Pode ser um anúncio em uma faixa na esquina, uma abordagem em aplicativos de mensagens ou até mesmo uma publicação nas redes sociais. Ofertas de empréstimos circulam livremente pelas ruas das cidades e na internet. Promessa de crédito facilitado – até pra negativado – e parcelas a perder de vista que cabem no bolso do trabalhador. A forma não importa, pegar dinheiro emprestado requer cuidados para não ser vítima de golpe. Mas quem tá precisando de dinheiro, muitas vezes esquece de tomar os cuidados necessários para que não acabe ainda mais endividado e encontrando problemas ainda maiores do que a falta de grana.

No cruzamento das ruas C-167 com C-182, no Jardim América, em Goiânia, duas faixas chamam a atenção de quem passa. Em uma delas, a promessa é de financiamento “na promissória, cheque e banco”. Além disso, garante que a empresa tem 39 anos de mercado. Os dizeres da outra faixa são ainda mais curiosos: a promessa é de empréstimo no cartão de crédito e pix “na hora”. E há até valores simulados.

Em uma esquina do Jardim América, anúncio de empréstimo chama a atenção

Por exemplo, no anúncio flagrado pela reportagem, quem quiser pegar R$ 1 mil emprestado, pode pagar em doze vezes de R$ 106. Ou seja, só de juros pagaria R$ 272, o que significa que serão cobrados juros de 27%. Se precisar de R$ 10 mil, terá que pagar em doze vezes de R$1.058, tendo que devolver, em um ano, R$ 2.696 a mais do que pegou emprestado.

O empresário Felipe Bomfim recebe pelo menos três vezes por semana mensagens com ofertas de empréstimo. “Como tenho CNPJ, acredito que seja por isso”, comentou. Ele, que nunca precisou contratar nenhum serviço desse tipo, reclama da abordagem. “São insistentes e não faço ideia como conseguiram meu número”, indagou. Caso precisasse de qualquer tipo de financiamento, ele acredita que não iria atrás do primeiro anúncio que visse, mas procuraria uma instituição financeira séria.

O que diz a lei?

O presidente da Comissão de Direito Bancário da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO), Florisvaldo de Araújo Neto, explica que “empréstimo só é legal quando tem autorização do Banco Central”. Para isso, a empresa que empresta dinheiro precisa ser equiparada à instituição financeira. Fora isso, configura crime de agiotagem, “com pena prevista de seis meses a 2 anos de prisão, fora multas e direito à indenização”, completou Florisvaldo.

Em 2022, a OAB-GO recebeu cinco denúncias relacionadas à empréstimos ilegais e agiotagem. “Somos provocados pela ouvidoria para fiscalizar e verificar instituições financeiras. Mas até o momento, não identificamos nenhuma instituição ilegal”, afirmou o presidente da Comissão de Direito Bancário. Para saber se uma empresa está autorizada a emprestar dinheiro, basta acessar o site do Banco Central (https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/encontreinstituicao) e fazer a pesquisa pelo CNPJ ou nome da instituição.

Só em Goiás, por exemplo, existem 88 instituições cadastradas no Banco Central. Além disso, é importante, segundo o presidente da Comissão da OAB-GO, pesquisar em sites como o Reclame Aqui (www.reclameaqui.com.br), para certificar de que não há reclamações de consumidores que se sentiram lesados com qualquer situação.

Além disso, hoje já existe uma legislação específica que permite empréstimo entre pessoas físicas. No entanto, o Código Tributário Nacional, define que o limite legal da taxa de juros para empréstimos desse tipo não pode ultrapassar 1% ao mês. Qualquer valor acima disso pode ser considerado agiotagem na interpretação de estudiosos da lei.

Florisvaldo também lembra que é importante se atentar para a questão da possibilidade de propaganda enganosa em anúncios de empréstimos, conforme o estabelecido no Código de Defesa do Consumidor. “Não se pode aplicar juros diferentes do que que foi prometido”, disse, destacando ainda que o direito bancário é o segundo mais demandado do Brasil.

De acordo com dados do Observatório de Segurança Pública da Secretaria de Segurança Pública de Goiás (SSP-GO), em 2022, foram registradas 613 ocorrências relacionadas ao artigo 158 do Código Penal, que diz que é crime constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, para obter para si ou para outra pessoa vantagem econômica. Dentre esses registros, estão crimes de extorsão, que podem evoluir – ou não – para agiotagem. E além disso, segundo o Observatório, no ano passado, Goiás contabilizou 25 ocorrências relacionadas à crimes contra a economia popular, citados na Lei nº 1.521/51.

De olho no golpe

O delegado titular da Delegacia do Consumidor (Decon), Webert Leonardo, alerta para a grande quantidade de golpes de falso financiamento, que ele divide em duas modalidades: consórcio e taxa administrativa. Para ele, “virou uma baderna” a questão das instituições credenciadas no Banco Central aptas a oferecer empréstimos. “Pequenas empresas estão praticando golpes descaradamente”, alarmou.

“Tem que cobrar dos bancos que estão lucrando com tudo isso”, afirmou o delegado titular da Delegacia do Consumiro, Webert Leonardo / Foto: reprodução

O golpe do consórcio funciona da seguinte maneira: a venda de um bem é anunciada nas redes sociais. O consumidor assina um contrato e paga o que acredita ser a entrada ou a primeira parcela de um carro ou casa próprios, por exemplo. No entanto, quando chega a data combinada da entrega, a empresa começa a enrolar o cliente. E é aí que o consumidor descobre que assinou um contrato de consórcio e não de compra e venda.

Já o golpe da taxa administrativa, que segundo o delegado é o campeão de reclamações, funciona quase da mesma maneira que o golpe do consórcio. A diferença é que enquanto o consumidor acredita que está pagando a entrada, na verdade quita apenas ao que a empresa chama de “taxa administrativa”.

Outro golpe bastante comum, segundo o delegado, é o do falso financiamento. “A pessoa passa os dados por telefone com a desculpa de que é preciso atualizar o cadastro, mas não aceita o empréstimo, que é feito mesmo assim. O consumidor recebe o dinheiro sem pedir”, explicou Webert.

Em alguns casos, chegam a pedir uma selfie do cliente, que é utilizada para fechar contratos no nome dele. E quando o consumidor vai reclamar do empréstimo que não foi pedido, acaba sendo sugestionado a devolver todo o dinheiro para uma conta específica e acaba ficando sem o dinheiro e com as parcelas para pagar.

Para coibir golpes como esses, é preciso legislações mais duras e específicas que tratem do tema. No Piauí, por exemplo, o governo estadual sancionou na última quinta-feira, 9, uma lei que proíbe instituições financeiras de ofertar ou fechar contratos de empréstimos de qualquer natureza com aposentados e pensionistas por meio de ligação telefônica. A ideia é boa e se moda pegar em outros Estados, pode ajudar no combate a crimes dessa ordem.

O delegado do consumidor informou que já reuniu um coletivo de ocorrências da mesma instituição financeira e encaminhou para que o Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO) tome as devidas providências. “Seria produtivo e eficiente a ajuda no Ministério Público nesses casos. Tem que cobrar dos bancos que estão lucrando com tudo isso e é preciso que outros braços nos ajudem a atuar”, disse Webert. A reportagem procurou o MPGO, que não quis se pronunciar sobre o tema.

Governo federal vai liberar empréstimo consignado no Bolsa Família

Em meio a essa enxurrada de golpes, o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, afirmou na última quinta-feira, 9, que o governo vai liberar o empréstimo consignado do Bolsa Família com novas regras.

Em nota, a Caixa Econômica Federal afirmou que novos contratos seguem suspensos e ainda sem data para serem retomados, uma vez que a análise do empréstimo consignado do Bolsa Família ainda não foi concluída. De acordo com o banco, os novos critérios definidos na portaria do governo federal ainda “estão em análise”.

Os beneficiários que optam por esse tipo de empréstimo têm as parcelas debitadas automaticamente da conta em que recebe o benefício desde que haja saldo suficiente. Só que uma portaria do governo federal limitou o desconto mensal a 5%. No governo Bolsonaro chegava até 40% do benefício e podia ser abatido na folha a cada mês.

Foto: Júlio Dutra/ Min. Cidadania

A portaria limitou também o número de prestações do empréstimo. Se antes podia dividir o pagamento em 24 vezes, desde a última quinta-feira, 9, só pode seis parcelas e a taxa de juros não pode ser maior que 2,5% ao mês. O governo federal pretende ainda incluir os endividados do Bolsa Família no programa Desenrola Brasil. Trata-se de uma promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que tem como objetivo acabar com o alto nível de endividamento dos brasileiros.

A Caixa não é o único banco que oferece o crédito consignado para beneficiários do antigo Auxílio Brasil. Existem pelo menos outras onze instituições financeiras autorizadas a fazer esse tipo de empréstimo. Mas, de acordo com os dados divulgados pelo Ministério da Cidadania (balanço de 1º de novembro), 80% dos contratos existentes foram feitos com o banco.