Em Goiânia, praças do Setor Campinas se transformam em ‘cracolândia’
14 maio 2023 às 00h00


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Moradores do bairro de Campinas denunciam que as praças Joaquim Lúcio e da Matriz têm sido ocupadas por uma “cracolândia”. Residentes da região afirmam que o local está abandonado pelo poder público e que os passantes são frequentemente assaltados – tanto durante a noite quanto durante o dia.
Um morador que não quis se identificar por ser bem conhecido no bairro e por medo de retaliação contou que a situação está cada dia mais tensa. “É sexo explícito à luz do dia do lado externo do ginásio”, disse. “O tráfico acontece a todo momento. O pessoal que fica nos arredores do ginásio é usuário de crack e cocaína. Já aconteceram assassinatos por acertos de contas por lá”. Segundo o morador, na praça mais importante do bairro, a Joaquim Lúcio, a situação não é diferente.
Com base nas denúncias, a reportagem do Jornal Opção foi até os locais mencionados e conversou com moradores e usuários de drogas que vivem no local. Pelas praças, há muitos indivíduos que são dependentes de álcool e fazem das ruas sua moradia. De acordo com um comerciante que pediu para não ser citado, três tipos de pessoas frequentam a região: “Existe o cara que só consome álcool, que não mexe com ninguém; há os dependentes das drogas; e por último os traficantes – estes são perigosos”, disse ele.
A redação ficou cerca de três horas no local e constatou a movimentação de venda de drogas. Uma moça de 24 anos que estava acompanhada do seu namorado e preparava um cachimbo de crack afirmou à reportagem que é viciada há dez anos, mas nunca roubou ninguém e tem esperança de um dia conseguir deixar a dependência da droga.
“Sei que essa vida que estou levando só tem dois caminhos: a cadeia ou o cemitério, mas eu tenho certeza que vou sair dessa”, prometeu. A jovem revela que tem dois filhos que vivem com a sua mãe, que por sua vez também foi usuária de drogas na sua juventude e conseguiu sair com a ajuda de Deus. “Assim como minha mãe conseguiu, eu também vou conseguir”, disse a jovem de 24 anos. “Ela ora muito para Deus me libertar, no tempo certo isso vai acontecer. Isso tudo aqui é uma grande ilusão, não quero viver assim toda minha vida”, desabafou.


Um morador de rua que aparentava ter 20 anos afirmou que vive nas ruas porque é viciado e não quer ver sua mãe sofrer. “Preferi sair de casa”, ele diz. O jovem reclamou do tratamento que a sociedade dá a eles. “Nem todo mundo aqui é ladrão – alguns são mesmo, mas as pessoas jogam tudo no mesmo saco.”
Welington Carlos, 54 anos, possui uma loja em frente à igreja e tem uma opinião diferente da maior parte dos comerciantes da região. Para ele, o problema é uma questão social. “Reconheço que a presença dessas pessoas incomoda os clientes aqui, mas também percebo que é mais um quadro social e as autoridades devem olhar dessa forma. Falta vontade política para resolver essa demanda.”
Ao lado da praça da Basílica de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, que é a Igreja Matriz de Campinas, estão o Colégio Santa Clara, o Colégio Estadual Assis Chateaubriand e o instituto de Educação em Artes Professor Gustav Ritter. Os centros educacionais são frequentados por jovens estudantes. O Jornal Opção conversou com os alunos, que reafirmaram o perigo da região e pediram providências.
Mariana Carneiro, 15 anos, cursa o 1º ano do ensino médio no Colégio Estadual Assis Chateaubriand, no período matutino. A adolescente diz que já sofreu uma tentativa de agressão. “Uma vez um senhor bêbado tentou acertar uma paulada na minha cabeça aqui na praça. Eu não fiz nada com ele, estava passando quando ele tentou fazer isso comigo, e uma amiga foi assaltada.”
Júlia Silva, 17 anos, está cursando o 1º ano na mesma escola, é moradora das proximidades da Matriz. Ela relata que sua casa já foi assaltada e presenciou um aluno sendo roubado à noite. “A minha casa já foi invadida e roubada por eles, eu vi um aluno da noite ser assaltado por dois homens drogados. A noite ninguém tem sossego, eles perturbam, gritam, jogam pedras nas casas e brigam entre eles mesmo”, informa a garota.
Nas calçadas em torno do ginásio, acontecia uma feira de roupas, e feirantes foram ouvidos sobre a situação. Sem se identificar, os comerciantes reclamaram do mato que está alto na pracinha em frente ao ginásio e que fornece abrigo para o comércio de drogas. “As autoridades precisam fazer alguma coisa por nós que pagamos nossos impostos”, disse um feirante. “Somos obrigados a trabalhar ao lado de tudo isso aqui; o tráfico acontece na nossa frente. Somos obrigados a trabalhar sempre em dupla; um companheiro tem de vigiar o outro quando mexemos com dinheiro. Até homicídio já presenciamos aqui”, disseram.
Enquanto a parte interna do Ginásio de Campinas é limpa e funcional, o lado externo é ocupado por usuários e vendedores de drogas. O ambiente pertence ao governo de Goiás. Pela fachada, o local parece abandonado: as paredes estão pichadas e o telhado precisando de reforma. Mas o espaço é administrado pela Federação Goiana de Futebol de Salão (FGFS) e recebe jogos com frequência. Murilo Macedo, presidente da FGFS, explicou que a situação nos arredores do Ginásio é um problema social.


“Reconheço que é um problema complexo”, disse Macedo. “A situação precisa ser encarada com mais seriedade por parte do poder público. Entretanto, cuidamos do lado interno, onde está tudo está intacto e jogos acontecem diariamente. Inclusive, no próximo final de semana, receberemos os jogos das finais da Copa Goiás”, afirmou.
O diretor do Instituto de Educação em Artes Professor Gustav Ritter, Edmar Carreiro, pontuou que, apesar de o Instituto ser vizinho do ginásio, os frequentadores respeitam a escola e, até o momento, não há notícias de nenhuma ocorrência com gravidade envolvendo alunos ou colaboradores. Segundo Edmar Carreiro, o que acontece é que usuários e traficantes de drogas arremessam para dentro das dependências da escola seus objetos quando há batidas policiais, por cima do muro, para escapar da fiscalização. O diretor afirmou que já agendou o pedido de verba para aumentar a altura dos muros.
Josélia (nome fictício) é dona de um restaurante próximo à praça, e contou que sempre é incomodada pelos frequentadores do local, que acabam afastando muitos clientes. “Já aconteceu de eles entrarem aqui dentro pedindo comida em horários impróprios”, afirmou. “Clientes chegam, mas logo saem por se sentirem incomodados com a presença dos pedintes.” A comerciante enfatizou que sempre doa comida, mas somente após as 14h, quando está terminando o expediente.
Moradores de residências nas ruas próximas ao Ginásio de Campinas dizem que a noite a situação piora muito, e o medo de andar pelas ruas é enorme. “A praça, que era para ser um espaço de convivência, se torna a casa desses usuários de drogas e a população não tem mais acesso”, afirmou uma moradora. “Até ir à igreja é perigoso. Os alunos da escola também correm perigo”, disse.
Gabrielly Ferreira, 17 anos, cursa o 3º ano do ensino médio no período noturno, na Escola Estadual Assis Chateaubriand. A aluna, que mora em outro bairro, informou que o deslocamento é muito perigoso. “A gente vem para a aula já pensando como será na hora de voltar para casa, porque é o momento mais tenso por ser tarde da noite. São muitos usuários de drogas aqui e eu tenho muito medo. Quero pedir para que a polícia faça mais rondas – principalmente na hora da saída dos alunos. A gente não vê uma viatura por volta das 22h”. Gabrielly disse que uma amiga já foi perseguida por dois homens, mas conseguiu correr e se livrar.
Dona Matilde é funcionária da escola e sai às 22h do trabalho. Ela destacou que a sensação de insegurança principalmente à noite é enorme. “Eu preciso pegar o ônibus na Avenida Anhanguera, mas não tenho coragem de ir sozinha até lá, pois todas essas ruas aqui perto ficam cheias de usuários. Prefiro gastar mais pagando o Uber do que arriscar minha vida. É muito raro ver uma viatura aqui nesse horário”, reiterou.
Praça Joaquim Lúcio
A praça Joaquim Lúcio, chamada de “o coração de campinas” é também um dos mais antigos centros históricos de Goiânia. O comerciante que preferiu ser identificado apenas pelas iniciais JPD tem uma loja no local, e afirmou: “[O poder público] está esperando isso aqui ficar inviável? Já perdi muitos clientes. Quem vai comer alguma coisa perto deste mau cheiro? O comércio pede socorro, não deixem criar uma cracolândia igual a de São Paulo”, clamou JPD.
O morador de rua Silomar, 49, natural do Estado de Alagoas, reconhece que existem em seu meio “alguns que fazem coisas erradas”, mas ressalta que não são todos. “Somos seres humanos também, mas a própria sociedade olha para nós como se fossemos cachorro. Não sabem nossa história. Infelizmente, hoje somos viciados e saímos de casa por causa do maldito vicio. Eu não sou bandido, sou um viciado”, afirmou. Silomar agradece a prefeitura pelas marmitas que são entregues todos os dias, contudo, faz um pedido: “precisamos de banheiros com chuveiros para fazer nossa higiene pessoal, a prefeitura poderia colocar uns aqui na praça”, pediu. Outro morador das ruas disse à reportagem que eles não vão para a Casa da Acolhida porque ela tem muitos percevejos. “Não dá para dormir na Casa, eles picam a gente a noite toda.”


Raimundo Machado, 56, se identifica como um viciado em álcool e vive há mais de dez anos nas ruas. Ele concorda que não é fácil para uma família conviver com um viciado e por isso preferiu deixar todos. “Vivo na rua porque é uma opção minha mesmo. Tenho filho e tinha mulher. Meu filho às vezes vem aqui me ver, mas eu não quero ir para clínica nenhuma, gosto de viver aqui com meus colegas. Não faço mal a ninguém, só a mim mesmo (risos). Fui casado durante 21 anos, minha família não me abandonou – foi opção minha.”
Secretaria de Assistência Social
A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano e Social (Sedhs), através da secretária Maria Yvelônia, informou que a pasta desenvolve diversos programas em benefícios das pessoas que vivem em situação de rua, mas reconhece que a situação específica das praças de Campinas é complexa. Yvelônia explica que para tratar da drogadição (consumo excessivo e insistente de substâncias entorpecentes que causam dependência), a Secretaria Social e a Secretaria de Saúde atuam em conjunto para intensificar os trabalhos do programa Consultório Nas Ruas.
Em relação aos percevejos nos abrigos, a secretária atribuiu o problema aos próprios moradores, afirmando que seus hábitos de higiene comprometem a limpeza do local. “Eles têm razão quando fazem essa queixa, mas são eles mesmo que levam para as casas esses insetos. Cabe a nós realizar a sanitização diária dos abrigos, e isso tem sido feito com frequência. Temos esse cuidado com essas casas por serem locais com predisposição para proliferação desses parasitas”, disse.
No que se refere ao pedido por banheiros com chuveiros nas praças, Yvelônia concorda que há, sim, a necessidade de locais para a higiene pessoal dessas pessoas e também para o descarte das marmitas de forma segura. “Posso garantir que nossa secretaria já está providenciando essa infraestrutura que será um projeto piloto na capital, mas também vamos continuar trabalhando com a questão educativa para que essa população entenda que precisam ajudar na limpeza dos locais onde estão”, afirmou.
Sindilojas –GO
O presidente do Sindicato do Comércio Varejista no Estado de Goiás (Sindilojas – GO), Cristiano Caixeta, explica que dados de um levantamento realizado em campinas revelam a diminuição do número de clientes e o fechamento de lojas na região. O fato está diretamente ligado à presença constante de um grande número de pessoas em situação de rua e usuários de drogas. “Entendemos que é um problema social, mas também de segurança pública e econômico. O Sindilojas, através desse estudo, percebeu que o comércio local tem sido prejudicado devido a pequenos furtos que acontecem diariamente. Juntamente com os órgãos responsáveis, procuramos uma forma de amenizar esses problemas levando à essa população o tratamento necessário para que elas possam retornar ao convívio normal em sociedade, e o comércio volte a ser pujante e gerador de empregos na cidade”, destaca Cristiano.


Guarda Civil Metropolitana
Por meio de nota, a Guarda Civil Metropolitana (GCM) informou que o policiamento é feito juntamente com a Polícia Militar cotidianamente 24h, em toda a cidade. “Nas praças Joaquim Lúcio e Matriz de Campinas, mantemos o patrulhamento constante com o objetivo de impedir ações criminosas”, foi comunicado. A GCM ainda destacou que as rondas são baseadas nos direitos humanos, na proteção à vida e na garantia do direito de ir e vir presentes no artigo 5º da Constituição Federal, em especial a população em situação de rua. A GCM pede para que a população denuncie crimes através do telefone 153.
Polícia Militar
O Tenente-Coronel Paulo Henrique Ribeiro, Comandante do 38º batalhão responsável pela segurança de 40 bairros da Capital comunicou que são realizadas constantemente ações de prevenção do crime no bairro de Campinas. “A Polícia Militar de Goiás não se cansa de garantir a segurança para a população do Estado de Goiás”, disse o Comandante. O Coronel anunciou que as diligências nos locais citados pela reportagem serão reforçadas, com o apoio de outras forças de segurança do Estado. “A partir desta quinta-feira, 11, até o próximo domingo,14, estaremos com operações em Campinas e bairros próximos”, informou.