Goiás é o novo trevo econômico do Brasil
07 abril 2014 às 17h42
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Estado atrai investimentos pela localização estratégica que favorece toda uma cadeia logística. A pujança econômica alavancada pelo agronegócio, melhoria na infraestrutura e capacitação de mão de obra tem elevado a competitividade da economia local
Frederico Vitor
Com localização privilegiada, grandes empresários e industriais chamam Goiás de trevo do Brasil. O Estado é o segundo maior produtor nacional de etanol, abriga em Anápolis um dos principais polos farmacêutico, com destaque na fabricação de medicamentos genéricos. Goiânia, a 190 quilômetros de Brasília, forma juntamente com Anápolis e a capital federal o segundo maior eixo consumidor do País, atrás do eixo Rio-São Paulo. A capital goiana, inclusive, é sede do segundo maior mercado de manutenção de aeronaves, sendo superado apenas pelo polo aeronáutico da capital paulista.
Diante de tantas potencialidades, nos últimos dois anos, cerca de R$ 20 bilhões em investimentos foram atraídos juntamente com a vinda de 74 grandes empresas de vários setores. Apesar dos gargalos estruturais, como a deficiência na produção e fornecimento de energia elétrica, e de problemas sociais como a alta concentração de renda e a escalada das drogas e a violência, Goiás nos últimos 25 anos, tem deixado de ser um enclave na imensidão do Brasil Central.
O Estado tem se tornado uma locomotiva impulsionada pela nova fronteira econômica em formação no Brasil, que marcha rumo ao interior, em paralelo com a fabulosa riqueza gerada no campo pelo agronegócio. No ímpeto de conquistar um novo mercado promissor como o goiano, investidores são atraídos pelas vantagens que Goiás oferece. A localização geoestratégica, a boa infraestrutura rodoviária, ferroviária e aeroviária, têm pesado em favor do Estado nas decisões de executivos de grandes empresas nacionais e estrangeiras.
A proximidade com a região Sudeste, maior mercado consumidor, Norte e Nordeste, mercados em expansão, também favorece Goiás quando a pauta de reuniões de negócios é voltada para custos e competitividade. Reflexo direto do crescimento econômico do Estado é o expansivo mercado da construção civil, em especial o de Goiânia. A verticalização do skyline da capital surpreende a quem chega à cidade pela primeira vez, prova visível de que há demanda por imóveis de diferentes tipos, padrões e preços.
Mercado imobiliário
Para o diretor executivo da My Broker Imóveis, Ronaldo Dantas, uma característica do mercado imobiliário de Goiânia é que há mais compradores que pretendem morar no imóvel do que para investir. Ele cita o exemplo de um lançamento imobiliário de alto padrão localizado na Avenida T-10, no Setor Bueno. Todos os apartamentos, avaliados em R$ 80 milhões, foram vendidos em apenas um único final de semana. “Era uma demanda reprimida pela região e vendemos tudo apenas no prazo de lançamento. Realmente, é algo substancial e que gera muitos empregos. Hoje, um operário da construção civil, por exemplo, ganha em torno de R$ 4 mil”, diz.
Ronaldo Dantas chama a atenção para outro aspecto, que é o fluxo migratório em direção à Goiânia, que tem atraído em média cerca de 40 mil pessoas a cada ano, aquecendo o mercado imobiliário. Ele ressalta que os dois principais motivos que fazem a cidade ser o destino de brasileiros oriundos de outros Estados e de estrangeiros é a qualidade de vida, sendo a segunda cidade do mundo em área verde, atrás de Edmonton (Canadá), e o razoável custo de vida.
O diretor executivo também pontua que a enormidade da gama de serviços e de negócios, além dos centros médicos de referência nacional são outros atrativos à parte. “Recentemente atendi um cliente de São Paulo que comprou um imóvel no Condomínio Aldeia do Vale, pela proximidade do Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo (Crer), onde seu filho faz terapia. Também já vendi imóveis para um casal espanhol e outro italiano, que escolheram Goiânia para morar pela qualidade de vida oferecida.”
É necessário ressaltar que houve todo um processo político e de planejamento estratégico que resultou na inserção de Goiás no grupo das dez maiores economias nacionais. Em um período da história do Brasil, mais precisamente no final do regime militar, havia um plano de desenvolvimento de cada região do País. Em 1979, iniciou-se uma guerra fiscal, na qual as unidades federativas concediam incentivos fiscais e financeiros com o objetivo de atrair investimentos de empresas e indústrias.
Neste contexto, foi criado em Goiás o Programa de Desenvolvimento Industrial do Estado de Goiás (Produzir) para contribuir com a expansão, modernização e diversificação do setor industrial, estimulando a realização de investimentos, a renovação tecnológica e o aumento da competitividade. O incentivo fiscal propicia a redução do custo de produção da empresa, por meio do financiamento de até 73% do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre a Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comuni-cações (ICMS) devido pelo período de até 15 anos.
Além desses programas de incentivo, Goiás conta ainda com recursos do Fundo Constitucional do Centro-Oeste (FCO). O FCO foi criado em 1988 com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento econômico e social do Centro-Oeste brasileiro. O aporte permanente dos recursos do Fundo, pela União, (29% para Goiás, 29% para Mato Grosso, 23% para Mato Grosso do Sul e 19% para o Distrito Federal) possibilita financiamentos de longo prazo para os setores econômicos, gerando novas perspectivas de investimentos para o empresariado.
Em 2011, por exemplo, o FCO em Goiás financiou investimentos da ordem de R$ 2,06 bilhões. Desse aporte, 50,4% foram direcionados para a modalidade empresarial e 49,6% para financiamento de atividades rurais. De acordo com os dados da Superintendência do Produzir da Secretaria de Estado de Indústria e Comércio (SIC), de 2010 a 2013 foram aprovadas 351 projetos de incentivos fiscais para empresas interessadas em investir no estado.
A logística de transporte em Goiás
A questão geoestratégia também é outro fator preponderante. Goiás se encontra no coração do Brasil, equidistante dos principais grandes centros do País. Em Anápolis, segundo maior PIB de Goiás, dentro de seu Distrito Agroindustrial (Daia), se localiza o Porto Seco Centro-Oeste S/A. O terminal alfandegado, destinado à armazenagem e à movimentação de mercadorias importadas ou destinadas à exportação, tem sido utilizado como facilitador das operações voltadas ao comércio exterior. Por este terminal passam cerca de 20 mil toneladas de carga por mês.
Logisticamente, a localização do Porto Seco é considerada a melhor de todo o interior brasileiro, dispondo de um ramal ferroviário da Centro Atlântica que alcança o Porto de Santos, o maior e principal da América Latina. Esse polo logístico ficará ainda maior com a inauguração da Ferrovia Norte-Sul, que ligará o município goiano ao Porto de Itaqui, no Maranhão. O terminal portuário maranhense será a nova rota de escoamento da produção goiana em alternativa ao Porto de Santos, agregando mais competitividade às mercadorias goianas.
Neste ano, começa ser licitada a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste, que ligará Goiás ao Mato Grosso. Esta linha ferroviária com direção à saída para o Oceano Pacífico será um importante canal de escoamento da produção goiana para a maior economia emergente do mundo e principal parceira comercial do Brasil e de Goiás: a China.
Em Anápolis, o governo estadual está construindo um aeroporto de cargas que fará parte do projeto da plataforma logística que integra os modais rodoviário e ferroviário. O futuro terminal aéreo anapolino será o segundo aeroporto de cargas mais importante do Brasil, atrás apenas do de Viracopos, em Campinas-SP. Há expectativa de trazer toda a logística da produção da Zona Franca de Manaus para o município goiano.
O economista e professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) Jeferson de Castro Vieira afirma que estudos comprovam que uma boa logística pode reduzir em até 30% os custos com transporte, dando maior poder de competitividade. Ele cita o exemplo da experiência holandesa, que investiu pesadamente na construção de uma logística de transporte, como portos, aeroportos, ferrovias e rodovias. “Por vários anos, o Porto de Roterdã foi o maior do mundo. Hoje, o terminal portuário holandês foi superado pelo de Xangai, na China”, ressalta Jeferson de Castro.
Para o secretário estadual de Indústria e Comércio, Rafael Bastos Lousa Vieira, o governo tem como alvo a consolidação de Anápolis como grande polo de distribuição e logística do Brasil. “O novo terminal aéreo de cargas será um importante canal de distribuição de substancial valor agregado. Teremos um novo modal que vai se integrar às plataformas rodoviária e ferroviária”, diz.
Qualificação e emprego
A influência dos investimentos em infraestrutura na economia pode ser notada pela evolução dos indicadores econômicos. Em 2013, a participação de Goiás no PIB nacional foi de 2,6%, mas a fatia goiana na geração de empregos chegou a 5,2%, segundo dados para 2013 do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). O crescimento da indústria goiana no ano passado foi de 5%, enquanto a nacional foi de 1,2%.
Mas, pouco adiantaria investir pesadamente em infraestrutura e conceder incentivos ficais na busca de atrair novas indústrias e empresas se não houver mão de obra qualificada que venha a suprir as novas vagas de emprego que surgem com os investimentos. Pensando nisto, o governo estadual, em parceria com o governo federal, tem oferecido cursos de capacitação como o Bolsa Futuro, juntamente com o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), que já qualificou 340 mil trabalhadores goianos.
O agronegócio e o poderio econômico do interior
O Brasil deverá ultrapassar os Estados Unidos e se tornar líder mundial na produção de soja. A expectativa para a produção de 2014 é de 193 milhões de toneladas, sendo 90 milhões apenas de soja. A produção americana é estimada em 89,5 milhões de toneladas do grão. Segundo levantamento do Ministério da Agricultura, o PIB do setor agrícola deverá atingir R$ 1,03 trilhão neste ano, aumento de 4% em relação ao ano passado. Goiás, cuja economia é altamente influenciada pelo setor agropecuário, deverá sentir reflexos diretos desta tomada de dianteira na produção mundial de soja.
Goiás é o quarto maior produtor nacional de grãos, a produção estadual chegou a atingir 18,29 milhões de toneladas, o que representa 11,1% da produção nacional. De acordo com dados da Faeg, no ano passado, foram obtidos 8,9 milhões de toneladas de soja, 5 milhões de toneladas de milho, 900 mil toneladas de sorgo, 148 mil toneladas de arroz — entre sequeiro e irrigado —, 289 mil toneladas de feijão, 204 mil toneladas de algodão e 19 mil toneladas de trigo. Um total de mais de 18 milhões de toneladas de grãos colhidas em 4,6 milhões de hectares em Goiás.
Negócios milionários
Toda esta pujança movimenta a economia do interior goiano. Basta viajar pelas regiões produtivas de Goiás, como a Sudoeste, para ver o intenso tráfego de carretas abarrotadas de soja ou de máquinas agrícolas. Há fazendas em Goiás com lavouras tão extensas que o limite das plantações vai além do alcance visual. O alto fluxo de capital movimentado pelo agronegócio é coroado com um evento que acontece anualmente em Rio Verde.
Trata-se da Tecnoshow, uma das principais feiras de tecnologia rural do Brasil, sendo a maior do Centro-Oeste, que terá início de suas atividades nesta segunda-feira, 7. A perspectiva dos organizadores para este ano é superar o volume de negociações do ano passado, quando a feira registrou R$ 900 milhões em negócios. A feira terá 500 empresas como expositoras e a expectativa é de 90 mil visitantes de todo o Brasil, que vão ocupar os leitos de hotéis de Rio Verde e Jataí e, por uma semana, vai alavancar o comércio local. “A Tecnoshow é uma referência na geração e difusão de tecnologias rurais. O público comparece ao evento porque entende que encontrará o que existe de mais moderno para sua atividade”, destaca o presidente da Cooperativa Mista dos Produtores Rurais do Sudoeste Goiano Ltda. (Comigo), Antônio Chavaglia.
Mas não só de agropecuária vive a economia do interior goiano. Há também indústrias, inclusive de produtos de alto valor agregado. Destaque para o setor metal mecânico que faz de Goiás uma das poucas unidades federativas que abriga três importantes montadoras de veículos: Caoa-Hyundai (Anápolis), Mitsubishi (Catalão) e a Suzuki (breve em Itumbiara). Em Catalão, por exemplo, cerca de 60% da arrecadação vem da montadora japonesa. No mesmo município se localiza uma unidade da fabricante americana de máquinas agrícolas John Deere.
A unidade de Catalão tem 22 mil metros quadrados de área construída e nela trabalham cerca de 600 funcionários. A empresa considerou se instalar no município do sudeste goiano em 1999, por causa de localização estratégica para o atendimento dos produtores de cana-de-açúcar e de usineiros do interior paulista. Atualmente, a John Deere de Catalão produz colhedoras de cana e pulverizadores.
Com capacidade de 1,2 mil toneladas diárias, o que equivale ao trabalho de 80 a 100 homens, e dotado de equipamentos modernos como monitores digitais para operação noturno, especula-se que cada colhedora não é negociada no mercado por menos de R$ 900 mil. Inclusive, as máquinas agrícola “made in Catalão”, juntamente com aviões da Embraer, fazem parte do portfólio de produtos brasileiros industrializados de alto valor agregado exportados aos Estados Unidos.
Goiânia sedia o segundo maior polo aeronáutico do Brasil
Goiânia é o segundo maior polo de manutenção de aeronaves do Brasil, atrás apenas de São Paulo. Esta condição de referência nacional na área teve início na década de 70, com a aviação de garimpo. Posicionada estrategicamente no centro do País, o que facilita o atendimento de aeronaves baseadas em qualquer região do território nacional, a capital goiana servia — e ainda serve — de ponto de apoio para manutenção de aviões entre uma viagem e outra para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Nesta época surgiram em Goiânia várias empresas de manutenção de aeronaves, já que no aeroporto havia uma quantidade expressiva de aviões executivos. A maioria de produtores rurais recorriam à aviação para vencer as grandes distâncias para chegar nas propriedades rurais, muitas delas localizadas no atual Estado do Tocantins.
De acordo com a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), em Goiás existem 1.251 aeronaves homologadas, sendo a sétima maior frota do Brasil. Destas, 58 são helicópteros, também na sétima posição dos Estados com o maior número de aeronaves desse tipo. Especula-se que empresários goianos são donos de variados tipos de aviões executivos, dentre eles jatos que são verdadeiras joias aladas, como o francês Dassault Falcon, o canadense Bombardier e os modelos da Embraer — Phenon 100, Phenon 300 e o Legacy. Um Phenon 100, por exemplo, custa hoje no mercado algo em torno de 5 milhões de dólares.
Em Goiânia, a empresa Voar-Globo é a única empresa do Centro-Oeste e Norte autorizada a prestar serviços de manutenção em aviões da Embraer e de helicópteros da Robinson, a maior fabricante do mundo. De acordo com o gerente de negócios Márcio Couto, o mercado de manutenção e serviços de apoio a usuários da aviação geral esteve em expansão, o que reflete muito a realidade da economia do País e de Goiás. “Tivemos uma ampliação no mercado de aviação executiva no Brasil entre 2008 a 2012, e Goiânia não ficou de fora. Temos clientes desde o Rio Grande do Sul à região Norte. Há caso em que atendemos empresários que sai de São Paulo para fazer manutenção aqui.”