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Prédios que extrapolam limites estabelecidos em seus projetos de edificação são desafio ao ordenamento urbano

Como não houve o embargo da obra, operários continuam fase de acabamento do prédio | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

Já se passaram 84 anos desde que a pedra fundamental de Goiânia foi instala no local em que hoje existe o Palácio das Esmeraldas, na Praça Cívica. Fundada em 24 de outubro de 1933, a nova capital do estado governado por Pedro Ludovico Teixeira era a Goiânia planejada pelo arquiteto e urbanista Attilio Corrêa Lima para 50 mil pessoas. O incentivo dado pelo presidente Getúlio Vargas à marcha para o Oeste, em busca do desenvolvimento e ocupação do Centro-Oeste brasileiro, tirou da cidade de Goiás, controlada pelos Caiado, o controle administrativo estadual.

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A jovem cidade, que transformou Campinas em um de seus bairros, estava muito distante da dimensão que tomou. Hoje Goiânia tem mais de 500 bairros e uma população estimada em 1.466.105 habitantes de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O número de moradores é 29,32 vezes maior do que o imaginado pelo arquiteto que desenhou a nova capital goiana.

Attilio Corrêa Lima não tinha como imaginar que 84 anos depois de planejar Goiânia a cidade se veria em uma disputa entre Legislativo e Executivo para garantir a fiscalização de ampliações das áreas construídas nos imóveis particulares sem autorização da Secre­taria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação (Seplanh). O arquiteto nem haveria de pensar que o assunto se tornaria moeda de barganha entre vereadores e prefeitos, que brigam pelo segundo ano consecutivo sobre a proibição da cobrança de multa a partir da verificação aérea de modificações em residências que impliquem no recálculo e aumento proporcional do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).

O que a falta de um líder do prefeito Iris Rezende (PMDB) faz à sua administração! O peemedebista sofre com a ausência de um parlamentar que cumpra o papel de intermediar os interesses da prefeitura e negociar as divergências com vereadores da base e da oposição. Grande parte das derrotas de projetos de interesse do Executivo na Câmara de Goiânia é fruto da falta de preocupação do estabelecimento de um diálogo que seria benéfico para a capital e seus moradores. E que ajudaria a gestão de Iris a ultrapassar as barreiras de caráter político que em certos momentos travaram seu primeiro ano do mandato 2017-2020.

Como não houve o embargo da obra, operários continuam fase de acabamento do prédio | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

Falhas

Se a relação entre o Executivo e os 35 vereadores por muitas vezes tem se mostrado difícil, a fiscalização dos imóveis em construção na capital também não consegue acompanhar os desafios e necessidades de se fazer cumprir a legislação municipal. Um desses casos é a obra que originou o City Vogue Praça do Sol Residence – obra da City Soluções Urbanas –, prédio de 38 andares localizado na Rua 13, em frente à Praça do Sol, no Setor Oeste. Em fiscalização do final de junho deste ano, o fiscal de posturas e edificações Fausto Henrique de Faria Gomes, da Seplanh, verificou que o edifício foi construído em desacordo com o projeto aprovado pela prefeitura.

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Com 30 apartamentos de 360 metros quadrados por andar, sendo a cobertura um duplex, com cinco a seis vagas de garagem por imóvel, o prédio nos lotes em que existia antes uma loja da Pizza Hut foi autuado no dia 30 de junho por aumentar a altura do pé direito em todos os pavimentos sem modificação do projeto de construção apresentado à Seplanh. A legislação que trata do assunto é o Código de Obras e Edificações do Município de Goiânia, que teve sua disposição estabelecida pela Lei Com­plementar número 177, de 9 de janeiro de 2008, sancionada no segundo de quatro mandatos de Iris Rezende (2005-2008).

O fiscal incluiu no auto de infração número 110.216 a descrição do que foi violado pelo empreendimento em sua obra. A irregularidade começa a ser descrita no inciso V do artigo 16 do Código de Obras e Edificações, que faz parte da seção V, sobre o licenciamento. “Serão objetos de licenciamento: modificação sem acréscimo ou reforma, obra com ou sem mudança de categoria de uso, que não se enquadre no disposto no inciso VI, do artigo 14, deste Código, na qual não haja acréscimo de área e/ou pavimento, podendo ocorrer modificações em seu todo ou em partes, quanto à sua compartimentação interna, estrutura interna e/ou externa e/ou fachadas, em obra licenciada, edificação existente aprovada ou edificação regularizada por lei específica, exceto quando se tratar de restauro, conforme inciso IX, deste artigo”.
O artigo 14, citado na descrição do ponto infringido pela obra, diz respeito ao alvará de construção, com explicação específica em seu inciso VI dos casos de “micro reforma”, quando não há “supressão ou acréscimo de área e de pavimento com pequenas intervenções”. Em seguida, o documento cita o artigo 27 do Código de Obras e Edificações: “Toda obra ou demolição a ser realizada no Município de Goiânia deverá obter autorização ou licenciamento a requerimento da parte interessada”.

E o que o fiscal da Seplanh constatou foi que os dois subsolos, que deveriam ter pé direito de 3,06 metros cada um, como havia sido aprovado no projeto de construção, chegaram a 3,17 metros. O mesmo aconteceu no térreo e 33 andares do City Vogue Praça do Sol, com pé direito edificado de 3,26 metros, quando o autorizado era de 2,72 metros. A cobertura, que inclui dois pavimentos, deveria ter 5,44 metros, mas atingiu 5,8 metros. A fiscalização, descrita no auto de infração, identificou uma altura do térreo até a laje de cobertura do último pavimento de 117,99 metros, mas o edifício deveria ter 20,07 metros a menos e chegar a apenas 97,92 metros verticalizados.

Demora na autuação obriga prefeitura a encontrar alternativa

O auto de infração é parte do processo administrativo número 70.668.165, há 132 dias na Gerência do Contencioso Fiscal da Seplanh. Outro procedimento, número 70.703.530, tramita há 166 dias na Gerência de Fiscalização de Edificações, Parcelamentos e Áreas Públicas da Secretaria. Trata-se do pedido de embargo da obra do City Vogue Praça do Sol. De acordo com Célio Nunes, gerente de fiscalização de edificações e parcelamentos da Pasta, a Seplanh tem como procedimento habitual pedir que a construção do empreendimento seja embargada logo depois de autuar a construtora responsável.

“O fiscal verificou problemas naquele prédio, mas não é uma irregularidade tão grande ou de consequências drásticas para a cidade, já que a violação desta construção envolveu a elevação da altura do prédio”, explica o gerente da Seplanh. Nunes detalha que o pedido de embargo está na fase de notificação da construtora, mas ele afirma que o efeito de a obra ser embargada na etapa em que se encontra seria “irrisório”. “Há benefícios muito maiores para a cidade como o recolhimento de IPTU, que virão de uma possível regularização da construção.”

O gerente de fiscalização de edificações da Seplanh afirma que, quando o caso é igual ao do prédio em frente à Praça do Sol, geralmente a responsável pela obra entra com o processo de solicitação do Habite-se, documento que autoriza o início da habitação do edifício. Quando isso é feito, a fiscalização vistoria o prédio e verifica quais outras irregularidades precisam ser corrigidas, se outras falhas forem identificadas, antes de dar o aval para que os apartamentos sejam liberados aos proprietários. “O custo da regularização do alvará eles terão de pagar por meio de um pedido à prefeitura para que o projeto de construção seja modificado.”
Como a Lei Complementar número 301 foi sancionada no dia 27 de dezembro de 2016 pelo ex-prefeito Paulo Garcia (PT), foi normatizado o alvará de regularização. Esse instrumento possibilita que edificações em desacordo com o Plano Diretor e o Código de Obras e Edificações de Goiânia busquem a aprovação. Para isso, o prédio em análise não pode oferecer qualquer risco estrutural no fim da obra.

Como a área do City Vogue Praça do Sol é de 1.169,40 metros quadrados, o valor cobrado pela prefeitura para conceder o alvará de regularização seria o mais alto, descrito no inciso III do artigo 5 da Lei Complementar 301/2016: “para construções acima de 500 metros quadrados será cobrada uma taxa correspondente a 300% ao valor devido pela aprovação de projetos”. E ainda há uma cobrança adicional incluída no parágrafo 1º do mesmo dispositivo de 500% “sobre o valor das taxas, impostos e preços públicos devidos” às construções verticais.

A entrega da obra está prevista para março de 2018, com 28 dos 30 apartamentos já vendidos. O problema, por enquanto, está no fato de que o texto da Lei Complementar 301/2016 limita, em seu artigo 6, a concessão do alvará de regularização às construções com no máximo sete pavimentos e altura máxima da laje do térreo à laje da cobertura de 21 metros. De acordo com o gerente da Seplanh, está em tramitação na Câmara um Projeto de Lei do Executivo que altera esse trecho da legislação para liberar o alvará de regularização nos casos de edifícios com altura maior do que o limite estabelecido pelo texto atual da Lei Complementar 301/2016. Antes da aprovação dessa mudança, o City Vogue Praça do Sol segue irregular como consta no auto de infração de 30 de junho deste ano.

O Jornal Opção tentou entrar em contato a City Soluções Urbanas e com o promotor Juliano de Barros Araújo, da 15ª Promotoria do Mi­nistério Público do Estado de Goiás (MP-GO), mas não conseguiu falar com eles. Como descreve Nunes, o principal problema talvez não seja mesmo um prédio residencial com 30 apartamentos no Setor Oeste. Mas a dificuldade está em fiscalizar tantas construções que apresentam irregularidades e riscos ao trânsito e à infraestrutura da região, como é o caso do Nexus, no viaduto da antiga Praça do Ratinho, no cruzamento das avenidas 85 e D, bem como os transtornos e o impacto dessa edificação.

De acordo com a vice-presidente do Conselho de Ar­quitetura e Urbanismo de Goiás (CAU-GO), Maria Ester de Souza, primeiro a fiscalização notifica, dá um prazo para que a obra seja regularizada, e só depois autua o responsável pela construção. “Como o proprietário resolve o embargo? Paga para ter a área construída ou demolindo o que fez a mais. Se esse embargo não for resolvido, o responsável não consegue tirar uma certidão negativa, abrir uma empresa, emitir uma nota fiscal ou qualquer documento que precise de reconhecimento da prefeitura.”

Maria Ester afirma que não é comum embargar uma obra, já que mais da metade das edificações de Goiânia tem algum tipo de transgressão à legislação, seja ao Plano Diretor ou ao Código de Obras e Edificações. Como as pessoas constroem sem a aprovação do projeto, são feitas autuações na cidade pela Seplanh, mas algo ainda distante do necessário. “É uma coisa que existe. A prefeitura faz o que pode. Mas é muito aquém ainda da proporcionalidade do que seria a construção irregular real e o que a prefeitura consegue autuar”, pontua.