Futuro da campanha eleitoral depende mais do que nunca da Copa do Mundo
23 abril 2014 às 15h52
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Todas as expectativas eleitorais bancadas pelos institutos de pesquisa ficarão em banho-maria até julho chegar. E o destino da presidente Dilma Rousseff será o mais atingido, para o bem ou para o mal
Elder Dias
Os políticos já usaram em proveito próprio, e não poucas vezes, aquela que é considerada a maior paixão nacional. O desempenho positivo da seleção brasileira na Copa do Mundo é sempre recebido com portas do Palácio do Planalto — ou equivalentes — abertas. Coincidência ou não, desde 1994, o maior torneio de futebol do planeta cai no ano das eleições presidenciais e há temerárias análises de como o título, o desapontamento ou o vexame protagonizado pelos jogadores poderia refletir nas urnas.
Perder ou ganhar Copa não quer dizer, ao governo de plantão, fracasso ou sucesso garantido, respectivamente, no próximo pleito. Em 2002, o Brasil ganhou o pentacampeonato mundial e a Família Scolari não ajudou Fernando Henrique Cardoso (PSDB) a fazer seu sucesso. Em 2006 e 2010, a seleção não chegou nem às semifinais e o PT reelegeu Luiz Inácio Lula da Silva e elegeu Dilma Rousseff.
A lembrança quem também fez foi o sociólogo Mauro Paulino, em entrevista à revista “Veja” da semana passada. Futebol tem pouca influência nas eleições. Mas este ano será a exceção à regra, conforme ele mesmo completa: o fato de a Copa do Mundo ser no Brasil muda tudo, mais pelo que pode ocorrer fora de campo do que pelo que se passar dentro dele. E a principal beneficiada pelo êxito ou prejudicada pelo fiasco será a presidente Dilma.
A conclusão é do próprio sociólogo, durante sua conversa com a equipe da revista semanal, o que o leva ao ponto central da entrevista: a total imprevisibilidade sobre para que rumo irão os eleitores. E ele pode falar com o máximo de embasamento sobre isso: Mauro Paulino é diretor do Datafolha, um dos principais institutos de pesquisa do País.
Ou seja: em um ano eleitoral, todas as expectativas eleitorais terão de ficar em “stand-by” à espera dos acontecimentos de junho e julho. Mas, dá para fazer uma análise com base no que ocorreu por ocasião da Copa das Confederações, um torneio que serve justamente como evento-teste para a Copa do Mundo desde 2001 e ocorre justamente um ano antes. Foi em junho de 2013, às vésperas de grandes seleções chegarem ao País, que se deram as maiores manifestações populares do Brasil desde as Diretas Já e o Fora Collor. O diferencial, em relação a esses eventos históricos, foi o grau de violência e a motivação: a cobrança por melhoria dos serviços públicos e a contestação veemente dos gastos com o torneio de futebol.
As pesquisas que se seguiram mostraram queda vertiginosa de Dilma Rousseff e de quase todos os outros representantes do Poder Executivo, governadores e prefeitos de grandes cidades. Com os números das pesquisas já acomodados depois de meses e a recuperação parcial da popularidade dos detentores de mandato, o que fica ainda presente nas pesquisas foi uma passagem de nível acima no grau de exigência da população em relação à classe política.
Os índices atuais apontam a presidente Dilma Rousseff com 36% de aprovação nas faixas “ótimo” e “bom”. Paulino chama a atenção para o fato de que estudos demonstram que abaixo de 34% a reeleição de um governante passa a correr sério perigo. Isso deveria pôr as barbas petistas de molho mesmo sem o fator Copa: os desdobramentos do caso da negociação desastrosa pela Petrobrás da refinaria de Pasadena (EUA) e a incógnita sobre a saúde da economia nacional já seriam suficientes para acender a luz laranja.
Novos protestos a partir de junho, na onda do Mundial, são previsíveis, esperados até. A “Folha de S. Paulo” sabe disso e já inovou, lançando o “protestômetro”, uma ferramenta que vai possibilitar ao leitor de seu portal o acompanhamento diário de manifestações, paralisações e greves nos principais centros urbanos do País. Todo esse turbilhão de insatisfação pode ser arrefecido se a estrutura preparada para receber seleções e turistas corresponder.
Essa é a grande questão. O sonho de Lula em trazer os megaeventos esportivos para o Brasil pode ser justamente o que levará o governo de sua sucessora à derrocada: afinal, foram sete anos para preparar tudo e, a menos de dois meses, o estádio que sediará a abertura — apelidado de Itaquerão, em São Paulo, e que se destina ao Corinthians, o time do ex-presidente — não foi entregue pela construtora. As mortes que lá ocorreram, bem como em outras praças, também são pontos negativos que, em última instância, também recaem sobre o governo federal.
Se a organização do Mundial em si, obras atrasadas à parte, conseguir ser bem-sucedida, isso poderá neutralizar o barulho dos protestos. A reeleição de Dilma fica, então, mais viável. Ao contrário, caso o “mico” seja total — e os parcos investimentos em infraestrutura, aeroportos e estrutura viária abrem flanco para isso —, o risco passa a ser total. E, então, já será fim de julho e o ponto de não retorno já terá sido ultrapassado: um plano B, com o próprio Lula sendo convocado a salvar a nau do PT, estaria inviabilizado.
Isso não significa cenário bom para Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB), que serão os nomes mais fortes da oposição. No máximo, há um quê de “menos mau” por eles não estarem com o abacaxi em suas mãos. Mas a rejeição do tucano e do pessebista também é alta, por conta do descrédito de toda a classe política. E, na disputa pela liderança no torneio particular da oposição — como também ocorrerá em Goiás, entre um nome do PMDB (Iris Rezende ou Júnior Friboi), Antônio Gomide (PT) e Vanderlan Cardoso (PSB) —, Eduardo leva vantagem sobre Aécio por ter um cabo eleitoral positivo (a ex-senadora e ex-candidata a presidente Marina Silva) em vez de uma referência partidária com desgaste (o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso), conforme alerta também Mauro Paulino.
Embora sejam armas poderosas para o convencimento de aliados e formação de alianças, pesquisas de pré-campanha mostram quase sempre um cenário confuso e enviesado. Muito mais em um ano atípico como o atual. No país do futebol, nunca o futuro político do Brasil esteve tão dependente dele.
Pesquisas em Goiás “enganam” por apontar o óbvio
Em Goiás, as pesquisas de pré-campanha apontam o óbvio de sempre: Marconi Perillo (PSDB) e Iris Rezende (PMDB) estão à frente dos demais. No levantamento feito pelo Instituto Fortiori e publicado pelo Jornal Opção na edição 2021 (30 de março a 5 de abril de 2014) não deu outra: Marconi e Iris, nessa ordem, lideram. Mas outro dado foi bastante simbólico e, talvez, mais contundente: 59% dos entrevistados na pesquisa não sabem ainda em quem votar. Ou seja, de cada cinco goianos, três não têm preferência por nenhum dos nomes, embora possivelmente rejeitem algum (ou alguns) deles.
Isso vem ao encontro do que outras pesquisas — feitas não com vistas diretamente à busca da intenção de voto, mas sobre o perfil que se espera do futuro governador — mostra sobre o eleitor de Goiás: ele quer renovação, mudança de rumo, um fato novo na política local. Partindo desse ponto de vista e observando o alto porcentual de indecisos, pode-se deduzir que sobra espaço para o crescimento de um nome que passe ao largo das opções já batidas. Dessa forma, Iris já se torna uma opção não tão interessante — sem espelhar novidade, tende a perder fôlego com o decorrer dos meses do ano eleitoral — e Marconi precisaria mostrar, diante da sede pelo “novo”, como pode fazer algo diferente depois de três mandatos e de seu grupo estar há 16 anos no poder.
Sobrariam os outros: a saber, Antônio Gomide (PT), Júnior Friboi (PMDB) e Vanderlan Cardoso (PSB). Cada um com seus bônus e ônus para enfrentar a corrida para ser “o novo”. Estão eles hoje, todos, bem atrás de Iris Rezende nas pesquisas. Mas com mais “teto” para crescer do que o velho líder peemedebista, é bom que se diga. Quem seria o candidato mais palatável? Quem representa o novo com menos perdas?
Começando pelo socialista Vanderlan, este tem a seu favor uma administração bem-sucedida como prefeito de Senador Canedo. É o único do trio com experiência em candidatura ao governo e conquistou um “recall” relativamente considerável da votação que obteve em 2010, quando era do PR. Seu sucesso empresarial é também algo que o coloca de forma positiva no contexto atual da política goiana. Por outro lado, a imagem de “novo” fica abalada por suas companhias: o apoio dos dois maiores responsáveis pelo criticado governo Alcides Rodrigues — o próprio, hoje também filiado ao PSB, e Jorcelino Braga, seu homem forte na gestão e ex-secretário da Fazenda, presidente do PRP — pode pesar mais contra do que a favor quando chegar a hora da campanha na TV e no rádio. Outro entrave é a dificuldade de encontrar aliados para uma terceira via diante da centenária polarização da política goiana.
Júnior Friboi tem um trunfo que o iguala a Vanderlan: é empresário de sucesso, o protótipo mais bem-acabado do “selfmade man” do Cerrado. Fez um açougue de Formosa virar um negócio mundial de carnes, com transações na casa dos bilhões de dólares. É claro que essa história vai causar impacto e admiração no eleitor. Mas não será o suficiente para encantá-lo de vez se suas ideias não parecerem convincentes e realmente inovadoras. Essa tem sido a principal dificuldade de Friboi: traduzir em políticas públicas seu pensamento de empreendedor da iniciativa privada. O dinheiro para a campanha está garantido, não faltará; mas nem só de estrutura vive uma campanha — vai ser preciso que o eleitor, cada vez mais exigente, “compre” a ideia, usando um trocadilho tolerável. Por enquanto, seus índices de intenção de voto caminham pareados com os Vanderlan.
Por fim, Antônio Gomide. De uma coisa o petista não pode ser acusado, até o momento: cumpriu tudo o que havia dito. Desde o momento que estabeleceu sua pré-candidatura, passou pelos trâmites regulamentares de seu partido e anunciou sua saída da prefeitura de Anápolis. Com o PMDB batendo cabeça, não titubeou em deixar a vida tranquila de prefeito bem avaliado. Quer voar mais alto e seu desprendimento e coragem de se lançar lembra características do jovem tucano Marconi Perillo em 1998, o “novo” do Tempo Novo. É ainda o 4º colocado nas intenções de todas as pesquisas, mas tem potencial para subir — e ele sabe disso. O que pode travar Gomide é uma onda anti-PT, que pode se agravar com uma Copa desastrosa, e a falta de maior estrutura do partido em Goiás, notadamente se comparada às de PMDB e PSDB.
ANÁLISE
Uma Copa no meio do caminho das urnas
Foi Lula quem quis. O ex-presidente envidou todo tipo de esforço para trazer Copa do Mundo e Olimpíada para o Brasil. Escorado em seu prestígio internacional e nos bons e surpreendentes números da economia nacional, conseguiu.
Já se passaram sete anos desde a escolha como sede do Mundial de futebol, o que deveria ter sido encarado como desafio em busca de um novo jeito de o País ser visto pelo resto do planeta. Poderia ter sido o modo de pôr fim à fama de povo desorganizado, improvisador, displicente e relapso. Poderia ter sido, mas não foi.
Pelo contrário, o que (não) foi feito para a Copa do Mundo só corroborou o preconceito de que o brasileiro é um povo que dá um jeitinho para tudo, e que deixa o que puder deixar para a última hora. Estão aí os estádios para não deixar nenhum gringo pensar outra coisa.
O que seria para começar a erguer um “novo Brasil” serviu para desmontar qualquer expectativa de mudança. E pior: Lula queria entrar para a história trazendo a Copa, mas pode acabar tirando o PT do poder. As pesquisas mostram que o grau de insatisfação geral da população tem muito a ver com a priorização de verbas para o futebol diante de um quadro de deterioração dos serviços públicos – transporte, saúde e, notadamente, segurança. O alvo são os políticos em geral, mas no centro dele está Dilma Rousseff.
A eleição será atípica, isso é fato. No meio da caminho das urnas tem uma Copa. Tem uma Copa no meio do caminho e, mais do que um bom achado, ela parece ser uma pedra. (Elder Dias)