Símbolo é proibido no país ibérico, onde o ditador Franco perseguiu e matou de 200 a 400 mil pessoas no “Terror Branco”, de 1936 a 1947

Proprietário da fazenda hasteou bandeira de Espanha Franquista | Foto: Reprodução

No quilômetro 35 da rodovia estadual GO-070, próximo ao município de Itaberaí, uma fazenda ostenta, em sua entrada, um adereço repugnante: a bandeira da Espanha franquista.

A ditadura de Francisco Franco foi um regime fascista que durou de 1936 a 1975 e teve apoio da Alemanha nazista de Adolf Hitler e da Itália fascista de Benito Mussolini. Durante o período do Terror Branco, que seguiu a guerra civil espanhola em 1936, a Espanha representada pela bandeira hasteada na rodovia goiana perseguiu e matou de 200 a 400 mil pessoas. 

A bandeira, caracterizada pela Águia de São João, foi avistada por um leitor do Jornal Opção, que reconheceu o símbolo fascista e enviou à redação vídeo e fotografia do estandarte. Desde 2021, a glorificação do período fascista é proibida na Espanha e, se o proprietário tivesse hasteado a bandeira na terra de Franco ao invés de Goiás, poderia ser processado e multado em até 150 mil euros.

O Jornal Opção procurou contato com o proprietário da fazenda, mas não obteve retorno.

Bandeira da Espanha Franquista | Foto: Reprodução

Como foi o regime de Francisco Franco

No período moderno, o regime de Franco foi a autocracia mais longa da Europa, seguido pelas ditaduras de Salazar em Portugal e de Josef Stalin na União Soviética. Por 14.294 dias, Francisco Franco comandou um país com partidos políticos proibidos. Enquanto até mesmo Hitler e Stalin mantiveram funcionando um Legislativo de fachada quando assumiram o governo, Franco dispensou parlamentares e instituições fantoches desde que assumiu, em 1936, até 1942. Esse fato fez o historiador Stanley G. Payne caracterizar o regime de Franco como “o governo mais puramente arbitrário do mundo.”

Francisco Franco foi oficialmente reconhecido como o caudilho da Espanha em 1936 pela Junta de Defesa Nacional, que governava os territórios ocupados pelos nacionalistas. Unificando o partido fascista, Falange Española de las JONS, com o monarquista Comunión Tradicionalista, Franco liderou a sangrenta Guerra Civil Espanhola contra os Republicanos, que defendiam a democracia e reunia diversos segmentos da esquerda. 

Em seu livro “A memória da morte: assassinato em massa, encarceramento e a formação do franquismo”, a historiadora Helen Graham afirma que os franquistas tomaram o controle da Espanha por meio da tática da “guerra de desgaste”, abrangente e metódica. A tática consiste em, mais do que mirar alvos militares, prender e executar qualquer cidadão culpado de apoiar os valores promovidos pela República: autonomia regional, democracia liberal ou social, eleições livres, inclinações socialistas e direitos das mulheres, incluindo o do voto. Cerca de meio milhão de pessoas morreram na guerra, que durou de 1936 a 1939.

Por quase vinte anos após a guerra, a Espanha franquista apresentou o conflito como uma cruzada contra o comunismo em defesa da civilização cristã. Na narrativa franquista, o autoritarismo havia derrotado a anarquia e supervisionado a eliminação dos “agitadores”, aqueles “sem Deus” e a “conspiração judaico-maçônica” (os termos entre aspas foram usados pelo próprio Franco em discurso). 

Com o controle do Estado, Franco fechou o parlamento, acumulando os poderes executivos e de promulgação de leis. Um parlamento de fachada (as Cortes Españolas eram informalmente chamadas de Cortes Franquistas) só seria implantado em 1942, com a Ley Constitutiva de las Cortes. No período, Franco manteve relações com Adolf Hitler e Benito Mussolini, mas o país se manteve neutro durante a Segunda Guerra Mundial. 

Adolf Hitler e Francisco Franco em Hendaye, 1940 | Foto: Reprodução

Durante o Terror Branco, que durou do fim da guerra civil até 1947, o governo de Franco perseguiu e matou opositores. Os inimigos oficiais do Estado eram os lealistas à Segunda República Espanhola (1931–1939), liberais, socialistas de diferentes matizes, protestantes, intelectuais, homossexuais, maçons, ciganos, judeus, bascos, catalães, andaluzes e nacionalistas galegos. A repressão franquista foi motivada pela noção direitista da limpieza social, uma limpeza da sociedade. Estimativas variam pois nos últimos anos do regime os oficiais envolvidos se dedicaram a esconder provas e corpos, mas o número de mortos é de 160 a 400 mil pessoas, segundo o historiador Paul Preston, autor do livro “O Holocausto Espanhol”.

Nos anos seguintes, o governo fascista de franco foi marcado pelo nacionalismo, tradicionalismo e autoritarismo. Até sua morte, em Promovendo uma identidade nacional unitária centrada no castelhano, a diversidade cultural da Espanha foi reprimida. As touradas e o flamenco foram promovidos como tradições nacionais, enquanto as tradições não consideradas espanholas foram suprimidas. 

Na Segunda República, governo anterior a Franco, as mulheres haviam recebido o direito de votar pela primeira vez na Espanha, ganharam status legal pleno e igual acesso ao mercado de trabalho, o aborto foi legalizado e o crime de adultério abolido. Franco revogou todos esses direitos. 

Franco morreu aos 83 anos, em 1975, Madrid, por um ataque cardíaco. Ele assinava pessoalmente todas as sentenças de morte expedidas pelo governo, apesar de campanhas internacionais pressionarem a Espanha em contrário.

Lei da Memória Histórica

A Lei da Memória Histórica de 2007 exige que escudos, insígnias, placas e outros objetos comemorativos, de caráter pessoal ou coletivo, que enalteçam o levante militar ou a repressão de Franco sejam retirados do edifícios e espaços públicos. As remoções não devem ser aplicadas quando elementos artísticos, arquitetônicos ou artístico-religiosos estiverem protegidos por lei. A Lei da Memória também proíbe que organizações elogiem as políticas e os líderes da ditadura espanhola do século 20.

A coalizão liderada pelos socialistas há muito procura proibir qualquer um que apoie o governo de Franco e rebaixe “a dignidade das vítimas do golpe de 1936 ou da Guerra Civil”. O projeto de lei é outro marco no objetivo do governo de sanar as divisões sobre o lugar de Franco na história espanhola, mas deve reacender o debate sobre a liberdade de expressão. A Espanha queria reparar as vítimas de Franco e acabar com o extremismo de direita, em meio à recente popularidade do partido de extrema-direita Vox.

Félix Bolaños, o ministro que supervisiona o projeto, disse que era a “primeira lei da Espanha que condena e repudia expressamente o golpe e a ditadura que se seguiu”. A ditadura do século 20 foi o período mais sombrio de nossa história contemporânea”, acrescentou Bolaños em entrevista ao portal Euronews.