Visto como um dos “refúgios” para os imigrantes, Goiás conta com uma população de 6.384 pessoas vindas de outros países. Dessas, 3.398 (53,2%) são mulheres e 2.986 (46,7%), homens. Os dados são do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), do governo federal. Os estrangeiros estão distribuídos em 218 municípios, sendo que a maioria (3.156) veio da Venezuela. 

O Haiti (503 pessoas), Colômbia (142) e Bolívia (127) fecham a lista de países com mais imigrantes em Goiás. O Estado ocupa a 14ª posição no ranking de territórios com o maior número de estrangeiros. Desemprego, guerras e até mesmo questão política são alguns dos fatores que fizeram com que essa população deixasse seus países de origem para se aventurar em terras goianas.

O motorista de aplicativo, Erbe Antonio Rechimon, de 51 anos, faz parte do grupo de estrangeiros que escolheram Goiás para viver. Casado há cerca de 20 anos com uma goiana, o argentino deixou Buenos Aires para dar mais conforto à família, especialmente a filha, de 11 anos, portadora de síndrome de Down.  

“Já faz nove anos que vim para o Brasil com a minha esposa e duas filhas, que têm dupla nacionalidade. Primeiro fomos para Jaraguá e, há três anos, nos mudamos para Goiânia”, conta Erbe. 

Logo que se mudou especificamente para Goiânia, o argentino se deparou com uma nova realidade. Mesmo bem recepcionado, Erbe esbarrou em algumas dificuldades, especialmente com a adaptação à língua, à comida e ao intenso trânsito. “Ou se adapta ou se adapta”, brincou.

Perguntado se pretende voltar para o país de origem, o motorista do aplicativo afirmou que sente saudades da sua terra, mas que não pensa em deixar Goiás devido à atual situação econômica e política da Argentina. O país, que vive uma crise econômica e desvalorização da moeda, atingiu uma inflação anual de 142,7% na semana passada, que antecedeu a eleição presidencial.

“Acredito que chegou a esse cenário por má administração e corrupção. Já tenho minha vida aqui e não é fácil recomeçar tudo de novo. Minha filha mais velha faz Engenharia Civil na UFG [Universidade Federal de Goiás], está no 5º período. Aqui eu faço de tudo, mesmo não falando português. Trabalho, vou ao banco, resolvo minhas coisas, viajo. Já conheci outros Estados. Um dia, quem sabe, volto à Argentina”, disse.

Mesquita em Goiânia 

Ao contrário de Erbe, muitos migrantes vêm para Goiás sem ter qualquer tipo de vínculo com o Estado. Ao chegar aqui, porém, eles podem contar com vários tipos de ajuda, desde o próprio governo até… mesquitas.

Fátima Issa, de 50 anos, por exemplo, trabalha há 10 anos com o marido palestino ajudando e acolhendo pessoas de outros países. Atualmente ela e o marido estrangeiro, que chegou no Brasil na década de 70, ajudam de 30 a 50 refugiados. Muitos são haitianos, afegãos e até mesmo israelenses, cujo país vive uma intensa guerra contra o grupo terrorista Hamas na região da Faixa de Gaza. O número de mortos no conflito já ultrapassa 13 mil.

“A gente acolhe [os migrantes] na mesquita, onde eles se alimentam e tomam banho. Também procuramos emprego para eles, encaminhamos para aulas de português e os ajudamos a encontrar moradia. Um afegão me mandou mensagem pedindo ajuda para encontrar uma sala onde possa abrir uma pizzaria”.

Fátima explica que alguns migrantes chegam à terra do agro após perderem tudo, inclusive familiares, em guerras. Famílias com grande número de pessoas são reduzidas a apenas um sobrevivente, que deixa a terra e os costumes para fugir da violência e da fome. Esse, segundo Fátima Issa, foi um dos fatores que a comoveram e a levaram a dedicar a vida para ajudar indivíduos de outras etnias. A questão religiosa também influenciou sua decisão.

“É um sentimento muito gratificante poder ajudar essas pessoas, mas ao mesmo tempo é triste o que eles passam. Quando chegam, não têm casa, cama, armário, não têm nada para recomeçar a vida porque perderam tudo. Muitas vezes não sabem nem se comunicar em português”, contou. 

Processo migratório 

A gerente de Direitos Humanos da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Goiás (Seds), Biany Lourenço, diz que Goiás está entre os principais destinos dos migrantes por conta do custo de vida. Morar em território goiano é mais barato do que em outros Estados, como São Paulo e Rio de Janeiro, e no Distrito Federal.

As ofertas de emprego, tanto no setor público quanto no privado, também são atrativas no momento em que indivíduos de outros países deixam a nação para se aventurar na terra do agro, conforme Biany. O Estado, inclusive, oferece cursos de qualificação para o migrante por meio da Secretaria da Retomada.

“O processo migratório é provocado por diversos fatores, como causas naturais, guerras, crises econômicas e melhores condições de vida. No Brasil, diferentemente dos Estados Unidos, não temos uma lei pela qual a pessoa que não esteja regularizada possa ser deportada. Se o migrante chegar ao Estado sem estar com o documento regularizado, ele é convocado pela Polícia Federal, que dá um prazo para a regularização. Em seguida, ele é notificado”.

O migrante, conforme Biany, é resguardado pelas políticas públicas. Elas garantem às pessoas estrangeiras o acesso a direitos sociais e a serviços públicos. Nesta semana, a Seds também deu início à consultoria com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), que auxiliará na criação do Plano Estadual de Atenção aos Migrantes Refugiados e Apátridas de Goiás. 

Com previsão de lançamento para fevereiro de 2024, o instrumento vai propor diretrizes para implementação de novas políticas públicas de atenção a essa população. Um grupo de trabalho, envolvendo integrantes da sociedade civil, será criado para atuar na sua elaboração.

“Esse plano nada mais é do que formalizar a política pública para o migrante. O passo a passo, o fluxo, o que tem que ser feito. É uma política continuada, uma transparência das informações”, afirmou a gerente.

Goiás é um dos pioneiros na implementação de uma política sistematizada para essa população. Apenas Minas Gerais e Rio Grande do Norte já publicaram um plano similar. O governo já realiza diversas ações de acolhimento a migrantes, sob a coordenação do Goiás Social. Durante o período crítico da pandemia, forneceu alimentação a 150 indígenas da etnia Warao, vindos da Venezuela, e 50 crianças da comunidade foram matriculadas em escolas públicas de Goiânia.

Eles também receberam auxílio para obtenção de Registro Nacional de Estrangeiros (RNE) e assistência à saúde. Crianças venezuelanas indígenas com até 6 anos de idade também são beneficiadas com o cartão Mães de Goiás, com o recebimento de 250 reais ao mês. 

“A inclusão do migrante dentro do Estado de Goiás é fortalecida dentro das secretarias. O Estado fomenta, cria e articula. Quem executa é o município, que vai até a casa do migrante fazendo um acompanhamento direto, sabendo se ele está dentro do CadÚnico. O papel do Estado é fazer o monitoramento para ver se o atendimento está chegando na conta”, concluiu Biany.