Enquanto o Brasil se mobiliza para sediar a COP 30, em Belém, no Pará, em 2025, Goiás tem mostrado que também busca seu espaço na agenda verde.

O estado reúne uma série de iniciativas públicas e privadas voltadas à sustentabilidade, inovação e preservação ambiental, que vão desde projetos de energia limpa até programas de reciclagem e reflorestamento urbano.

Nesse sentido, o Jornal Opção entrevistou três projetos que trabalham com economia circular, energia limpa e valorizam a sustentabilidade. Um exemplo é a empresária Ítala Marcelly, de 38 anos, proprietária da Adelita Reusable. Ela criou a primeira fralda reutilizável com materiais que tinha em casa.

A startup, que transforma resíduos têxteis em produtos ecológicos como fraldas, absorventes e bolsas reutilizáveis, começou de forma artesanal e hoje busca escalabilidade e novas parcerias para ampliar seu alcance. O objetivo é reduzir o volume de resíduos encaminhados ao aterro sanitário da capital.

Segundo Ítala, a inspiração veio de uma necessidade pessoal. “A Adelita surgiu de uma necessidade minha, enquanto mãe, para minha filha. Criei uma fralda ecológica com resíduo têxtil que eu tinha em casa. A partir disso, fui pesquisar e vi que em Goiânia existe muito resíduo têxtil”, conta.

Peças reutilizáveis da Adelita Reusable | Foto: Arquivo pessoal

A empresária decidiu estudar o tema, aprimorar o produto e expandir a atuação. Hoje, a Adelita atua em duas frentes principais: a produção de itens ecológicos e o reaproveitamento de resíduos já existentes.

“A gente trabalha com o intuito de desviar do aterro sanitário o resíduo das confecções e dos uniformes. Só em Goiânia, são cerca de 316 toneladas por mês que vão para o aterro”, explica.

Ítala destaca que o empreendimento ainda é artesanal, mas se prepara para crescer. “Estamos nos estruturando para a escalabilidade. Recentemente ganhamos um edital do HUB Goiás, e estamos buscando parcerias para promover mais impacto”, afirma.

A jornada, no entanto, não foi simples. A empreendedora lembra que transformar uma ideia caseira em um negócio sustentável exigiu enfrentar barreiras culturais e logísticas.

“Por ser algo ambiental, o maior desafio foi fazer as pessoas entenderem o valor do produto reutilizável. Ainda existe, embora menos hoje, um preconceito de que o reutilizável não tem valor. Além disso, tivemos dificuldades para encontrar alguns materiais, como os impermeáveis usados nas fraldas”, relata.

Mais do que um negócio, Ítala vê a Adelita como um movimento de conscientização. “O que mais me motivou foi ver o impacto ambiental dos descartáveis e perceber que o resíduo têxtil é um problema oculto na cidade. Ele simplesmente não é trabalhado”, observa.

A startup já começa a medir o impacto de suas ações. Com o apoio do edital, a equipe da Adelita passou a usar a ferramenta B Impact Assessment, que permite monitorar o desempenho ambiental e social do negócio.

“Começamos essa parte da mensuração em setembro. Um dado recente mostra que evitamos que mais de 600 quilos, ou seja, mais de meia tonelada, chegassem ao aterro sanitário, em um único pedido. Esse material foi usado para preencher pufes feitos com sobras das confecções de Goiânia”, celebra a empreendedora.

Pufes que foram produzidos com resíduos | Foto: Arquivo pessoal

O processo

Ítala Marcelly explica que o trabalho começa com o aproveitamento de materiais descartados pelas fábricas. “Na primeira frente, que é o trabalho com as fraldas, usamos o retalho que a grande indústria não aproveita, seja por falhas, tinta irregular ou corte inadequado. Pegamos esse material e, com diferentes moldes, encontramos o melhor desenho para aproveitamento”, detalha.

O processo, segundo a empresária, segue princípios de produção limpa e lixo zero. Até os resíduos menores, como aparas e linhas, são reaproveitados. Para Ítala, trabalhar com economia circular vai além do reaproveitamento de materiais.

“É desafiador, mas sou movida pela paixão de fazer algo possível para ajudar o nosso ambiente, que está pedindo socorro”, afirma. Ela observa que, embora o consumo de produtos descartáveis ainda seja alto, há uma crescente conscientização sobre a importância de produtos reutilizáveis.

“O consumidor começa a perceber que o benefício não é apenas ambiental, mas também financeiro, ajudando na economia doméstica e em toda a cadeia produtiva”, completa.

Quanto ao futuro, a empresária revela planos ambiciosos. “Queremos aumentar a escala de produção e buscamos certificações internacionais como Incorporation, Credit Credit e L. MacArthur. Nosso maior sonho é tornar a Adelita referência em soluções têxteis sustentáveis em Goiás”, afirma.

A empresa, que ainda funciona como uma “fábrica caseira”, mostra que é possível aliar criatividade, sustentabilidade e responsabilidade social em um setor tradicionalmente gerador de resíduos, inspirando mudanças tanto para consumidores quanto para outras indústrias.

Empresária Ítala Marcelly | Foto: Arquivo pessoal

Energia renovável

Um segundo exemplo de iniciativa goiana sustentável é de Pedro Bouhid, de 33 anos. Ele é proprietário e diretor executivo da Yellot, em Goiânia, que atua há 8 anos oferecendo soluções completas em energia elétrica.

A empresa abrange desde a instalação de grandes usinas, atuação no mercado livre de energia, mobilidade elétrica, gestão de usinas até serviços de energia por assinatura. Bouhid aposta em energia renovável e mobilidade elétrica como caminhos para gerar impacto ambiental positivo e economia financeira.

“O nosso grupo hoje tem dois braços principais: um de energia renovável e outro de mobilidade elétrica. Na prática, conseguimos mitigar bastante a emissão de CO₂ tanto na geração de energia quanto na mobilidade”, afirma Bouhid. A Yellot, por meio do braço YellotMob, atua na criação de infraestrutura física e digital para a recarga de veículos elétricos.

“Somos um software, tecnologia própria, para a gestão e operação das estações de recarga, e também atuamos na construção de uma rede de recarga. A ideia é facilitar e permitir que quem queira ter um veículo elétrico não seja impedido pela dificuldade de abastecimento”, explica o empresário.

Carregamento veicular da YellotMob | Foto: Arquivo pessoal

Bouhid lembra que sua entrada no setor de energia limpa começou em 2015, impulsionada pelo interesse em inovação e pelo impacto social e ambiental da energia solar fotovoltaica.

“Quando falamos de usina solar, estamos falando de economia no bolso do cliente. Em muitos casos, isso pode mudar a vida de uma família ou de uma empresa, porque o capital economizado pode ser investido em outras áreas. Algo semelhante está acontecendo agora com a mobilidade elétrica”, destaca.

Em dez anos, o mercado de energia renovável no Brasil mudou drasticamente, segundo Bouhid. “Mudou tudo: o conhecimento, a facilidade de acesso, o preço que barateou, as linhas de crédito que chegaram. Hoje, o cenário é completamente diferente de 10 anos atrás, quando a grande barreira era provar que isso era possível e legal.”

Apesar do crescimento, o empresário aponta desafios para quem atua no setor. “Hoje temos barreiras regulatórias grandes que inviabilizam alguns projetos, limitações físicas e energéticas e dificuldade de acesso ao capital, tanto por parte do cliente quanto da empresa. A burocracia é pesada, mas o principal é a insegurança jurídica”, afirma.

Barreiras

Bouhid destacou os desafios regulatórios e a importância da segurança jurídica para o setor. “É complicado dizer o que precisa ser feito, porque tivemos a Lei 14.300, de 2022, que é bem recente, e já recentemente tivemos duas tentativas de deturpar um pouco essa lei. A mais recente foi a MP 1304, que, graças a Deus, depois de muita batalha das associações, conseguimos manter essa segurança e fazer valer a lei 14.300”, afirmou Bouhid.

Ele explicou que a legislação funciona como um marco regulatório da geração distribuída no Brasil, regulamentando todo o setor. Segundo o empresário, o país tem potencial para se tornar uma potência mundial em energia renovável.

“Hoje o Brasil já tem uma matriz elétrica majoritariamente renovável e tem potencial de crescer mais ainda, tanto na geração centralizada quanto na geração distribuída”, afirmou. Bouhid também detalhou o projeto braço da Yellot voltado à mobilidade elétrica.

“Fechamos o ciclo: geramos energia limpa e promovemos que ela seja utilizada para recarregar veículos elétricos, descarbonizando o transporte. Identificamos a oportunidade de escassez de infraestrutura e nos tornamos agentes promotores para impulsionar a mobilidade elétrica em Goiás e no Brasil. No início de 2023, começamos a instalar as primeiras estações de recarga, simultaneamente ao aumento do número de emplacamentos de veículos elétricos”, explicou.

Placas solares da Yellot | Foto: Arquivo pessoal

A cultura de sustentabilidade também é aplicada internamente na empresa, segundo Bouhid. “Praticamos o ESG desde o modelo de negócio. Nosso produto é ESG, mas tem três pilares: meio ambiente, social e governança. No dia a dia, em todos os processos, temos a oportunidade de atuar de forma mais sustentável, olhando para o social, tanto para o cliente interno quanto externo, e para a governança na gestão da empresa”, disse.

O empresário ainda revelou os próximos objetivos da companhia: “Falando da YellotMob, já somos a empresa de mobilidade elétrica com maior crescimento do Brasil e a ideia é nos consolidar como a principal empresa de infraestrutura de recarga no país”.

Com uma atuação que combina geração de energia limpa, inovação e responsabilidade social, a Yellot busca não apenas ampliar seus negócios, mas também contribuir para o avanço do setor de energia renovável e da mobilidade elétrica no Brasil.

Pedro Bouhid e Jilson Brasil, proprietários da Yellot. | Foto: Divulgação

Consumo e produção responsáveis

Elisângela Sheila Colodino Feitosa, de 44 anos, proprietária da JJ Borrachas, construiu uma trajetória profissional marcada por desafios, transformações e muita coragem.

Casada e mãe de dois filhos, Pedro Daniel, de 11 anos, e Josué Colodino, de 17, autista grau 3, ela iniciou sua carreira aos 17 anos em uma pequena empresa do setor de pneus.

“Comecei muito cedo, em uma empresa que mexia com recapar e consertar pneus. Com o tempo, fui me apaixonando pela borracha e pela logística. Tive a oportunidade de viajar bastante, conhecer grandes fábricas como Michelin e Pirelli e até montar a primeira tritura de pneus do estado de Goiás”, relata Elisângela.

Durante 17 anos, ela se dedicou ao transporte e destinação de resíduos da borracha, cumprindo a legislação ambiental vigente. A experiência, porém, não a impediu de buscar novos horizontes.

A virada aconteceu após o nascimento prematuro de seu filho caçula, Pedro Daniel, que veio ao mundo com apenas 29 semanas de gestação. “Ele quase morreu, e naquele momento percebi que não podia continuar minha vida assim, viajando toda semana. Decidi dar um tempo e me dedicar à minha família. Foi aí que dei a virada de chave e entrei no empreendedorismo”, lembra.

A primeira tentativa de empreendimento próprio foi em sociedade com outra empresa de peças automotivas, mas divergências acabaram por encerrar a parceria. Mesmo com dívidas e desafios estruturais, Elisângela não desistiu.

“Mesmo finalizando a sociedade, decidi continuar. Comecei uma nova trajetória, agora completamente minha, e fui empreender com tudo que tinha aprendido”, conta. Atualmente, à frente da JJ Borrachas, Elisângela atua no setor de peças automotivas, focando em peças de fixação da linha de suspensão.

Ela vê Goiânia como um polo estratégico para seus negócios: “Empreender sempre é um desafio, ainda mais numa cidade grande como Goiânia. O nosso foco de vendas está aqui porque é onde há mais clientes na nossa área”, explica.

“O mercado goiano é muito audacioso, muito promissor, e estamos aqui para acreditar na indústria do Centro-Oeste, mostrando que é possível vender para outros estados como São Paulo e Rio Grande do Sul”, continua.

Elisângela destaca ainda a importância de investir na cidade e no desenvolvimento local.

“Goiânia é uma capital promissora, com muitos projetos, e vemos empresas de outros estados vindo para cá. Isso mostra que o mercado é grande e desafiador, mas também cheio de oportunidades. É com essa garra que continuamos investindo e crescendo.”

Elisângela da JJ Borrachas | Foto: Arquivo pessoal

*Ouça a entrevista completa de Elisângela com a repórter do Jornal Opção, Amanda Costa:

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