Professor da Unesp explica que modificações sociais no País produziram um vácuo que os políticos não conseguem preencher e isso influencia diretamente no atual momento vivido pelo governo federal

Presidente Dilma Rousseff: é chefe de um governo que falha por não saber fazer políticaInvestimento em Energia Elétrica | aLula Marques/ Agência PT
Presidente Dilma Rousseff: é chefe de um governo que falha por não saber fazer política| aLula Marques/ Agência PT

Marcos Nunes Carreiro

Alívio. Essa palavra de seis letras tem sido o alvo dos brasileiros nos últimos meses. A presidente Dilma Rousseff, que é a primeira da fila, foi também a primeira a conseguir algum espaço para respirar na semana passada, quando três frentes de “ataque” resolveram conceder um pouco de descanso.

A primeira frente a dar espaço a Dilma foi o Tribunal de Contas da União (TCU), que deu mais 30 dias para que ela apresente sua defesa em relação às “pedaladas fiscais”. Se recusadas as contas, a presidente poderia ver um processo de impeachment ser, de fato, iniciado. A segunda “carga de oxigênio” veio do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que suspendeu uma das quatro ações movidas pelo PSDB contra Dilma e o vice-presidente Michel Temer (PMDB), visando investigar se houve irregularidades na campanha eleitoral de 2014.

Em meio às denúncias de corrupção que pesam sobre a gestão, essas notícias garantiram a chefe do Executivo o argumento para mostrar que seu governo não está morto — pelo menos não ainda. E é esta constatação que nos leva ao terceiro ponto: Renan Calheiros (PMDB). O presidente do Senado ganhou as graças do Planalto depois de anunciar estar preocupado com a situação do País e garantir sua ajuda ao governo federal.

E esta ajuda veio com o nome de “Agenda Brasil”, um pacote de medidas que pretende assegurar o ajuste fiscal ao passo que desenvolve outros aspectos, como o aprimoramento da segurança jurídica, um dos calcanhares de Aquiles que prejudicam de alguma forma a atração de investimentos estrangeiros em território brasileiro. Após isso, Renan levou o rótulo de “bombeiro”, em contraposição à pecha de “incendiário” de seu colega de partido e presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha.

Porém, se a presidente terminou a semana podendo dormir um pouco mais tranquila, esses três fatos mostram que o governo está frágil. Como aponta Marco Aurélio Nogueira, professor de teoria política e diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp, não faz sentido o governo, para escapar de Eduardo Cunha, se entregar a Renan Calheiros. “Se fizer, significa que o governo já está morto”.

A questão é: quais os motivos para essa fragilidade do governo Dilma? A culpa — se é possível falar nisso — é só dela? O primeiro ponto é econômico: o momento de crise na economia abala os ânimos, sobretudo pela queda da capacidade de consumo, associada à alta do desemprego. Essa crise é, de certa maneira, induzida de fora para dentro devido à economia internacional, mas também tem uma indução interna.

As decisões que foram tomadas há 10 anos — como a opção pelo desenvolvimento sustentado pelo consumo, o descuido em relação à infraestrutura, o manejo do câmbio etc. — cobram seu preço agora. E esses fatores promoveram um desajuste, obrigando os governos, o federal em particular, a implementar ajustes. O problema é que nenhum ajuste tem efeitos em curto prazo e, pior, tende a forçar a crise para que, alcançado o pico, ela comece a se resolver. Ou seja, não é possível dizer quanto tempo vai durar esse período ruim.

Esse é um ponto. Mas, para Marco Aurélio, a resposta para os motivos da fragilidade do governo Dilma vai além: passa por aquilo que pode ser classificado como uma espécie de “crise” social, certo caráter de modificação da sociedade brasileira, que mudou muito nos últimos 20 anos. Para ele, mesmo mantendo algumas de suas características, como ser um país de população jovem, o Brasil foi afetado pelas mudanças, associadas ao novo padrão tecnológico de organização da vida: a hiperatividade das pessoas; as redes sociais; além de uma situação social de muita fragmentação e busca de identidade, algo que trouxe à luz questões que estavam no porão, como os fatores racial e de gênero.

Isso fez com que a sociedade se tornasse um espaço de turbulência com características muito explosivas, o que repercute diretamente na dimensão política. “Atual­mente, não há no Brasil uma sociedade civil suficientemente estruturada para se contrapor ao sistema político. E isso gera um fenômeno de não existência de uma pressão para que esse sistema se renove e funcione melhor. É como se o sistema político girasse sozinho, sem base social. E isso porque as duas partes se desconectaram”, afirma.

E essa desconexão citada por Marco Aurélio aconteceu devido ao não acompanhamento desse avanço tecnológico da população por parte do sistema político, o que criou um vácuo e uma zona de atrito. “Aí o sistema político fica muito influenciado: primeiro, por ele próprio, por seus interesses; por outro lado, ele também é influenciado pelo governo. Dependendo do caminho a ser trilhado pelo governo, o sistema reage”, analisa.

Parte desse ponto o possível entendimento sobre a dificuldade que o governo de Dilma Rousseff tem de formar uma base de sustentação confiável, pois não há, principalmente no Legislativo, lideranças e partidos com capacidade de coordenação, comando e organização. “Assim, o governo tenta fazer um diálogo positivo, mas não consegue. E vemos nas manifestações, e na ‘fuzilaria’ das redes sociais contra os políticos e o sistema como um todo, sintomas de um divórcio, mas que não causam um poder efetivo de pressão política”.
Claramente, soma-se a esses pontos a falta de habilidade política da presidente.

Por que é ruim?

Professor da Unesp Marco Aurélio Nogueira: “Dilma Rousseff é má governante porque se apoia substancialmente no componente técnico e não faz política”
Professor da Unesp Marco Aurélio Nogueira: “A oposição sofre do mesmo cenário da situação; a única diferença é que ela não tem responsabilidades de governo”

O momento não é bom e há um consenso de que o governo federal, politicamente, não consegue se viabilizar. E esse ponto é importante. Marco Aurélio explica que a presidente Dilma é má governante porque seu governo se apoia substancialmente no componente técnico. Ela não faz política. “Um governo assim pode dar muito certo, desde que tenha um articulador político confiável, mas essa pessoa não existe. Não existiu também no primeiro governo”.

Por que, então, o primeiro governo não foi tão ruim? Porque, naquele período, Dilma governava em um momento de bonança: a crise não era aguda e ela tinha acabado de ser eleita, logo, não havia uma oposição tão forte quanto a que passou a existir de 2013 em diante. “A presidente paga um preço que talvez ela não mereça. É cabeça de um governo que não governa. Ela fracassa como política e o Brasil precisa urgentemente de um estadista, de alguém que unifique, minimamente, o País”, relata Marco Aurélio.

Isso precisa ser feito para que a base política do governo seja retomada. Atualmente, com o governo desestruturado, os partidos que deveriam governar junto com Dilma procuram se afastar, caso de PDT, PTB e setores do PMDB, que pensam em 2016 e não em 2018.
O governo precisa de alguém como Lula, então? “De alguém como o Lula lá de trás”, informa Marco Aurélio. “Não sei se ele conseguiria fazer isso hoje, pois também é afetado pelo mau momento do governo. Ele também não. Está calculando isso para não se queimar. Será que o Brasil da tecnologia continuará tendo Lula como referência? Ou será que ele exercerá essa figura apenas para os setores mais despossuídos da sociedade, que são a maioria?”

“Políticos à moda antiga estão acabando” 

Ex-presidente Luiz Inácio Lula  da Silva: pode ainda ser tomado como o possível salvador do governo Dilma? Não se sabe
Ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva: pode ainda ser tomado como o possível salvador do governo Dilma? Não se sabe

Lula foi quem conseguiu unificar o País, de alguma forma, em torno de um projeto de governo. Projeto que garantiu uma continuidade do PT no poder. Nesse sentido, ele deveria ser aquele que poderia colocar o governo de “volta ao centro do ringue”. Porém, essa desconfiança apresentada pelo professor Marco Aurélio em relação ao ex-presidente Lula se justifica pelo fator de modificação da sociedade da qual ele falou antes: “Mesmo os setores mais pobres do País vão se ‘tecnologizando’, o que pode entrar em conflito com a política feita à moda antiga, caso do Lula”.

Por político à moda antiga toma-se aquele que, como se diz na gíria paulistana, “come pastel na feira”. Isto é, aquele político que vai para a rua segurar bebê no colo. Lula, se precisar, faz isso. Não é o caso do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que tem alguma habilidade nessa área, mas não se baseia nela. Na análise do professor da Unesp, esse tipo de político está com os dias contatos.

E isso gera outros tipos de problema. Grande parte da insatisfação da população — que novamente sai às ruas (manifestação no domingo, 16) — é devido à falta de diálogo. Até pouco tempo, partidos políticos, sindicatos e associações tinham essa função. Porém, não conseguem mais cumprir com essa responsabilidade, pois estão aprisionados a um modelo organizacional ruim e também porque não tem o que falar à sociedade de maneira sedutora. Além disso, a própria sociedade tenta encontrar os seus caminhos.

O que falta, em certa medida, é a renovação dos quadros políticos do País. É possível? Para Marco Aurélio, sim, embora não consiga imaginar de onde viria tal renovação. “Os partidos não anunciam pessoas com outro estilo de fazer política e com capacidade de interagir com a juventude. E, se girarmos o periscópio pelo mundo, veremos que há vários países com um hiato entre a população e os políticos. Há um mal-estar geral e ninguém sabe muito bem o que fazer. Nesse quesito, o Brasil caminha com o resto do mundo”, relata.

E a oposição? “Sofre do mesmo cenário da situação”, ressalta Marco Aurélio. “A única diferença é que ela atira pedra e não tem responsabilidades de governo. O engraçado é que o PSDB sempre se apresentou como o partido da responsabilidade e, agora, atira para todos os lados. Além de não gostar do PT, o que o PSDB propõe? Não está propondo nada”.

Isso mostra, na avaliação do professor, que as oposições estão confusas e isso, paradoxalmente, prorroga o governo Dilma. “Não há ninguém que entre no ringue e nocauteie a presidente. Para fazer isso, é necessária uma união social muito grande. E isso não existe atualmente. A pressão feita é desorganizada e não consegue mexer com o governo”, declara.

O triunvirato peemedebista 

Deputado Eduardo Cunha, vice-presidente Michel Temer e senador Renan Calheiros: como presidente do partido, Temer tenta viabilizar o PMDB como um todo; os outros dois só pensam em salvar a própria pele
Deputado Eduardo Cunha, vice-presidente Michel Temer e senador Renan Calheiros: como presidente do partido, Temer tenta viabilizar o PMDB como um todo; os outros dois só pensam em salvar a própria pele

Uma parte da “crise” do governo passa pelo PMDB, que está na maior parte das instâncias de poder do País: na vice-presidência da República (Mi­chel Temer); e nas presidências da Câmara Federal e do Senado (Eduardo Cunha e Renan Calheiros, respectivamente).
E no que este triunvirato influencia no futuro político do Brasil? O cientista político Mar­co Aurélio Nogueira explica:

“Renan, Cunha e Temer disputam o mesmo espaço, que é a de definir a capacidade do PMDB de se tornar protagonista. Porém, eles têm interesses específicos diferentes. O de Temer é o mais autêntico possível — ressalte-se: possível —, em comparação aos outros dois, pois quer viabilizar seu partido — isso porque seu futuro político, em certa medida, passa por aí. Ele é vice-presidente e, portanto, até por ser seu articulador político, está agarrado ao governo. Então, seu objetivo é fazer com o que PDMB entre nisso da maneira mais unificada e forte possível”.

Sobre Renan e Cunha: “Estão interessados em salvar a própria pele, pois estão envolvidos nas investigações da Operação Lava Jato. Eles querem manter as suas bases e cada um tem sua própria história. Isso faz com que eles se tornem pessoas que tornam o trabalho de Michel Temer muito mais difícil, pois ele precisa administrar duas coisas”.

Contudo, há um ponto a ser observado: o PMDB é um partido que tem peso específico na vida política brasileira, não tanto pelo brilhantismo de seu programa ou por sua ideologia, mas pe­la sua capilaridade. Tem uma presença grande no território nacional, além de uma característica de se transmutar muito rapidamente com o objetivo de preencher os eventuais vazios de poder. “E qualquer governo que se coloque, como tem sido desde Fernando Henrique Car­doso, precisará do PMDB para governar”, diz Marco Aurélio.

Por que, então, o PMDB não se torna de vez o protagonista? “Porque não é de sua natureza se colocar como fator de estruturação da vida política do País. Ele se transformou em uma sigla um tanto quanto fisiológica: está interessado em garantir nichos de poder, ocupar os ministérios e colocar pessoas nos cargos”. Tomar o poder é mais difícil.