processo produtivo industrial. É preciso que entrem as agências, as indústrias e o governo”, afirma o cientista. 

Pesquisa e tecnologia

Apesar de ser utilizada em baixíssimas quantidades, as Terras Raras têm um mercado mundial. Anualmente, 170 mil toneladas destes elementos são beneficiados – 71% pela China, que é o maior detentor global de terras raras, com o Brasil em segundo lugar. A China utiliza a maior parte do que produz, favorecendo sua indústria tecnológica, e o país se tornou o líder neste setor exatamente por unir os recursos naturais a investimentos em tecnologia.

Brod explica que modelo que poderia funcionar no Brasil é o de parcerias e consórcios entre empresas consumidoras – como fabricantes de motores com ímãs permanentes – e as empresas mineradoras. Entretanto, como o Brasil não possui produção de terras raras em volumes relevantes para o mercado mundial, e a exportação desses elementos dependeria do domínio de técnicas de química fina, o país dificilmente conseguiria competir em preços com o gigante asiático.

Para os óxidos de terras raras, pela particularidade de serem utilizadas em tão baixas quantidades, o maior impeditivo para a produção brasileira é a baixa demanda. Na realidade, a maioria dos países detentores de jazidas é capaz de suprir a demanda mundial sozinho. Por volta de 2007, quando a China suspendeu as vendas de terras raras para o mundo, com intuito de atender suas indústrias locais, países como a Malásia e Austrália iniciaram suas produções. O relatório do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) revela que, o que houve então, foi que a China retomou sua exportação e quebrou as iniciativas recém-iniciadas.

Por isso, a clássica solução de reduzir oferta para aumentar demanda não funciona. O dilema é o mesmo do nióbio, que já foi apontado pelo presidente como solução econômica por ser um metal raro e caro, exceto que no caso do nióbio o Brasil é que detém a maior parte da produção mundial. Lauro June Queiroz Maia, doutor em física aplicada, afirma que o investimento em pesquisa é a única maneira de atacar o problema da demanda, fazendo o Brasil entrar no mercado das terras raras, que vêm sido chamadas de “ouro do século XXI”. 

Segundo Lauro Maia, o país só será competitivo neste mercado se  desenvolver demandas para novos usos tecnológicos | Foto: Fábio Costa / Jornal Opção

Desde o início do século a China vem tomando medidas tarifárias para restringir a quantidade de exportações das terras raras e, com a guerra fiscal com os Estados Unidos e a grande demanda interna, a tendência é que isso não termine tão cedo. No vácuo deixado pela China, não falta quem queira oferecer o produto. Goiás é fonte destes elementos, principalmente com o minério monazita. O secretário Adriano da Rocha Lima, em cargo da Secretaria de Desenvolvimento e Inovação (Sedi) afirma sobre o potencial de o Estado entrar na competição:

“A gente tem um potencial mineral extremamente rico”, afirma Adriano Lima. “Os dois ‘países’ que mais competem em termos de terras raras são a China e o Estado de Goiás. A exploração de terras raras em Minaçu começou recentemente. No Sul do Estado, em Catalão, também há terras raras. A Universidade Federal de Goiás tem iniciativas fantásticas, que precisam agora de investimento privado para colocá-las em prática e começar a produzir.”

Além dos investimentos na pesquisa para extrair os elementos, entretanto, vêm associados dois complicadores. O primeiro é o custo ambiental. A monazita é um fosfato tico em terras raras, mas também em tório, um elemento radioativo que não pode ser descartado como rejeito comum. O segundo é a baixa demanda, problema cuja solução é mais complexa. Segundo os cientistas, a única forma de criar procura por estes recursos é pesquisando novos usos para eles. 

“Quanto mais pesquisa houver na área de aplicação (pesquisa experimental), mais aplicações serão descobertas, desenvolvidas, e isso pressionará a demanda. O investimento em tecnologia e pesquisa é o que pode influenciar a demanda”, afirma Lauro Maia. Segundo ele, como as reservas são tão maiores do que o volume negociado anualmente (em 2015 foram 124 mil toneladas exportadas, resultando em 675 milhões de dólares), as aplicações tecnológicas são o que definem se um país será um competidor a nível internacional ou não.

Jesiel Carvalho, pesquisador do CRTI, afirma que a direção para qual o país caminha não é promissora: “Estamos em um processo de desestruturação da nossa pesquisa e da formação de recursos humanos que, se continuar, perderemos o potencial que temos hoje de juntar essas duas pontas: ciência e indústria. Sabemos minerar terras raras e temos as jazidas, mas temos um gap enorme a transpor: o domínio e aplicação da ciência em escala industrial para beneficiar o minério. Isso só pode ser alcançado com investimento nas pesquisas e na formação de pessoas. O verdadeiro ouro do século XXI é o conhecimento.”

CRTI atende demandas correntes das atividades produtivas de indústrias | Foto: Fábio Costa / Jornal Opção

CRTI 

Jesiel Carvalho explica que o Centro Regional para o Desenvolvimento Tecnológico e Inovação se inseriria nesta etapa do processo. O centro multi instrumental, além de desenvolver projetos de pesquisa, atende todo o tipo de demanda de empresas do setor produtivo, em especial da indústria mineral e de fármacos. “Somos capazes de apoiar os processos de pesquisa na área de química fina, dando suporte analítico para acompanhar a evolução dos processos de refino caso venham a ser implementados, e também fazendo análises químicas e estruturais que podem servir ao processo de produção mineral das indústrias.”