Apesar de já exercer um grande controle ideológico sobre o conteúdo dos meios de comunicação, a esquerda quer asfixiá-los economicamente, consolidando o sonhado controle totalitário da imprensa

José Maria e Silva

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A censura aos meios de comunicação – disfarçada com o eufemismo de “controle social da mí­dia” – volta a rondar o País. Segundo reportagem da “Folha de S. Paulo”, publicada na quarta-feira, 28, a presidente Dilma Rousseff, caso reeleita para um segundo mandato, pretende propor a regulação econômica dos meios de comunicação, encampando parcialmente a proposta original do Partido dos Traba­lha­dores que, historicamente, é defensor do controle total da mídia e, desde o primeiro governo de Luiz Iná­cio Lula da Silva, tentou pôr em prática esse ideal marxista-leninista, que caracteriza todos os governos socialistas da história – amigos de primeira hora da imprensa quando estão na oposição e seus mais figadais inimigos quando assumem o poder.

É certo que nenhum governo – socialista ou liberal, de direita ou de esquerda – gosta de imprensa livre e se pudesse calaria todas as críticas ao poder, transformando os veículos de comunicação em meras assessorias dos palácios. Mas há uma diferença substancial entre a pressão sobre a imprensa exercida por um governo que se deixa guiar pelas regras do capitalismo e outro que atende à ideologia socialista. No sistema capitalista, mesmo em ditaduras, o governo central costuma exercer pressões pontuais contra os meios de comunicação, censurando um ou outro assunto que não é de seu interesse. Já num regime socialista, a pressão é total e o controle dos meios de comunicação se dá nos mínimos detalhes, asfixiando completamente a liberdade de expressão, que passa a ser monopólio do partido que está no poder.

No Brasil, a esquerda já esteve prestes a exercer esse poder totalitário sobre a imprensa, antes mesmo de Franklin Martins, o então ministro da Comunicação Social de Lula, propor o controle dos meios de comunicação. O que salvou o Brasil de não ter uma espécie de versão midiática e múltipla da Santíssima Trindade, com as “Folhas”, os “Globos”, os “Estadãos”, os “Zero Horas” e os “Populares” constituindo um só “Granma”, foi, sem dúvida, o advento da internet, que abriu espaço para o pensamento liberal e de direita absolutamente alijado dos veículos de comunicação tradicionais. So­mente depois que pensadores de direita começaram a fazer tremendo sucesso na internet, como é o caso notório do filósofo Olavo de Car­va­lho, foi que a imprensa sentiu a necessidade de abrir espaço para alguns deles, ainda que na condição de mero contraponto ao esquerdismo do noticiário em geral.

Talvez seja por isso que Dilma Rousseff, segundo acredita ingenuamente a “Folha de S. Paulo” (ou finge acreditar), não pensa em controlar o conteúdo dos meios de comunicação. Na prática, o conteúdo já está controlado há muito. Eu não preciso assistir ao oligofrênico noticiário de televisão para saber que o “Jornal Nacio­nal”, por exemplo, parece ser editado pelos espíritos de Michel Foucault, no campo dos costumes, saúde e segurança pública, e de Paulo Freire, no campo da educação. Prova disso é que a única voz do noticiário em horário nobre da televisão que tentou destoar desse pensamento marxista pós-moderno – a jornalista Rachel She­he­razade – foi sistematicamente perseguida pelas patrulhas de esquerda até se tornar, provavelmente, a primeira bonequinha de luxo em forma de âncora da TV mundial.

Controle da mídia já existe

Um exemplo desse controle que a esquerda exerce no imaginário dos jornalistas pode ser encontrado na própria matéria da “Folha de S. Paulo” que trata do controle social da mídia. Eis como se inicia a reportagem assinada pelos jornalistas Valdo Cruz e Andreia Sadi: “A presidente Dilma Rousseff continua contra a adoção de algum tipo de controle de conteúdo da imprensa, como defendem lideranças do PT, mas já cedeu em parte a seu partido e vai encampar, num eventual segundo mandato, a proposta de regulação econômica da mídia”.

Ora, desde quando a “Folha de S. Paulo”, com seu estilo telegráfico e direto, em que cada frase constitui um parágrafo, subverte as normas de redação jornalística que ela própria defende e inicia uma matéria com uma oração assessória tomando o lugar do assunto principal? O normal seria a matéria ter começado assim: “A presidente Dilma Rousseff já cedeu em parte a seu partido e vai encampar, num eventual segundo mandato, a proposta de regulação econômica da mídia”.

Só depois de feito esse dever de casa do bom repórter da “Fo­lha”, que segundo o Manual de Re­dação do jornal deve ser sempre direto, aí, sim, os jornalistas que assinam a matéria poderiam acrescentar a informação secundária de que Dilma Rousseff continua contra o controle de conteúdo da mídia proposto pelo PT. Mesmo assim, jamais deveriam afirmar isso com tanta certeza como fizeram os repórteres, pois repórter, como o nome diz, reporta o que vê e ninguém vê o que vai por dentro de uma pessoa a ponto de saber, com toda certeza, se ela é contra algo ou não. O correto seria apenas relatar a posição de Dilma a partir de uma visão externa, que é a perspectiva do repórter, e não afirmá-la com absoluta certeza a partir de uma visão onisciente que lhe entra cabeça adentro, como se o repórter fosse Deus ou ficcionista.

Ou seja, os repórteres da “Folha”, se agissem com a devida imparcialidade, jamais poderiam afirmar que “a presidente Dilma Rousseff continua contra a adoção de algum tipo de controle de conteúdo da imprensa” e, sim, que “a presidente Dilma afirmou que continua contra” ou que uma determinada fonte fez essa afirmação a respeito dela. Muito provavelmente, os dois repórteres da “Folha” agiriam assim se estivessem noticiando um fato relativo aos tucanos José Serra ou Fernando Henrique Cardoso: primeiro, o destaque para o fato novo, que impacta o leitor, mesmo que ele seja negativo para o protagonista da reportagem, como é de praxe no jornalismo; só depois a informação secundária, que pode atenuar a afirmação anterior e ser favorável ao entrevistado, mas não tem o mesmo impacto da novidade e não merece o mesmo destaque. Afinal, qualquer aluno de jornalismo sabe que, entre um “Fulano continua assim ou assado” e um “Fulano fará isso”, a notícia, obviamente, é a ação e não o estado que já existia antes.

Outro exemplo ainda mais sintomático do controle de conteúdo que a esquerda já exerce nos meios de comunicação brasileiros pode ser encontrado na mesma edição da “Folha de S. Paulo”, nu­ma entrevista com o cientista político russo Aleksandr Dugin, de 52 anos, professor da Universidade Estatal de Moscou. O repórter Guilherme Celestino, que entrevistou Dugin, inicia a entrevista com a seguinte pergunta: “Os brasileiros não conhecem o senhor, poderia falar um pouco sobre sua carreira e teoria?” Ao tratar Ale­k­san­der Dugin como absoluto desconhecido no Brasil, o repórter se esquece de que o cientista político russo protagonizou um longo debate com o filósofo Olavo de Carvalho na internet, de março a julho de 2011, fartamente compartilhado e comentado nas redes sociais, que resultou no livro “Os EUA e a Nova Ordem Mundial” (Vi­­de Editorial, 2012, 240 páginas), cuja versão eletrônica se en­contra entre os 100 livros mais vendidos da Amazon na área de política, o­cupando atualmente a 31ª posição.

Como foi Olavo de Carvalho quem apresentou Dugin ao público brasileiro, em artigo publicado no jornal “O Globo”, em 26 de abril de 2003, portanto, há 11 anos, a impressão que fica é que, no Brasil, um pensador só passa a existir se for descoberto por um intelectual de esquerda. O fato de Dugin ter outro livro publicado em português – “A Grande Guerra dos Continentes” – também não foi levado em conta pelo repórter. É certo que esse livro foi lançado por uma editora alternativa, a Antagonista, que parece ter encerrado suas atividades no início de 2012, mas a obra continua no catálogo da Vide Editorial e também pode ser encontrada em versão eletrônica na Amazon. Tudo bem que a maioria dos brasileiros não lê livros de ciência política e jamais ouviu falar de Dugin, mas, quando um jornal apresenta um pensador, evidentemente não está pensando nas massas, caso contrário não seria apenas Aleksandr Dugin o desconhecido – o jornalista Clóvis Rossi, que integra a nobreza editorial da “Folha”, também não existe para a esmagadora maioria dos brasileiros, que não tem o hábito de consumir artigos políticos, a não ser que venham embalados pela retórica midiática de um Arnaldo Jabor.

Fingimento editorial na imprensa

Esses dois casos pinçados da “Folha de S. Paulo” estão longe de ser uma exceção. Em todo o resto da imprensa, a regra é a mesma – o pensamento de esquerda é dominante e o que não é de esquerda entra apenas como contraponto, numa espécie de fingimento editorial, espécie de faz de conta de que existe pluralidade ideológica nos veículos de comunicação. E se não fosse a força da internet, que fez surgir uma espécie de direita virtual no País, nem esse contraponto ideológico existiria e a parte de opinião da grande imprensa seria fatiada apenas entre articulistas como Luís Fernando Veríssimo, Vladimir Safatle, Leonardo Saka­mo­to ou Eliane Brum. O controle ideológico da esquerda é tão forte que nem mesmo alguns críticos do go­verno petista escapam dele. A jornalista Miriam Leitão é um exemplo. Em que pese não poupar críticas a determinadas decisões econômicas do governo federal, sendo execrada por isso nas hostes petistas, ela costuma, em questões de comportamento, a­linhar-se com o ideário de esquerda, fazendo, por exemplo, uma irracional de­fesa das cotas raciais esboçadas pe­lo tucanato e impostas pelo petismo.

Todavia, o controle de esquerda sobre a mídia brasileira beira a censura é no noticiário geral, fora da sessão de opinião dos jornais. Pouco adianta uma “Veja” ter Reinaldo Azevedo ou Rodrigo Constantino, uma “Folha” ter Luiz Felipe Pondé ou João Pereira Coutinho, uma “Época” e um “Globo” terem Guilherme Fiúza ou um “Estadão” ter Denis Rosenfield, se fora de suas respectivas editorias de opinião, em praticamente todo o noticiário dessas publicações, predomina a ideologia esquerdista. Diariamente, o público que lê jornal, ouve rádio ou vê televisão é submetido ao pensamento único de esquerda de forma imperceptível – geralmente por meio de especialistas oriundos das universidades, que supostamente falam com neutralidade sobre o assunto em questão, mas quase sempre não passam de ideólogos disfarçados de cientistas.

Todo o noticiário sério sobre segurança pública, por exemplo, é contaminado pelo pensamento do filósofo Michel Foucault, onipresente no discurso dos especialistas, que glorificam o banditismo, a pretexto de defender os direitos humanos, e espezinham as forças policiais, acusando-as até de crimes que não cometeram. O cientista político uspiano Paulo Sérgio Pinheiro, por exemplo, ao criticar os que pediam justiça no caso do menino João Hélio, arrastado e morto por assaltantes nas ruas do Rio de Janeiro em fevereiro de 2007, perpetrou a seguinte frase: “Nas semanas após o crime bárbaro, muitas chacinas, algumas balas perdidas de revólver de policiais acertam casualmente uma moradora no gueto. Mal são notadas: compaixão e clamor só para vítimas de fora dos guetos”. A vítima “fora dos guetos” a que ele se refere, como se lamentasse a comoção pública que uma vítima suscita, era justamente o menino João Hélio, uma inocente criança de apenas 6 anos, tratado pelos bandidos como “boneco de Judas”, após ficar enganchado no cinto de segurança do carro roubado e ser arrastado pela distância de sete quilômetros, enquanto seu corpo ia se desfazendo pelo caminho.

Cientista político Paulo Sérgio Pinheiro: parcialidade na crítica  à polícia quando pontifica  sobre segurança pública - Foto: Pierre Michel
Cientista político Paulo Sérgio Pinheiro: parcialidade na crítica à polícia quando pontifica sobre segurança pública Foto: Pierre Michel

Panfleto ideológico travestido de notícia

Esse artigo de Paulo Sérgio Pinheiro, escrito em parceria com Marcelo Daher, integrante do Alto Comissariado da ONU, assim como Pinheiro, foi publicado na “Folha de S. Paulo” em 10 de abril de 2007, e nele os autores aproveitam para criticar a polícia, ao dizer que “algumas balas perdidas de revólver de policiais acertam casualmente uma moradora no gueto”. Ora, se a bala é reconhecidamente perdida como é que Paulo Sérgio Pinheiro e seu parceiro de surrealismo podem ter certeza de que ela partiu do revólver de um policial? Nesta simples frase, destituída até de bom senso, que dirá do rigor científico que se espera de um catedrático, Paulo Sérgio Pinheiro, que foi ministro de Direitos Humanos do governo Fernando Henrique Cardoso, revela todo o seu preconceito ide­ológico contra a polícia, oriundo das leituras de Foucault no Núcleo de Estudos da Violência da USP, fundado por ele em parceria com o sociólogo Sérgio Adorno.

Mas a notória parcialidade de Paulo Sérgio Pinheiro, que chega a conspurcar o cadáver de uma criança com sua esconsa ideologia dos direitos humanos, não o impede de ser chamado a pontificar nas matérias noticiosas sobre segurança pública, como se fosse uma autoridade científica neutra pairando com a verdade dos fatos sobre as paixões dos parentes de vítimas da criminalidade. No mesmo ano em que não teve dúvida em atribuir as balas perdidas aos revólveres dos policiais, como se bandido não atirasse e não errasse o alvo, Paulo Sérgio Pinheiro criticou o governo do Rio pela política de confronto nas favelas e sua crítica foi tratada pelo blogueiro Jorge Antonio de Bar­ros, o “repórter do crime” do jornal “O Globo”, como “tão contundente quanto autorizada”, pelo fato de Pinheiro ser “um dos fundadores do Núcleo de Estudos da Violência da USP e um dos pesquisadores mais gabaritados no assunto”.

Ora, como sabia Descartes, o primeiro dever de um pesquisador gabaritado, que busca a verdade, é partir da dúvida, especialmente quando os fatos não são claros. Mas não é assim que agem os ideólogos travestidos de cientistas que dão declarações em reportagens de rádio, TV e jornal, muitas vezes fechando a notícia com a última palavra sobre o assunto abordado. Essa onipresença dos acadêmicos de esquerda em reportagens sobre educação, segurança, saúde e cidadania, sempre disfarçados de cientistas neutros e portadores da verdade, transforma o que deveria ser uma matéria jornalística, com a devida pluralidade de opiniões, num panfleto ideológico travestido de notícia. Com isso, o público é adestrado a pensar como a esquerda sobre a maioria dos assuntos humanos, mesmo que politicamente abomine o PT. Quantos pastores evangélicos, sempre que vão criticar a ditatura gay, não fazem questão de deixar claro que também são contra a homofobia, sem perceber que aceitar e usar o absurdo conceito de homofobia – que não tem qualquer lastro científico da forma como é usado – já é ser vítima, sem o saber, da própria ditadura gay que querem denunciar?

Controle do que já está controlado

Em síntese, o governo petista quer controlar o que já está controlado. Inclusive do ponto de vista político. Afinal, qual o grande grupo de mídia do Brasil que se opõe à ideologia de esquerda? O oligarca José Sarney, que detém um império de comunicação no Maranhão filiado à Rede Globo e é aliado de primeira hora de Lula? A própria Rede Globo, cuja teledramaturgia parece sair das páginas de Michel Foucault, promovendo toda sorte de devassidão moral defendida pela esquerda, desde a promiscuidade gay até a liberação das drogas, passando pelo culto sem limites à juventude, que destrói a autoridade paterna e docente? Os sindicatos de jornalistas que já são vergonhosamente totalitários, defendendo todos os atentados à liberdade de expressão que a esquerda comete ou intenta cometer, como é o caso da censura à jornalista Rachel Sheherazade, sem contar o silêncio da própria Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) diante das prisões de jornalistas em Cuba?

Se a presidente Dilma Rousseff for reeleita, a imprensa brasileira corre um grande risco de passar pelo que estão passando os veículos de comunicação da Venezuela e da Argentina. E não adianta achar – como os ingênuos tucanos – que o Brasil é institucionalmente mais estável do que seus vizinhos e que não corre o risco de submergir a uma ditatura institucional nos moldes do PRI mexicano ou do bolivarianismo de Hugo Chávez. Se o governo petista quiser quebrar a espinha dorsal dos grandes veículos de comunicação, ele tem o amparo dos artigos 220 e 221 da Consti­tuição para agir assim. E não será um Supremo cada vez mais bolivariano que conseguirá lhe dizer não. O Congresso Nacional pode até tentar, mas com credibilidade zero, pois estará advogando em causa própria, já que os oligarcas estaduais, presentes ou bem representados no Senado e na Câmara, estão entre os maiores donos de concessões de rádio e TV pelo País afora.

Mas se o PT não conseguir vencer essa guerra contra os grandes conglomerados de comunicação, a tendência é que ressuscite o Conselho Nacional de Jornalistas para atingir a parte mais fraca – os profissionais de comunicação. E, se isso ocorrer, o que é bem provável, os Marinhos, os Frias, os Mesquitas, os Sirotskys, os Câmaras, vão lavar as mãos, sem dúvida alguma. Então, nesse dia, os raros jornalistas de direita terão de se aposentar, pois a tendência é que o conselho profissional dos jornalistas – dado o histórico da Fenaj – seja tão ideológico quanto o Conselho Federal de Psicologia e persiga o profissional da área que não rezar pela sua cartilha. Essa tragédia contra a liberdade de expressão e a democracia só será evitada se a grande imprensa abrir seu noticiário – e não só as páginas de opinião – para o pensamento de direita, descobrindo e ouvindo intelectuais que não pensam como o PT também sobre os assuntos do dia a dia. Caso contrário, a grande imprensa pode até conservar a chave do cofre, mas perderá de vez a autonomia editorial, tornando-se mero boneco de ventríloquo dos chefes de quarteirão do pensamento.

Post scriptum – Jamais me deixei enganar por Joaquim Barbosa. Sua renúncia precoce e injustificável ao Supremo mostra que eu estava certo em todas as críticas que fiz ao ministro – o Brasil não nasceu para heróis. E Barbosa é a maior prova disso. Ainda volto ao assunto.