Estudo mostra como aumentar 36% da produção de soja sem desmatar mais terras
16 outubro 2022 às 00h00
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Em consequência à crise de imagem ambiental brasileira, um dos agentes que mais têm a perder é o setor produtivo do agronegócio, que em 2021 superou a marca dos US$ 120 bilhões de dólares trazidos ao país via exportação. A pressão internacional pela preservação dos biomas brasileiros aumentou devido ao avanço das mudanças climáticas e à competição com o agronegócio extrangeiro. Como resultado, blocos de países já aprovaram sanções econômicas contra os produtos agrícolas brasileiros produzidos em área de desmatamento.
Para guiar uma produção agropecuária ecologicamente sustentável, e assim beneficiar o meio ambiente e a economia, cientistas do Brasil e Estados Unidos colaboraram para encontrar um caminho que permita ao Brasil produzir mais nas áreas já voltadas para lavouras – sem necessidade de mais desmatamento. A pesquisa foi publicada no dia 10 de outubro no periódico Nature Sustainability, e mostrou como a produção brasileira anual de soja pode aumentar em 36% enquanto a emissão de gases de efeito estufa pode ser reduzida em 58% até 2035 apenas usando técnicas que já existem e estão ao alcance dos produtores rurais.
Rafael Battisti é doutor em Engenharia de Sistemas Agrícolas, professor da Escola de Agronomia da Universidade Federal de Goiás (UFG) e um dos autores do estudo, que foi coordenado por Patricio Grassini, da Universidade de Nebraska, EUA. Em entrevista ao Jornal Opção, Rafael Battisti afirma que a pesquisa identificou o déficit da produtividade de soja na média das fazendas brasileiras em comparação com os melhores produtores nacionais, e distinguiu quais eram as práticas de manejo utilizadas pelos mais produtivos para ser generalizadas para outros agricultores.
Para determinar o quanto os rendimentos poderiam ser melhorados nas terras agrícolas brasileiras existentes, os cientistas examinaram a produção de soja em quatro regiões-chave: os Pampas, a Mata Atlântica, a Amazônia e o Cerrado. A região que mais pode melhorar sua produção sem explorar mais áreas é o Cerrado, onde pode-se conseguir 38% mais soja, apenas nas terras que já são cultivadas.
Para se conseguir essa melhoria e ao mesmo tempo reduzir emissão de gases de efeito-estufa, três passos são necessários: a intensificação da produção por melhoria das técnicas de manejo; o cultivo de uma segunda safra de milho (safrinha); a criação de gado em pastagens menores para liberar mais terra para a soja.
Os cientistas então criaram três possíveis cenários por meio de modelagem matemática. No primeiro cenário hipotético, as tendências atuais continuariam. No segundo cenário, não haveria expansão das terras agrícolas e as técnicas de produção continuariam as mesmas. No terceiro cenário, todos os passos de “intensificação” seriam adotados. Eles concluíram que a estratégia de intensificação permitiria ao Brasil obter 85% da receita bruta estimada da soja e do milho safrinha, em comparação com o cenário um, e a participação do agro brasileiro no aquecimento global seria reduzida em 58%.
Contra intuitivamente, a “perda” de 15% no cenário ecologicamente sustentável em relação ao desmatamento até 2035 das tendências atuais é a alternativa mais lucrativa para produtores. Caso o cenário três não seja adotado, o impacto climático da agricultura irá penalizar a própria agricultura de formas imprevisíveis. “Em decorrência do desmatamento, até 2035 teremos novos recordes de temperatura, chuvas intensas, secas prolongadas. Tudo isso irá limitar a produção agrícola”, afirma Rafael Battisti.
O que falta para colocar em prática?
Rafael Battisti afirma que o maior obstáculo para se colocar o cenário três em prática é falta de recursos e conhecimento do produtor rural. “A intensificação da produção nas áreas já existentes diz respeito a questões como o uso do fertilizante correto, as práticas de proteção contra pragas e doenças, o manejo de solo e consumo da água de forma que a reduzir erosão, a rotação de culturas, o uso de cobertura vegetal, genética dos grãos semeados. São técnicas de manejo que já existem, mas que são adotadas pelos produtores com mais recursos e formação.”
O próximo passo do estudo, comenta Rafael Battisti, é ir a campo para verificar in loco as técnicas de manejo utilizadas atualmente e identificar a razão dessas escolhas pelos agricultores. “Queremos comparar o que está sendo feito hoje com o que é recomendado pela ciência para produzir mais”, afirma. Sabendo o potencial de produtividade e conhecendo as atitudes concretas para aumentar o ganho, os cientistas serão capazes de criar mecanismos para intensificar a produção e orientar políticas públicas que garantam a melhoria da agricultura nas terras já exploradas, sem necessidade de expandir o agro para áreas preservadas.
Os produtores rurais
Claudinei Rigonatto, superintendente na Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg), afirma: “O agricultor brasileiro é o mais exigido para trabalhar dentro dos padrões ambientais porque temos as leis mais rigorosas do planeta. Nos tornamos modelo em agricultura sustentável para qualquer país do mundo.”
Segundo Rigonatto, os produtores rurais há muito investem no aumento de produtividade ao invés de expansão da área. “Em diversas regiões de Goiás vemos a agricultura entrar em áreas de pastagem degradada, com baixa produtividade, e aumentar muito o rendimento do solo”.
José Mário Schreiner, deputado federal por Goiás e vice-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), afirma: “O produtor rural é vítima de incêndios e desmatamento, pois precisamos do meio ambiente preservado para exercer nossa atividade. Precisamos mostrar o que realmente é o agronegócio brasileiro, de onde viemos e como chegamos ao que somos hoje por meio da ciência, pesquisa e inovação.”