Superintendente do maior grupo do setor em Goiânia diz que teve de estocar 10 toneladas do produto para evitar repasse maior para os clientes

Na maior rede de churrascarias de Goiânia, clientela caiu 20% | Foto: Fábio Costa

Uma das poucas coisas que unem esquerdistas e direitistas, esmeraldinos e vilanovenses, roqueiros e sertanejos é o churrasco. Quase unanimidade, exceções feitas a veganos e vegetarianos (Perdoa-lhe, eles não sabem o que estão fazendo!), deleitar-se com um bom assado está cada vez mais difícil: dos açougues, como não poderia deixar de ser, o aumento no preço das carnes chegou às churrascarias de rodízio de Goiânia.

De acordo com números do Instituto Mauro Borges (IMB), órgão ligado à Secretaria Estadual de Economia, a carne bovina puxou o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) em Goiânia. Entre os cortes mais comuns no churrasco, o contrafilé subiu 24% e a alcatra, 21% em novembro. Cortes menos nobres seguiram a tendência: acém (20,55%), músculo (20,40%), paleta (20,28%). Com a alta no preço da carne bovina, as demais seguem o fluxo. O pernil suíno, por exemplo, teve reajuste de 7,7%. O frango, 3%.

Dessa forma, para quem tem a proteína animal como principal matéria-prima, não há alternativa que não seja repassar parte do aumento dos custos ao consumidor. É o ocorreu nas três unidades do grupo Nativas Grill, que controla três das maiores churrascarias de Goiânia, a própria Nativas, a Favo de Mel e a JP Steak House. “Aumentamos em R$ 5 o preço do rodízio do jantar”, conta o superintendente do grupo, João Polezel.

O valor representa aproximadamente 10% a mais em relação ao que estava sendo cobrado anteriormente. O reflexo foi a queda na clientela. “Há clientes que entendem, todos estão sabendo o que está acontecendo. Outros, não. O movimento diminuiu mais ou menos 20%”, diz Polezel.

O repasse, porém, não foi integral, exatamente para preservar o movimento nas churrascarias. Conforme Polezel, o quilo de um corte que era adquirido, no início de novembro, a R$ 30, hoje está em R$ 50. Para manter o atendimento sem transferir a conta toda para o cliente, a saída foi aumentar o estoque do produto. O grupo adquiriu 10 toneladas, que devem ser o suficiente para abastecer as três casas até o fim do ano.

Com a aquisição em grande quantidade, é possível negociar preços menos proibitivos. “Temos experiência com frigoríficos. Assim, conversamos com diversos fornecedores. Comprando muito, conseguimos comprar com preço melhor”, explica.

Polezel espera que a situação melhore no início de 2020, mesmo que os valores não retornem ao patamar anterior. “A esperança é de que os países que estão comprando a carne brasileira façam bons estoques, aí vai ter maior oferta [para o mercado interno]”, afirma. Com o aquecimento da demanda, especialmente na China, que vive uma crise de desabastecimento de carne suína, a mais consumida naquele país, devido à gripe africana, o mercado externo fica mais promissor para o agropecuarista. “Com o dólar e o euro valorizados, o produtor prefere vender pra fora”, diz. Para ele, há também uma repressão na oferta do produto. “Tem pecuarista deixando de abater, prefere ficar alimentando o gado, na espera de que os preços aumentem ainda mais”, acredita.

Frigoríficos esperam recorde de vendas de em 2019

Se, para o consumidor, o aumento no preço da carne pesa no bolso, por outro lado os frigoríficos terão um Natal farto. De acordo com a Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), as exportações de carne bovina em 2019 serão as maiores da história, tanto em volume quanto em receita. Até novembro, o setor havia exportado 6,7 bilhões de dólares e 1,6 milhões de toneladas. O recorde atual é de 2014, com 7,2 bilhões de dólares e 2 milhões de toneladas.

O número é resultado de um desempenho surpreendente em novembro, quando foram exportadas 180 mil toneladas, ao preço de 845 milhões de dólares. Em novembro de 2018, foram exportadas 158 mil toneladas a 617 milhões de dólares. A Abrafrigo compilou os dados da Secex do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC).

Christiane Rossi: preços devem chegar a equilíbrio | Foto: Larissa Melo

O mercado chinês absorveu 42,2% de toda a movimentação de carne bovina brasileira até novembro. Foram, no total, 727 mil tonelada para a China, com receita de 3 bilhões de dólares. No mesmo período do ano passado, foram 656 mil toneladas para o país asiático.

Para 2020, a entidade prevê um crescimento nas exportações nas mesmas proporções (+10+) devido às dificuldades provocadas no mercado chinês pela peste suína africana e pela entrada de novos clientes como a Indonésia e outros países do sudeste asiático, além da esperada habilitação de empresas brasileiras para o mercado norte-americano.

Em Goiás, os números também são positivos. Em novembro, o volume de exportações de carne bovina cresceu 41%, em relação ao mesmo mês de 2018, segundo números divulgados pela Secretaria da Indústria, Comércio e Serviços. Foram 119 milhões de dólares no mês, diante de 84 milhões de dólares no mesmo período do ano passado.

De acordo com a analista técnica do Instituto para o Fortalecimento da Agropecuária de Goiás (Ifag), Cristiane Rossi, alguns fatores contribuíram para o aumento nas exportações. “A demanda externa está aquecida, o dólar torna atrativas as vendas para o mercado externo e a oferta está reduzida”, explica.

Segundo Cristiane, a demanda externa pela carne bovina brasileira foi influenciada pela peste suína africana, que atingiu rebanhos da Europa e Ásia (especialmente na China), ao mesmo tempo em que produtores tradicionais, como Austrália (atingida por seca), Argentina (que passa por crise econômica) e Estados Unidos (com dificuldade de aumentar a produção) não conseguiram suprir essa pressão.

Dessa forma, os frigoríficos passaram a direcionar mais vendas para o mercado externo, mas a engrenagem não tem funcionado tão sincronizadamente. “Muitos produtores não conseguiram se beneficiar dessa alta, porque fizeram vendas antecipadas. Outros estão conseguindo aproveitar esse momento”, diz. “Nesse momento, para muitos compensa investir mais em nutrição, por exemplo, para ganhar mais uma ou duas arrobas no peso do boi”.

Esse cálculo tem todo o sentido para o pecuarista. A cotação do preço da arroba do boi gordo teve valorização vertiginosa a partir de novembro. No dia 2 de setembro, ela valia R$ 143,86. No dia 1º de outubro, havia subido para R$ 147,86. Um mês depois, chegou a R$ 157,33. A cotação mais alta foi atingida no dia 28 de novembro, a R$ 213,75. O valor oscilou um pouco para baixo e estava em R$ 200,83 no dia 5 de dezembro.

“A tendência é chegar ao equilíbrio. O mercado interno é muito importante, era de 80% e agora está em 75%, e o consumidor reage imediatamente retraindo o consumo”, avalia Cristiane. “Nessa semana, o varejo já fez promoções com preços mais baixos que os da semana passada”.

Dólar em alta atinge outros setores de maneira diferente

Infelizmente, para o consumidor, não é apenas o preço da carne bovina que está pesando mais no orçamento. Com o dólar em alta, outros produtos também ficam mais caros. É o caso, por exemplo, dos combustíveis. Em Goiânia, a gasolina está, na maioria dos postos, em R$ 4,74. O etanol, em R$ 3,34. E o do diesel, R$ 3,72.

“A cotação do dólar subiu muito nas últimas semanas. A Petrobras repassa a variação para o preço da gasolina e do diesel. O distribuidor repassa para os postos, que repassam para o consumidor”, explica o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo, o Sindiposto, Marcos Martins de Andrade.

Quanto ao etanol, conforme ele, a questão está no desequilíbrio entre oferta e demanda. “O consumo tem aumentado já há algum tempo, exatamente por causa do preço alto da gasolina. E agora vem a entressafra. Portanto, as perspectivas para o curto prazo não são positivas”, admite.

Na Ceasa, preços estão estáveis | Foto: Divulgação

Nas Centrais de Abastecimento de Goiás S/A, a Ceasa, a valorização da moeda americana atinge, principalmente, o preço dos produtos importados. É o caso, por exemplo, da cereja, que vem do Chile. Na sexta-feira, segundo o gerente da Divisão Técnica da central, Josué Lopes, a caixa de cinco quilos estava cotada a R$ 190.

Neste período do ano, as chamadas frutas finas, que compõem o cardápio natalino, vêm do Sul do País (no caso das nêsperas e ameixas, por exemplo) e do Nordeste (no caso da uva rosada). Esses produtos poderão sofrer algum impacto do aumento do frete, impulsionado pelo preço do diesel.

Por enquanto, contudo, os preços dos hortifrúti estão dentro da normalidade, segundo Josué Lopes. “O tomate, que é o carro chefe, está a R$ 50 a caixa de 22 quilos. É um preço bom para o produtor, o comerciante e o consumidor”, avalia.

Depois de atingir o valor recorde de R$ 4,24, na sexta-feira, 6, o dólar comercial fechou em R$ 4,14. Nas casas de câmbio, porém, o valor é outro. O Jornal Opção encontrou a moeda a sendo vendida a R$ 4,44 em uma loja que funciona em um shopping da capital.

A economista Adriana Pereira vincula a alta na moeda americana à queda da taxa Selic (que remunera os títulos públicos brasileiros e é a taxa básica da economia brasileira), que está em seu menor nível histórico: 5%. “Esta redução com indicativo de tendência de cair provavelmente tem afastado os investidores internacionais que preferem buscar mercados mais estáveis, visto que essa taxa de juros não remunera num valor suficiente para que estes arrisquem seus investimentos em mercados considerados instáveis ou com risco país elevado”, afirma.

De acordo com ela, o cenário político e econômico da América Latina, com convulsões sociais na Argentina, Bolívia e Chile, tem contribuído. “Somando a isso o comportamento econômico lento com perfil até pouco tempo recessivo da economia brasileira, este não é um mercado atraente para investimentos internacionais. Assim, o atual momento político e econômico da América Latina e do Brasil, especificamente, não atrai os investidores e dessa forma, devido a queda na oferta de dólares na economia, ocorre a elevação acentuada da taxa de câmbio”.

O dólar caro pode ter efeitos diferentes, dependendo do setor econômico e do contexto. “Pode-se considerar que o setor exportador pode ser beneficiado com a alta do dólar. Com a taxa de câmbio elevada, os nossos produtos se tornam mais baratos para quem está comprando em dólar. Contudo, seguindo essa linha de raciocínio, ao mesmo tempo em que fica mais barato exportar, fica muito mais caro importar, e vários insumos produtivos utilizados pelo setor exportador são de origem internacional o que torna a produção desses exportadores mais cara”, diz.