A prática de agricultura sustentável em fazendas goianas resulta em uma passagem mais tranquila pelo período de estiagem severa nunca antes vista em Goiás. Além disso, produtores rurais e pesquisadores apontam uma redução significativa no uso de defensivos agrícolas artificiais, queda dos gastos com a produção e, consequentemente, o aumento dos lucros nas lavouras.

Conhecida como agricultura regenerativa, a técnica não é nova. PhD em ecologia aplicada ao controle biológico, Eliana Fontes conta que os defensivos artificiais estão presentes em solo brasileiro desde o século XIX, com a introdução do verde-paris, um inseticida à base de arsênio que combatia o escaravelho da batata. O grande ‘boom‘, no entanto, começa durante a ditadura militar no Brasil, mais especificamente com a gestão de Alysson Paulinelli, indicado duas vezes para o prêmio Nobel da Paz pelo trabalho pela segurança alimentar no Mundo.

Paulinelli, que faleceu no ano passado, foi responsável por um movimento que transformou a agricultura tropical entre os anos de 1974 a 1979. Seu papel na modernização da agricultura brasileira e na transformação do País em uma potência agroalimentar foi fundamental também para o desenvolvimento do cerrado com uma visão estratégica para o potencial agrícola da região. Ele também é o responsável pela criação da Embrapa, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.

No microcosmo do solo para plantio, especialmente de soja e milho, os nutrientes vão aos poucos sendo destruídos pelo uso dos químicos e o cultivo de monoculturas, aumentando a vulnerabilidade da terra e da lavoura à pragas.

Fontes explica que a redução da diversidade do solo, além da vulnerabilidade, reduz os nutrientes necessários para a produção de uma cultura, levando ao aumento da demanda por produtos químicos. “O simples plantio de uma planta, por exemplo, em um terreno que normalmente ele não receberia essa planta, ela é capaz de derrubar esses microrganismos, de de afetar ele de um nível”. Entretanto, com as práticas sustentáveis, esse solo é recuperado, aumento seus nutrientes e fortalecendo as plantas.

Mas afinal, o que é a agricultura regenerativa?

A agricultura regenerativa é uma abordagem que visa não apenas preservar, mas também melhorar a saúde do solo, a biodiversidade e o ecossistema como um todo. Em contraste com os métodos convencionais de agricultura, que muitas vezes envolvem o uso intensivo de produtos químicos, monoculturas e práticas que podem degradar o solo e esgotar os recursos naturais, a agricultura regenerativa busca restaurar e regenerar os sistemas agrícolas.

Algumas das práticas são:

  1. Rotação de culturas: Alternar diferentes tipos de culturas em um mesmo terreno ajuda a diversificar os nutrientes no solo e a reduzir a incidência de pragas e doenças.
  2. Cobertura do solo: Utilização de coberturas vegetais ou materiais orgânicos para proteger o solo da erosão, manter a umidade e fornecer nutrientes quando se decompõem.
  3. Plantio direto: Mínima perturbação do solo durante o plantio e a colheita para preservar sua estrutura e microbiologia.
  4. Integração animal: Introdução de animais na rotação de culturas para ajudar a fertilizar o solo com esterco, controlar ervas daninhas e melhorar a saúde do ecossistema.
  5. Agrofloresta: Cultivo de árvores, arbustos e culturas perenes em conjunto para criar sistemas agrícolas diversificados e resilientes.
  6. Uso de compostagem e adubação verde: Fertilização do solo com materiais orgânicos, como composto e plantas de cobertura, para aumentar a matéria orgânica e os nutrientes disponíveis.
  7. Conservação da água: Implementação de técnicas para captar, armazenar e utilizar a água de forma mais eficiente, como barragens e sistemas de irrigação por gotejamento.

Diretora de Agricultura e Meio Ambiente no Instituto Biosistemico, Priscila Callegari explica que a agricultura e meio ambiente é um forma para construir um futuro com equilíbrio entre prosperidade, responsabilidade ambiental e inclusão social. “E, por isso, nós focamos nossos projetos na realidade das propriedades e junto com os produtores num entendimento sistêmico em que agregamos algumas soluções e algumas tecnologias para que ele consiga ter uma melhor gestão, uma melhor produção e um menor impacto ambiental e também uma regularização de seus passivos”.

Prática sustentável no sudoeste goiano

A agronoma Marion Kompier é produtora de milho e soja na Fazenda Brasilanda, localizada em Montividiu (GO), município vizinho de Rio Verde. Ela faz parte do Projeto Regenera Cerrado e relata que o uso dos defensivos agrícolas reduzira a produtividade e os lucros. “Trabalho com meu pai tem 35 anos e acompanho os custos, parte de compras. E fui percebendo que os custos foram subindo, cada vez tendo que usar mais produtos químicos por necessidade e a rentabilidade ficando baixo”, diz.

Ela diz que conheceu sobre a agricultura regenerativa em 2018, após um convite de um amigo para um encontro de produtores. “Assisti uma palestra, mas imaginei que estava muito longe de mim. Mas me encantei e pedi dicas para esse amigo pois queria aprender essas técnicas”, relata.

O aprender foi graças ao Grupo Associado de Agricultura Sustentável (GAAS), que além de palestras e encontro com agricultores, fornece o conhecimento técnico e auxílio na implementação das práticas sustentáveis.

Produção reduziu 60% dos químicos

Na produção de milho safrinha do ano passado, conta Marion, a fazenda reduziu a utilização em 60% de fungicidas e 50% o volume de inseticidas. Acostumada, desde a faculdade, a pensar nos defensivos químicos como a única saída, Marion se surpreendeu com os resultados. “Quando fiz uma visita a um colega que produzia a 30km de casa, levamos toda nossa gerência e nosso corpo técnico. Nosso pessoal viu a produção de milho com um metro e meio e o Adriano Cruvinel disse que não usava fungicida, nossa equipe ficou espantada”, relembra.

A quantidade de fertilizantes e defensivos agrícolas utilizados em plantações de soja no Brasil pode variar dependendo de vários fatores, como as condições específicas do solo, clima, práticas agrícolas, entre outros. No entanto, para fornecer uma média aproximada, podemos considerar dados gerais.

Em relação aos fertilizantes, os agricultores brasileiros geralmente aplicam uma média de cerca de 250 a 300 kg de nutrientes por hectare (ou aproximadamente 101 a 121 kg por alqueire) em suas plantações de soja. Este número inclui nutrientes como nitrogênio, fósforo, potássio e outros elementos essenciais para o crescimento das plantas.

Quanto aos defensivos agrícolas, incluindo pesticidas, herbicidas e fungicidas, a quantidade pode variar significativamente com base nas condições específicas da safra, como pragas e doenças presentes na região. Em média, os agricultores brasileiros podem aplicar entre 2 e 6 litros de defensivos agrícolas por hectare (ou aproximadamente 0,8 a 2,4 litros por alqueire) durante o ciclo de crescimento da soja.

45 sacas agora pagam os custos da produção

De acordo com Marion, uma produção que utiliza os pesticidas precisa de 60 sacas para conseguir pagar todos os custos. “Dentro das boas práticas que a gente já está fazendo, conseguimos reduzir esse custo para 45 sacas”, revela.

O Grupo Kompier é uma empresa familiar que está há 40 anos na região do município de Montividiu (GO), a cerca de 50 quilômetros de Rio Verde e a quase 280 quilômetros de Goiânia. A família conta com duas propriedades, a Fazenda Brasilanda, de 1.600 hectares, a vitrine do negócio, e a Fazenda São Sebastião, de 1.300 hectares.

Na agricultura, são 7 mil hectares cultivados com soja, 5 mil hectares de milho safrinha e 1 mil hectares de sorgo safrinha. A produtividade média é de 75 sacas por hectare com a soja, 145 sacas por hectare com o milho e em torno de 80 sacas por hectare com o sorgo.

As principais atividades são a produção de leite e o cultivo de milho e soja. O primeiro, quase foi abandonado pelo grupo, mas o manejo das áreas juntou com a sustentabilidade. O gado passou a ser tratado em um sistema de alimenta a cadeia de materiais orgânicos que servem de adubo e fertilizantes para as palntas.

O chão do local de armazenamento dos animais é coberto por uma grossa camada de material orgânico. Quando a forração é trocada, chamada de cama, ela serve para a criação de uma matéria-prima que produz o adubo orgânico. De acordo com Marion, são cerca de 4 mil toneladas por ano, que dão origem a cerca de 12 mil toneladas de compostos.

Fábrica de fungos e bactérias

A fazenda agora conta com uma produção própria de fungos e bactérias que são utilizados na produção de defensivos biológicos. A empresa chegou a montar uma biofábrica, especificamente para lidar com as bactérias. O processo, que está em fase inicial, precisou de apoio técnico e da contratação de mais trabalhadores para a fazenda.

O aperfeiçoamento da produção de bioinsumos causou impacto positivo no uso de produtos biológicos a partir da fabricação de biofertilizante aeróbio e a ampliação do processo Soil food web, ambos usados para repor os microrganismos nos solos agrícolas.

A Fazenda montou dois biorreatores para produção de isolados de microrganismos usados para controle de pragas e doenças. Desta forma, busca ganhos na qualidade do controle de pragas e doenças. Além disso, a capacidade de geração de energia fotovoltaica na própria Fazenda, cresceu bastante com a instalação de novos painéis solares. O aproveitamento térmico das fornalhas do secador de grãos melhorou com a introdução de sistema automático de alimentação, onde a lenha foi substituída pelo cavaco.