Inovações no mercado de energia solar aceleram a transição para matriz energética limpa
20 agosto 2023 às 00h01
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Na última semana, o governo federal anunciou R$ 30,6 bilhões de investimentos em Goiás, na área de transição e segurança energética por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (Pac). O anúncio não veio com detalhes a respeito de como o recurso será aplicado, mas se espera que o desenvolvimento de novas usinas solares, subestações e linhas de transmissão torne a energia limpa ainda mais barata no estado.
Segundo pesquisa da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), a energia solar já responde por quase 15% da matriz elétrica brasileira. Nos últimos 10 anos, a energia solar reduziu o seu preço em 86%. Goiás é o sétimo estado brasileiro com maior produção de energia a partir do sol – são 1.032 MW instalados, ou 4,6% do total de todo o país.
Entre os municípios, Goiânia ocupa o sexto lugar, com 117,9 MW de potência instalada. As imagens feitas de cima mostram que os telhados da cidade estão sendo cobertos por placas solares. Diversas iniciativas colaboram para o fenômeno. Se, por um lado, a instalação das placas fotovoltaicas está mais barata, por outro, surgiram iniciativas que levam a energia solar produzida por terceiros aos assinantes, barateando a conta de luz em até 15%.
Soluções da iniciativa privada
“Qualquer pessoa ou empresa cuja conta de energia ultrapassa R$ 150 pode assinar os serviços”, diz Ivo Pitanguy, CEO e fundador da Nextron. O serviço de geração compartilhada que chegou recentemente a Goiás funciona como uma espécie de ‘Uber da energia’.
O empresário explica que, com cinco cliques no aplicativo ou plataforma da Nextron, o usuário pode assinar e receber créditos da energia produzida pelas usinas e fazendas solares. Como a energia solar é mais barata do que a energia produzida pelas hidrelétricas, a assinatura proporciona ao usuário um desconto médio de 15%. “Não é necessário pagar pelo nosso serviço e nem trocar a titularidade. O usuário não recebe mais a fatura da Equatorial Goiás, passa a pagar apenas a Nextron”, diz Pitanguy.
O CEO da empresa afirma que Goiânia é uma capital diferente das demais. “Goiânia é um grande mercado no setor por conta de seu desenvolvimento. É uma capital em desenvolvimento, com muitas empresas, e com um alto consumo médio de energia. A conta de energia do goiano é cara, então, existe demanda para nossos serviços.”
Para Ivo Pitanguy, o bom momento do setor de energia vai durar. “Temos dependência da energia hidrelétrica, cujo custo no mercado regulado subiu 140% em 10 anos. É um problema para o consumidor, e também para o crescimento da indústria e para o agro. A solução é descentralizar e diversificar a matriz energética brasileira.”
As perspectivas são boas, diz o empreendedor. “É uma causa ganha. Todos os governos estão investindo e incentivando a energia não-poluente. Vemos o setor acelerando: o crescimento foi de mais de 6,5 vezes em apenas dois anos. Estimo que, em 2030, a matriz solar poderá representar 30% de toda a energia brasileira.”
Quanto aos desafios, Pitanguy afirma: “Basta não atrapalhar. Se não surgirem surpresas, estamos em bom caminho, com o marco regulatório da micro e minigeração de energia (Lei 14.300/22) cobrindo bem o setor.” Ele afirma que um obstáculo poderia ser removido para acelerar ainda mais o crescimento: as dificuldades impostas pelas concessionárias.
Empresas como a Nextron dependem do sistema de distribuição de empresas responsáveis pela transmissão. Em Goiás, quem detém o monopólio do abastecimento na maior parte das cidades é a Equatorial. Pitanguy afirma que o problema não está na Equatorial específicamente, mas no interesse que todas as concessionárias têm de privilegiar a energia produzida por ela mesma, em detrimento das formas de energia produzidas por terceiros.
Poder Público
Goiás possui área disponível, incidência solar por longos períodos do ano, e investimentos anunciados. No último mês, o grupo português EDP anunciou R$ 600 milhões de investimento em uma nova usina solar – o dobro do que investiu no último ano. A empresa, que trabalha com a chamada geração distribuída (GD), adere à modalidade que permite a geração de energia elétrica no local ou próximo ao ponto de consumo.
Joel Sant’Anna Braga Filho, secretário de Estado da Indústria, Comércio e Serviços, afirma: “Essa energia vai aos leilões e atenderá o mercado. O Banco do Brasil, que foi parceiro da EDP neste investimento, hoje já deve ter diminuído em 25% a sua conta de energia. O investimento em energia renovável paga a si próprio. Agora, precisamos melhorar a distribuição. Quando a energia é gerada nas placas solares, ela precisa entrar no sistema de distribuição para chegar às casas, comércios e indústrias. Para isso, são necessárias mais subestações.”
Quanto à geração, há o investimento de R$ 5 bilhões do governo estadual em energia solar. O recurso envolve a construção das subestações de Goianésia e a de Anápolis, que deve ser inaugurada em breve. “Estamos fazendo um projeto no Vale do Araguaia para poder energizar as fazendas. Levar mais energia à região de São Miguel do Araguaia vai elevar muito a produção rural, que depende de maquinário, de pivôs de irrigação, de tecnologia”, afirma Joel Sant’Anna.
O prefeito de Anápolis, Roberto Naves (PP), afirma que diversas outras empresas da cidade seguem pelo mesmo caminho, criando fazendas solares com áreas concedidas pelo Distrito Agroindustrial de Anápolis para incentivar a transição para a matriz energética limpa. “As cidades industrializadas, como Anápolis, têm necessidade de energia que cresce exponencialmente, porque aquelas plantas funcionam 24 horas por dia”, diz Naves.
Futuro
Estima-se que até 2040 a energia solar irá corresponder a 60% da matriz energética brasileira, diz o doutor em Engenharia Elétrica Fernando Nunes Belchior, pesquisador nas áreas de qualidade e eficiência energética, tarifação horária, geração fotovoltaica e medição e monitoramento de energia elétrica.
“Essa meta está em vigor, a tendência é que seja corrigida para uma estimativa ainda mais otimista”, afirma Fernando Nunes Belchior. “Na realidade, essa mudança já deveria ter se iniciado há pelo menos 20 anos, pois o país já tem problemas com inconstância no suprimento de energia há muito tempo.”
O doutor em Engenharia Elétrica afirma que não há alternativa: a migração para uma matriz completamente limpa é inevitável. “É uma transição que já está acontecendo. Nossas escolhas dependem de comparar a viabilidade do sol, dos ventos, do hidrogênio; mas continuar dependendo de combustíveis fósseis não é uma opção. Primeiro porque o mundo todo planeja sanções para nações poluentes; segundo porque é uma fonte finita de energia.”
Embora a eletricidade brasileira seja considerada limpa, o país ainda confia em combustíveis fósseis para transporte, por exemplo. Apenas a mobilidade é responsável por 34% das emissões de gases de efeito estufa – dado que tende a melhorar com a popularização de carros movidos à energia elétrica. “O Brasil demorou para entrar na rota e ainda pode melhorar. Não há como resistir a essa transição”, conclui o engenheiro.