Após reportagem do dia 23 de janeiro, moradores de diversos residenciais construídos e financiados pelo programa Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) entraram em contato com o Jornal Opção para relatar problemas em seus apartamentos. Em alguns casos, os beneficiários do programa buscam há seis anos na Justiça Federal indenizações pelo dinheiro gasto em reformas e reparações morais pelos transtornos. Funcionários do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) afirmam que os processos não andam porque engenheiros nomeados para fazer as perícias não aceitam o pagamento proposto, mas diversos engenheiros cadastrados na Assistência Judiciária Gratuita (AJG) afirmaram em entrevista nunca ter sido contactados. 

Nas 136 habitações do condomínio Azaléia, no Jardim Cerrado 7, os problemas são os mesmos: instalação hidráulica falha, vazamentos e alagamentos constantes, infiltrações, rachaduras, rede elétrica instável. Este é um dos primeiros condomínios em Goiânia construídos por meio do PMCMV (atual Programa Casa Verde e Amarela), tendo sido entregue pela Caixa há 11 anos. A síndica Fernanda Cassiano Batista afirma que, com o fim do contrato com a Caixa, que tem duração de dez anos, a disputa judicial por indenizações se tornou mais complicada. 

“Como estamos aqui há muito tempo, fizemos reformas com nossos próprios recursos”, diz Fernanda Batista. “Pagamos pelo sistema de segurança e pelo asfalto. O condomínio fica em um bairro perigoso e foi entregue com alambrado; nós construímos o muro. Muitas casas foram entregues sem piso; todas sem pintura. Eu lutei junto à construtora Brookfield para que nos dessem assistência, mas eles deixaram de nos responder há muitos anos. Com a Caixa eu consegui muitas reuniões que nunca resolveram nada.”

Os problemas se repetem nos demais residenciais do Jardim Cerrado. Nos 88 apartamentos do Residencial Margarida, nos 96 do Residencial Magnólia e nas 112 habitações do Residencial Lírio do Vale. “Eles [a Caixa] afirmam ter entregado todas as construções como ‘benfeitorias’, mas, na realidade, a maior parte do que hoje funciona fomos nós quem pagamos. Morando aqui há 11 anos, consertamos muita coisa. Ninguém aguentaria viver em más condições, esperando a assistência das construtoras.”

“A Caixa afirma ter entregado todas o que fizemos como ‘benfeitorias'”, diz Fernanda Batista | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

A Caixa afirmou que não daria declarações sobre o programa em função da mudança de Governo, pois as diretrizes do atual Programa Casa Verde e Amarela podem ser modificadas. 

A espera de um perito

Corre na Justiça Federal, existe um processo movido pelo condomínio e diversas ações movidas pelos moradores individualmente. Como no caso do Residencial Nelson Mandela, para que o processo tenha andamento, é necessário que a Justiça Federal em Goiás nomeie um engenheiro para fazer a perícia que irá embasar as decisões do juiz. Desde 2017, entretanto, nenhum profissional aceitou o trabalho. Segundo a diretora de Secretaria da 4ª vara do TJGO, os engenheiros nomeados recusaram as propostas de pagamento estipuladas pela Justiça Federal. 

Carla Magalhães tem 30 anos de experiência como engenheira, está cadastrada na Assistência Judiciária Gratuita, mas nunca foi chamada | Foto: Reprodução/Acervo Pessoal

Dois engenheiros entrevistados, Fabiano Azevedo e Carla Guimarães, estão cadastrados no sistema do Tribunal de Justiça e se dispuseram a fazer perícias em todo o estado de Goiás pela AJG, mas afirmam nunca terem recebido contatos para trabalhar em moradias do Programa Minha Casa Minha Vida. 

Fabiano Azevedo conta que já fez perícias para a Assistência Judiciária no Distrito Federal, mas que nunca foi chamado em Goiás. “Me coloquei à disposição para auxiliar a justiça com os laudos e perícias necessárias em Goiás e também no Distrito Federal. No Distrito Federal existe mais transparência; posso acompanhar o processo pela internet. Em Goiás, você tem de aguardar o contato por e-mail. Quando questionei, me afirmaram que não havia trabalho a ser feito. Fiz o cadastro há mais de um ano e meu currículo foi aceito, mas nunca fui chamado ou nomeado.”

 Problema generalizado

Ana Luiza Fernandes, especialista em Direito Civil e pós-graduanda em Direito Imobiliário, atua no mesmo tema na cidade de Anápolis. A advogada representa o Residencial Colorado, também construído pelo Programa Minha Casa, Minha Vida, e que também apresenta os problemas observados nos condomínios de Goiânia. Bem como acontece em Goiânia, os moradores não conseguem dialogar com a Caixa ou com a construtora.

“Tentamos entrar em um acordo com a atual construtora, a Realiza”, diz Ana Luiza Fernandes. “Mas não nos responderam. O síndico já havia relatado todos os problemas e solicitado reparos, mas a construtora afirmou que nada é culpa deles, que os problemas são de responsabilidade dos moradores. Um dos problemas é que pessoas com deficiência foram contempladas com financiamento do imóvel, mas ali não há acessibilidade alguma. Agora, vamos entrar com ações judiciais dos moradores e do condomínio também.”

Ana Luiza Fernandes afirma que as ações são em desfavor da construtora Realiza e também da Caixa. “A Caixa contrata a construtora por meio do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). O papel da Caixa não é apenas de financiar a construção, mas também de fiscalizar e garantir que as obras serão bem executadas, que os projetos serão cumpridos. Alguns imóveis colocam a vida dos moradores em risco, isso é responsabilidade da Caixa, que entrega aqueles imóveis.”