O Brasil voltou a sair do Mapa da Fome, segundo o relatório “O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo 2025 (SOFI 2025)”, divulgado no dia 28 de julho pelas Nações Unidas. A principal novidade do estudo é a redução da taxa de desnutrição no país para menos de 2,5% da população, patamar que define o limite para inclusão no Mapa da Fome elaborado pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).

Elaborado em conjunto por cinco agências da ONU — FAO, FIDA, Unicef, Programa Mundial de Alimentos (WFP) e Organização Mundial da Saúde (OMS), o relatório reúne dados referentes ao período de 2022 a 2024 e aponta uma leve melhora global na capacidade das populações de acessar alimentos saudáveis, apesar do aumento nos preços.

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Barracos na ocupação Fidel Castro | Foto: Cilas Gontijo/Jornal Opção

A FAO considera que há insegurança alimentar grave quando uma pessoa passa um dia ou mais sem se alimentar. Já a situação moderada é caracterizada pela má qualidade ou quantidade insuficiente dos alimentos e pela incerteza em relação ao acesso às próximas refeições. De forma geral, o relatório alerta para o aumento global dos preços dos alimentos em 2024.

Mesmo com a alta, o número de pessoas sem condições financeiras de manter uma alimentação saudável caiu de 2,76 bilhões, em 2019, para 2,6 bilhões em 2024. A proporção da população mundial afetada também caiu de 29,8%, em 2021, para 23,7%, no último ano.

A exclusão ou inclusão de um país no Mapa da Fome é feita com base na média dos últimos três anos, a partir de três variáveis: a disponibilidade de alimentos (produção, importação e exportação), o consumo médio da população com base na renda, e a quantidade mínima de calorias recomendadas por dia para um indivíduo médio.

Apesar da saída do Brasil do Mapa da Fome ser uma conquista importante — como já havia ocorrido em 2014, especialistas alertam que isso não significa o fim da fome ou da insegurança alimentar no país. O índice reflete que menos de 2,5% da população está em situação de subalimentação grave, mas milhões de brasileiros ainda convivem com a dificuldade de garantir uma dieta equilibrada em quantidade e qualidade.

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Distribuição de marmitas em invasão | Foto: Associação do Tio Cleobaldo

Para entender como esses dados se refletem na vida real, especialmente em regiões vulneráveis, o Jornal Opção visitou áreas de ocupação e bairros irregulares de Goiânia, capital de Goiás — município com cerca de 1,4 milhão de habitantes, segundo o Censo de 2022.

Em comunidades onde predominam barracos de madeira e lona, moradores relataram enfrentar dificuldades para manter uma alimentação digna. A reportagem ouviu relatos sobre a redução do número de refeições diárias, ausência de carne na dieta, preços elevados de frutas e hortaliças, e a constante incerteza sobre a próxima refeição.

Moradores da Vila Maria Luiza dizem que a alimentação é limitada

Em uma casa simples na Vila Maria Luiza, invasão localizada ao lado do Jardim Novo Mundo, em Goiânia, vive o aposentado Joel da Silva, 70 anos. Ele divide o pequeno imóvel com uma filha e dois netos, todos diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Além de lidar com os desafios da família, Joel também enfrenta graves problemas de saúde, pois sofre de insuficiência respiratória e depende de oxigênio diariamente.

“A vida não está fácil. Além dos problemas de saúde do meu filho e dos meus netos, eu tenho problema no pulmão. Uso oxigênio quase 24 horas por dia”, relata o aposentado.

A renda da família gira em torno de R$ 2.100 por mês, composta por sua aposentadoria e pelo benefício do Bolsa Família, no valor de R$ 600, recebido pela filha. O valor, segundo ele, é insuficiente para manter o sustento básico de quatro pessoas, especialmente diante dos altos gastos com medicação.

“Só de remédio, por mês, a gente gasta mais de R$ 1.000. A aposentadoria praticamente vai toda nisso”, afirma. “A energia também está vindo cara demais.”

A alimentação, conforme Joel conta, é simples e limitada. “É o básico mesmo. Não tem como se alimentar direito, porque o dinheiro já não dá mais para comprar o que era preciso. Falta fruta, verdura… arroz e feijão têm direto, graças a Deus, mas carne não dá pra comer todo dia, nem a de segunda. Está muito cara.”

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Joel da Silva: “A alimentação é simples e limitada” | Foto: Cilas Gontijo/Jornal Opção

O café da manhã, segundo ele, também costuma ser improvisado. “Às vezes é só café e bolacha. Quando dá, a gente come um pão ou um cuscuz, que é mais barato. Mas o leite está mais difícil de comprar também.”

Para Joel, a realidade imposta pela combinação de renda baixa, despesas médicas elevadas e o alto custo dos alimentos tem tornado a sobrevivência diária um grande desafio. “Está tudo caro. E o dinheiro, cada vez mais curto.”

 “A sorte é que moro sozinha”

Moradora de uma invasão na Vila Maria Luíza, em Goiânia, a catadora de recicláveis Cleide Sônia, de 50 anos, vive da coleta de materiais descartados pelas ruas do Jardim Novo Mundo e bairros vizinhos. Ela começa a trabalhar todos os dias às 6h da manhã, empurrando um carrinho pelas ruas em busca do que pode vender.

“Me levanto às 5h, porque às 6h eu já estou na rua trabalhando.” Segundo Cleide, a renda mensal gira em torno de R$ 700. Sem aposentadoria ou emprego formal, ela sobrevive com o pouco que consegue arrecadar e com doações. “O que eu ganho não dá para quase nada. Se não fosse a igreja me ajudar com cesta básica e o remédio que busco no CAPS, eu passava fome.”

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Cleide Sônia: “Eu mesma não me alimento direito” | Foto: Cilas Gontijo/Jornal Opção

Cleide paga R$ 400 de aluguel por um barraco onde mora sozinha. “A sorte é que moro sozinha e não tenho ninguém para cuidar, além de mim. Se eu tivesse mais alguém, aí passaríamos fome mesmo”, desabafa.

Ao comentar sobre a recente notícia de que o Brasil saiu do Mapa da Fome, Cleide é categórica: “Isso é conversa fiada. Eu mesma não me alimento direito. Praticamente almoço e janto apenas, e às vezes nem café eu tomo. Lanche da tarde? Ah, quem me dera.”

Apesar de dizer que “não passa fome”, no sentido literal, ela relata que a alimentação é extremamente limitada. “Sempre tem um feijão e farinha pelo menos para comer, mas não é comida adequada para uma pessoa da minha idade, que passa o dia empurrando um carrinho.”

Moradores da Vila Emanuelly relatam dificuldades para uma alimentação adequada

Aos 81 anos, a aposentada Albertina Ferreira Lima de Oliveira carrega no corpo e na memória as marcas da luta por uma vida mais digna. Natural de Carolina, no Maranhão, ela mora atualmente em uma pequena casa na Vila Emanuelly, região próxima ao Jardim Novo Mundo, em Goiânia, onde vive com mais quatro familiares.

Albertina, que é aposentada e inscrita no CadÚnico, conta que apenas uma pessoa da casa está empregada informalmente e outra recebe auxílio-doença. “Mas de carteira assinada, não tem ninguém que trabalha”, afirma.

Apesar de reconhecer avanços em relação ao passado, ela rebate com firmeza o discurso de que o Brasil teria superado o problema da fome. “Já passei fome de verdade. Hoje não passo, mas a comida é sempre regrada e falta muita coisa gostosa”, relata.

 Para ela, a realidade de muitas famílias ainda é de insegurança alimentar. “É mentira dizer que ninguém passa fome. Comer só uma ou duas vezes por dia, viver de farinha com peixe ou uma carne de caça… isso é passar fome. Muita gente lá no Maranhão vive assim, se levanta sem saber se vai ter o que comer naquele dia. Eu mesma já vivi muito isso, foi por isso que vim embora de lá”, conta indignada.

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Albertina Ferreira Lima: “Eu queria muito comer uma fruta” | Foto: Cilas Gontijo/Jornal Opção

A mudança para Goiânia aconteceu há muitos anos, segundo Albertina, como forma de dar melhores condições aos netos. No entanto, ela admite que, mesmo na capital goiana, a alimentação segue longe do ideal. “A situação aqui é melhor, mas a gente também não come como deveria. Às vezes é só arroz e feijão, porque até a farinha está difícil de comprar. Carne, então, não é todo dia”, lamenta.

Questionada sobre o consumo de frutas, Dona Albertina responde com um misto de humor e resignação: “Ah, eu queria muito comer uma banana, uma maçã, uma pera, uma laranja… mas fica só na vontade, porque o dinheiro não sobra.”

Ela destaca que não se considera em situação de fome extrema, mas reconhece que a alimentação da família é insuficiente, sobretudo para alguém da sua idade. “Nossa alimentação é o básico do básico. A gente vai vivendo e chega a uma velhice com tantos anos porque Deus é bom”, diz, com fé e simplicidade.

 Mãe de cinco filhos relata dificuldades para garantir alimentação

Moradora da Vila Emanuelly, em Goiânia, Thailane da Cruz Evangelista, de 25 anos, está desempregada e divide a criação dos cinco filhos com o pai das crianças — duas vivem com ela, e três com ele. Segundo a jovem, a única renda fixa da família vem do programa Bolsa Família, complementada por pequenos trabalhos informais. “Com os bicos que faço, consigo tirar em torno de R$ 1.500 por mês”, conta.

Apesar da renda modesta, Thailane diz que a alimentação da família ainda é bastante limitada. “Pode até ser verdade que muita gente não passe mais fome, mas muitas pessoas não se alimentam corretamente”, afirma. Para ela, enquanto a população luta para garantir o básico, os políticos vivem com fartura. “Eles, os políticos, esses sim, se alimentam muito bem e a hora que quiser, às custas do dinheiro do povo.”

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Thailane da Cruz: ” Às vezes, nem o leite dá para comprar” | Foto: Cilas Gontijo/Jornal Opção

A jovem destaca que manter uma alimentação minimamente adequada para os filhos é um desafio constante. “Eu tenho duas crianças e sei o quanto é difícil ter em casa uma alimentação de qualidade. Às vezes, nem o leite dá para comprar, porque o dinheiro é dividido entre aluguel, água, luz e todas as despesas de uma casa”, desabafa. “Graças a Deus não passamos fome, mas a alimentação é bem restrita.”

 “Aqui não chegou esse progresso”, dizem moradores da invasão São Domingos

Morador da ocupação São Domingos, na região Noroeste de Goiânia, o gari Gleides José da Silva, de 39 anos, vive com a esposa e cinco filhos em uma casa simples há cerca de oito anos. Ele afirma que a situação alimentar da família está longe de ser confortável, apesar das declarações oficiais de que o Brasil saiu do mapa da fome.

“Olha, vou te responder sem ironia: eu queria saber qual região que tá melhor pra se alimentar, porque aqui em Goiânia não tá fácil, não”, desabafa. Com uma renda mensal de cerca de R$ 2 mil, Gleides diz que o alto custo de vida tem comprometido a alimentação em casa. “Tá tudo muito caro. O governo prometeu que a gente ia ter acesso com mais facilidade, mas pelo contrário, tá tudo caro. A cesta básica hoje é um absurdo.”

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Gleides José da Silva: “Eu não vi essa melhora” | Foto: Cilas Gontijo/Jornal Opção

Segundo ele, a família não passa fome, mas está longe de ter acesso a uma alimentação ideal. “Graças a Deus, fome a gente não passa. Mas não tem aquela alimentação correta que deveria ter. Aqui, o bom mesmo é o dia do pagamento. A gente compra uma frutinha, um trem pros meninos, mas isso dura dois, três dias. Depois, é café da manhã com bolacha e cuscuz. Comprar pão, uma rosca na padaria? Negativo.”

Atualmente, sete pessoas vivem na casa — três adultos e quatro crianças —, o que torna a situação ainda mais desafiadora. “Criança é mais difícil. Dói o coração. Quer um iogurte e não tem. A alimentação de criança é mais específica. A gente cresceu num berço humilde e não queria isso pros nossos filhos, mas infelizmente…”, lamenta.

Gleides divide a responsabilidade financeira com a sogra, já que é ela quem o ajuda a manter a casa. “Se não fosse minha sogra me ajudando, eu tava lascado. Não tava dando nem pra comer o que a gente tá comendo.”

A esposa é beneficiária do Bolsa Família e a família está cadastrada no CadÚnico, mas o gari afirma que o auxílio mal cobre as necessidades básicas. “Ela pega uns R$ 600. Aí compra uma fruta pros meninos quando dá, mas é tudo muito apertado.”

Sobre os dados que indicam melhora na segurança alimentar da população mais pobre, Gleides é categórico: “Não é questão de ser irônico, mas eu não vi essa melhora, não. Eu sou um cara que acompanha jornal, rede social, e não vejo esse progresso. Esse progresso não chegou aqui. E se quiser chegar, a porta tá aberta. Não precisa ter vergonha de ajudar nós, não.”

“A situação da alimentação aqui não melhorou”

A costureira Maria Aparecida Alves, de 55 anos, mora sozinha há seis anos na ocupação São Domingos. Natural do Paraná, ela sobrevive com uma renda mensal de aproximadamente um salário mínimo e afirma que a alimentação continua sendo um desafio no dia a dia.

Questionada sobre a informação da ONU de que o Brasil saiu do Mapa da Fome, Maria Aparecida discorda. “Não. Eu acho que está igual, igual antes. A situação da alimentação aqui não melhorou.”

Ela conta que sua dieta se resume ao básico: “Arroz e feijão no almoço e na janta. Uma carninha de vez em quando, mas carne de primeira eu não consigo comprar, não. É só carne de segunda: costela, uma carne moída.”

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Maria Aparecida Alves: “fruta não tem na minha dieta” | Foto: Cilas Gontijo/Jornal Opção

O café da manhã também é simples. “É só um cafezinho mesmo. Fruta, pão, bolo, pão de queijo… só de vez em quando, quando dá. Mas o dinheiro não dá para comprar sempre”, diz.

A rotina alimentar, segundo ela, inclui apenas almoço e jantar. “Lanche da tarde não tem. Eu espero o jantar mesmo. E fruta não tem na minha dieta, porque tá caro. Não dá pra comprar.”

Frequentadora dos mercados da região, Maria Aparecida afirma que não percebe melhora nos preços. “Tá tudo mais caro. Pelo contrário do que dizem, não tá mais fácil, não.”

Mesmo enfrentando dificuldades, ela ainda compartilha parte da renda com a compra de ração para animais abandonados. “Não consigo ver eles passando fome. Aí compro ração, e às vezes consigo ajuda de voluntários pra castrar alguns também. Aqui tem muito cachorro largado.”

“Aqui em casa a gente quase nem come carne”

A costureira Gilvânia Rodrigo da Silva, de 50 anos, vive com o marido há cinco anos em situação de vulnerabilidade. Com uma renda mensal que gira em torno de R$ 1.800 — R$ 800 vindos do seu trabalho e do Bolsa Família, somados a cerca de R$ 1.000 obtidos por bicos feitos pelo esposo — ela relata as dificuldades diárias para garantir o básico à mesa.

Gilvânia ganha R$ 0,35 por peça ao retirar linhas de calças enviadas por uma facção. “Aí não dá muito. Eu tiro cerca de R$ 200 com esse trabalho e mais R$ 600 do Bolsa Família, que dá um total de R$ 800 por mês”, conta.

Apesar de declarações oficiais apontarem avanços na segurança alimentar no Brasil, Gilvânia diz não perceber melhorias na prática. “Aqui em casa a gente quase nem come carne, e quando come é frango, costela ou acém com osso mesmo. Carne de primeira, vixe, nem sei quando comi”, afirma.

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Gilvânia Rodrigo da Silva: “A alimentação dos pobres sempre foi difícil” | Foto: Cilas Gontijo/Jornal Opção

Segundo ela, a realidade continua dura para quem é pobre. “A alimentação dos pobres sempre foi difícil e continua sendo. Porque o que é bom é o deles, dos políticos. A nossa é o que dá para comprar.”

Frutas, por exemplo, estão longe de fazer parte do cardápio diário da família. “Não dá. Está difícil pra comprar, tá muito caro”, lamenta. No supermercado, ela prioriza produtos em promoção e alimentos da cesta básica. “Eu compro o que está mais barato. Nem sempre é o melhor. Tem que pegar arroz, feijão. Só o básico.”

O café da manhã, muitas vezes, também é reduzido ao mínimo. “Quando dá pra comprar, é um pão com manteiga ou uma bolacha. Não tem iogurte, não tem leite. Essas coisas não tem não.”

Além das limitações financeiras, o casal enfrenta problemas de saúde. Ambos fazem uso de medicamentos contínuos — ele, para hipertensão, e ela, para diabetes. “Isso dificulta mais ainda. A gente precisava de uma alimentação melhor”, reconhece.

Para Gilvânia, a percepção de que a situação alimentar no país melhorou não condiz com a vivência da população mais vulnerável. “Esse negócio de que as coisas melhoraram não é verdade.”

Moradores da ocupação Fidel Castro denuncia dificuldades para se alimentar

Genezir Pereira Cavalcante, 55 anos, vive sozinha há sete anos na ocupação Fidel Castro, próxima ao Conjunto Vera Cruz 2, região oeste de Goiânia. As condições no local são precárias: os barracos são feitos de pedaços de madeira e lonas, onde adultos, idosos e crianças vivem em situação desumana.

Questionada sobre a afirmação do governo de que o Brasil teria saído do mapa da fome, Genezir foi categórica: “Eu não concordo não, porque isso aí não é fato que acontece. Eu sou doente, tenho muitos problemas de saúde e vivo com a rendinha do Bolsa Família, R$ 600, para comprar meu remédio e a comida. Tem dia que eu como arroz branco, moço, porque não dá para mais nada, tenho que comprar remédio.”

Genezir Pereira descreve a dificuldade em se alimentar adequadamente: “Comer só arroz branco é passar fome. Já comi pão seco com água porque, às vezes, nem café a gente tem com o preço que está. O organismo não está tendo os nutrientes que precisa, está difícil. Tem hora que sinto muita fraqueza, eu sei que é porque não me alimento corretamente.”

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Genezir Pereira Cavalcante: “Não está fácil comprar as coisas” | Foto: Cilas Gontijo/Jornal Opção

Com problemas de diabetes e colesterol, Genezir reforça que precisa de uma alimentação equilibrada, mas não consegue comprar. “Eu tenho que ter uma fruta, esses alimentos para me comer, só que eu não tenho, não consigo comprar. E não posso trabalhar. Se eu pudesse trabalhar, aí era bom demais. Não sou aposentada, tenho problema de coluna, diabetes, eu não trabalho.”

Para ela, a situação econômica do país só piora: “Não está fácil comprar as coisas, não. Está tudo caro. O café mesmo, pobre aqui é difícil ter. A sorte é que muitas pessoas boas ajudam com cestas básicas, roupas. Graças a Deus, tem muita gente boa no mundo ainda que ajuda a gente aqui. Tem ONGs que ajudam também, que trazem as coisas.”

No entanto, Genezir alerta para a redução das doações: “Se não fosse, a situação seria de calamidade. Era de calamidade, mas até as doações agora estão parando, né? Agora não está vindo como era antes.”

Jovem mãe relata dificuldades para sustentar o filho

Yeda Soledade, de 17 anos, é mãe solteira e vive com seu filho em um barraco de lona na ocupação local. Ela conta que a situação alimentar é muito difícil. “Às vezes como arroz, às vezes não como, às vezes, tipo assim, arroz, feijão, mas carne é raramente.”

A jovem explica que seus pais também moram na ocupação, mas não têm condições de ajudar. “Eu não trabalho, somente estudo, e agradeço a Deus que tem a creche para o meu filho não passar fome. Na creche ele se alimenta bem, graças a Deus, porque aqui em casa não tenho condições de dar o que ele precisa.”

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Yeda Soledade e o filho: “Vivemos mais de ajuda dos outros” | Foto: Cilas Gontijo/Jornal Opção

Sobre a ajuda que recebe, Yeda diz que a sobrevivência depende da solidariedade de outras pessoas. “Vivemos mais de ajuda dos outros, de pessoas que chegam e ajudam com alguma coisa. Esse negócio de que as pessoas estão comendo bem, não é nossa realidade, aqui falta tudo.”

Morador denuncia abandono

Osvaldo Rodrigues de Souza, 64 anos, vive com a esposa e uma filha com necessidades especiais na ocupação. Ele chegou ao local em 2016, e relata que a realidade da sua família está longe da fala oficial do governo. Ao ser questionado sobre a declaração do governo de que o brasileiro não passa mais fome, ele foi enfático: ” Eu discordo.”

Osvaldo explica que a renda da família vinha do Bolsa Família, benefício que foi cortado sem que ele saiba o motivo. “Por causa de um problema com a minha visão, não consigo trabalhar. A gente vive da ajuda de igrejas, de pessoas e de ONGs que sempre apoiam os moradores da ocupação.”

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Osvaldo Rodrigues: “Quem está comendo bem são os políticos” | Foto: Cilas Gontijo/Jornal Opção

Para ele, sem esse apoio, a situação seria muito pior. “Se não fosse essas ajudas, estaríamos mortos de fome.” O morador ainda critica a ausência do poder público na comunidade. “O poder público nem vem na comunidade, e não ajudam com nada.”

Osvaldo desabafa: “Quem está comendo bem são os políticos, que comem do bom e do melhor sem se importar com os pobres. Só lembram da gente na eleição, depois dão um pé na bunda. Esses políticos nem gostam de pobre, eles fingem que gostam.”

Aposentada diz que só come o básico do básico

Fernanda Moreira, 60 anos, mora sozinha em um pequeno barraco de lona na ocupação há um ano. Ela não concorda com a ideia de que o povo brasileiro não passa mais fome. “Eu só como o básico do básico.”

“Tem dia que a gente come arroz e feijão, tem dia que é só arroz. Vai levando”, conta. Para Fernanda, carne é um luxo. “Carne para nós é luxo. Agora até o ovo está difícil de comprar.”

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Fernanda Moreira: “Eu só como o básico do básico” | Foto: Cilas Gontijo/Jornal Opção

A aposentada recebe um salário mínimo, mas afirma que, por precisar comprar muitos remédios, não sobra dinheiro para se alimentar como gostaria. “A gente vai no mercado e fica só com vontade de comprar tanta coisa gostosa. Então esse negócio que está comendo bem é só para os ricos.”

Ela ressalta que para os pobres “não mudou nada”. “Só para os ricos. Para os pobres mesmo não tem nada de diferente.”

Alimentação ideal muda com a idade – diz nutróloga

A quantidade ideal de refeições por dia pode variar bastante conforme a idade, o estilo de vida e os objetivos individuais. A avaliação é da médica Nathany Ribeiro Barbosa, especialista em Nutrologia médica, que destaca a importância de um plano alimentar equilibrado e adaptado a cada fase da vida.

“Em média, de três a cinco refeições equilibradas costumam atender bem à maioria das pessoas, mas mais importante do que o número é a qualidade nutricional e a regularidade com que a pessoa se alimenta”, afirma Nathany.

Segundo a médica, a alimentação deve ser ajustada conforme a idade. “Crianças e adolescentes, por estarem em fase de crescimento, exigem uma ingestão maior de energia e nutrientes. Já os idosos, geralmente apresentam menor apetite e digestão mais lenta, o que exige refeições com maior densidade nutricional, ricas em proteínas e micronutrientes essenciais”, explica.

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Nathany Ribeiro Barbosa: “A alimentação deve ser ajustada conforme a idade” | Foto: Acervo pessoal

No caso dos adultos, ela destaca que é necessário respeitar as demandas metabólicas e o estilo de vida. “Cada organismo tem suas particularidades, e o papel da nutrologia médica é justamente ajustar a alimentação de forma personalizada, considerando não só idade, mas também rotina, saúde metabólica e comportamental de cada paciente”, completa.

Questionada se é possível manter a saúde apenas com almoço e jantar, Nathany afirma que depende da composição dessas refeições. “Se essas duas refeições forem completas, com todos os grupos alimentares, pode ser suficiente em alguns casos. Porém, fracionar a alimentação tende a facilitar o controle da fome, evitar excessos e manter níveis mais estáveis de energia ao longo do dia.”

A médica destaca os principais grupos alimentares que devem estar presentes na rotina:

  • Carboidratos, como arroz, pão, batata, mandioca e macarrão, são fontes de energia;
  • Proteínas, como carnes, ovos, leite, iogurte, queijos e leguminosas, são essenciais para a construção e manutenção dos tecidos;
  • Gorduras saudáveis, como azeite, abacate, castanhas, sementes e peixes como o salmão, contribuem para a produção hormonal, absorção de vitaminas e saúde celular;
  • Frutas, ricas em fibras, antioxidantes, vitaminas e minerais;
  • Verduras e legumes, fontes de fibras, vitaminas, minerais e fitoquímicos importantes para a imunidade e o metabolismo;
  • Laticínios, que fornecem cálcio, vitamina D e proteínas;
  • E, por fim, a água, que Nathany ressalta ser essencial: “Embora muitas vezes esquecida como grupo essencial, a água é fundamental para todas as funções do organismo.”

Sobre a importância das frutas na alimentação, ela reforça: “As frutas são fundamentais para uma alimentação equilibrada. Elas fornecem fibras, antioxidantes, vitaminas e minerais que ajudam na imunidade, no funcionamento intestinal e na prevenção de doenças crônicas, como hipertensão, diabetes e câncer.”

Brasil fora do Mapa da Fome é avanço importante, mas ainda há desafios, observa socióloga

A retirada do Brasil do Mapa da Fome, anunciada recentemente pela Organização das Nações Unidas, representa um avanço importante, mas não significa o fim da insegurança alimentar no país. É o que afirma a socióloga e professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), Andréa Vettorassi, coordenadora da Cátedra Sérgio Vieira de Mello — uma parceria da UFG com o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur).

“É algo realmente extremamente valioso e feliz, motivo de comemoração para o Brasil, porque é um relatório baseado em um indicador internacional sério, utilizado pela ONU para medir a subnutrição. Estar abaixo de 2,5% da população nessa condição é um marco importante”, afirma.

Apesar do resultado positivo, Andréa Vettorassi pondera que o dado não retrata integralmente a realidade vivida pelas camadas mais pobres. “Ainda temos pessoas passando fome, subnutridas e se alimentando muito mal. A fome no Brasil existe, e temos muitas pessoas vulneráveis.”

Segundo a socióloga, o país registrou uma queda de 85% na insegurança alimentar em comparação a 2023. Isso significa que cerca de 14,7 milhões de pessoas deixaram essa condição. “É um número muito importante, mas vivemos em um país de proporções continentais, com desigualdades regionais e sociais acentuadas. Populações quilombolas, indígenas, rurais, periféricas e imigrantes seguem mais expostas à fome.”

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Andréa Vettorassi: “Ainda temos pessoas passando fome” | Foto: Acervo pessoal

Outro ponto de atenção, segundo Andréa, é a qualidade da alimentação, algo que o índice da ONU não consegue mensurar. “Sair do Mapa da Fome não significa necessariamente acesso a alimentos mais saudáveis. O consumo de ultraprocessados aumentou no Brasil, pois são mais acessíveis do que alimentos in natura.”

Ela destaca que o resultado é reflexo de políticas públicas recentes, como o programa Brasil Sem Fome. “É uma política pontual muito importante, mas a manutenção desses índices depende da consolidação de investimentos também em saúde, educação, geração de renda e emprego. Precisamos de políticas estruturantes.”

A socióloga ressalta que não se deve tratar o anúncio como uma vitória definitiva. “Já estivemos fora do Mapa da Fome antes e falhamos em manter esse patamar. Vivemos em um dos países mais desiguais do mundo. É preciso reconhecer a fragilidade da nossa democracia e o risco de retrocessos.”

Sobre os programas sociais, ela defende que são indispensáveis: “Eles são a primeira etapa para enfrentar desigualdades estruturais. É um erro dizer que não se pode ‘dar o peixe’. Como ensinar alguém a pescar se ela não tem rio, vara ou forças físicas para ficar de pé? É preciso garantir condições mínimas de dignidade.”

Andréa Vettorassi propõe soluções de médio e longo prazo. “Devemos fortalecer os programas sociais, investir em políticas de geração de renda, promover a educação alimentar e reduzir o consumo de ultraprocessados. E acima de tudo, entender que somos todos parte desse sistema. Mesmo quem nunca passou fome precisa ter consciência de que isso é um problema coletivo. Construir um país mais justo é um projeto de nação.”

Associação do Tio Cleobaldo combate a fome nas periferias de Goiânia

Com mais de cinco décadas de atuação em Goiânia, a Associação do Tio Cleobaldo segue como referência no combate à fome e à exclusão social. A entidade filantrópica, sem vínculos políticos ou religiosos, assiste atualmente cerca de cinco mil famílias em situação de vulnerabilidade, atuando na garantia de direitos sociais básicos e na reconstrução de laços familiares.

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Associação do Tio Cleobaldo preparando as marmitas | Foto: Acervo pessoal

“Desde os anos 70 realizamos esse trabalho. Nosso foco é a assistência social por meio do acompanhamento com profissionais qualificados e com a entrega das refeições como forma de aproximação na vida dessas famílias que se encontram em vulnerabilidade ou situação de rua”, afirma Marina Mélcia Almeida, administradora da entidade.

Segundo Marina, a insegurança alimentar ainda é uma realidade alarmante. “Embora o país tenha saído do Mapa da Fome em 2014 e novamente agora, a demanda por alimentos continua sendo real. Em Goiânia, em 2024, uma em cada quatro famílias vivia em situação de insegurança alimentar — aproximadamente 468 mil lares enfrentavam algum grau de escassez.”

A instituição entrega atualmente cerca de 20 mil refeições prontas por mês, além de atuar diretamente em 17 pontos de distribuição, atendendo população de rua, moradores de ocupações, albergues e abrigos. “Preparamos comida o dia todo e realizamos a distribuição à noite!”, relata.

Apesar da relevância da assistência emergencial, Marina destaca a importância de políticas públicas duradouras. “Sabemos que programas governamentais e ações assistenciais são fundamentais e impactam diretamente a vida dos mais vulneráveis. No entanto, ainda somos mais de 35 milhões de brasileiros vivendo em insegurança alimentar.”

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Associação do Tio Cleobaldo distribuindo marmitas | Foto: Acervo pessoal

Sobre a distribuição de cestas básicas, a associação prioriza o encaminhamento das famílias ao poder público. “Tentamos encaminhar os usuários diretamente ao CRAS e à assistência social do município, para evitar o assistencialismo e realmente poder auxiliá-los.”

Para a administradora, o enfrentamento da fome deve ser diário e contínuo. “Num país tão desigual, a luta por justiça social é constante. Seguiremos trabalhando todos os dias para reduzir os efeitos da insegurança alimentar em nosso estado e, especialmente, na nossa capital.”

Assistência social em Goiânia dá sinais de avanço

A pobreza ainda é uma realidade para milhares de pessoas em Goiânia, mas o município tem registrado avanços no enfrentamento à vulnerabilidade social. Dados divulgados pela Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres, Assistência Social e Direitos Humanos indicam redução no número de famílias em situação de extrema pobreza e ampliação das políticas públicas voltadas à população mais fragilizada.

A secretaria informa que em julho de 2025, 31,4% das famílias goianienses cadastradas no Cadastro Único (CadÚnico) apresentavam renda per capita de até R$ 218, valor que as enquadra na faixa da pobreza. O número representa uma queda em relação ao início do ano, quando 33,3% das famílias estavam nessa condição — uma redução de quase dois pontos percentuais em seis meses. No comparativo anual, a diminuição foi ainda mais significativa: em julho de 2024, o índice era de 35,9%.

De acordo com a pasta, ao todo, 209.728 famílias estão inscritas no CadÚnico na capital, das quais 69.968 (33,4%) recebem o benefício do Programa Bolsa Família. Segundo a secretaria, o número de cadastros se mantém estável.

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Rua e barracos na ocupação Fidel Castro | Foto: Marco Túlio/Jornal Opção

Entre as ações implementadas pela Prefeitura de Goiânia em 2025 para fortalecer a rede de proteção social, destacam-se:

  • Realização do Mutirão de Atualização do CadÚnico, em julho, nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e na sede da secretaria, para evitar a perda de benefícios sociais;
  • Distribuição contínua de cestas de alimentos e kits emergenciais a famílias em situação de insegurança alimentar;
  • Apoio ao programa Aluguel Social, em parceria com o Governo de Goiás, destinado a famílias sem moradia adequada;
  • Adesão ao Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), que viabiliza o acesso a programas como o de Aquisição de Alimentos (PAA);
  • Participação no Plano Brasil Sem Fome, alinhando Goiânia às estratégias nacionais de combate à fome.

Segundo a secretaria, a gestão municipal avalia que os resultados positivos demonstram o compromisso com a inclusão social. “Apesar dos desafios, Goiânia tem mantido uma ampla rede de assistência ativa, reduzido a extrema pobreza e aderido a programas estratégicos nacionais”, informou a secretaria, em nota.

Goiânia tem mais de 400 áreas em processo de regularização fundiária, afirma secretário

A capital goiana conta atualmente com mais de 400 áreas em processo de regularização fundiária, segundo informou o secretário municipal de Habitação e Regularização Fundiária, Juliano Santana Silva. Entre as regiões em andamento estão os bairros Residencial Emanuelle, Jardim Novo Mundo, Ocupações Estrela Dalva e Solar Ville, além da Vila Roriz, Vila Bandeirantes, Vila Romana, Parque Santa Rita e Setor Perim.

“Todas essas áreas possuem um processo de regularização em andamento. Porém, a ocupação do Solar Ville, Estrela Dalva e o Residencial Emanuelle necessitam de levantamento topográfico, que já estamos providenciando”, explicou Juliano.

De acordo com o secretário, o motivo pelo qual essas comunidades ainda não foram totalmente legalizadas está relacionado à complexidade dos trâmites legais, que envolvem não apenas a pasta municipal, mas outros órgãos técnicos e de fiscalização.

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Juliano Santana Silva: “A falta de escritura, não impede o acesso da população a programas sociais” | Foto: Acervo pessoal

“Existem trâmites legais a serem cumpridos que envolvem órgãos externos à Secretaria de Regularização Fundiária. São processos que concorrem com outras demandas e que exigem vistorias e informações técnicas que demandam tempo”, esclareceu.

A falta de escritura, segundo ele, não impede diretamente o acesso da população a programas sociais, que seguem critérios individuais. No entanto, representa uma barreira para a chegada de infraestrutura urbana adequada.

“Quanto aos programas sociais, a falta de escritura não é impedimento, porque os critérios têm a ver com informações pessoais. Porém, a irregularidade impede que os moradores tenham acesso à infraestrutura básica essencial e outras melhorias que são frutos da legalidade do imóvel e da contribuição com o poder público para custear esses benefícios”, afirmou.

Juliano rebate a ideia de que áreas em regularização não têm acesso a serviços básicos. Segundo ele, muitas já contam com fornecimento de energia e água.

“É mito que onde está sendo regularizado não tem energia. Não necessariamente. Tem lugares que não têm, mas hoje quase todos têm energia e água, exceto algumas ocupações que podem não ter, por exemplo. Tanto é que a gente pede as contas de energia para comprovar a posse”, concluiu o secretário.

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