Eleições se constroem de outra forma nas redes sociais, mas papel delas segue em destaque
04 julho 2021 às 18h58
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Em relação a 2018, Jair Bolsonaro mantém campanha contínua e Lula se adequa para enfrentar o poderio do presidente atual nas mídias digitais
Cada vez mais próximo das eleições presidenciais de 2022, o cenário aos poucos se delineia e as estratégias. Jair Bolsonaro (sem partido), assim como ocorre desde antes da campanha de 2018, tem as redes sociais como sua principal aliada. Em contrapartida, o ex-presidente Lula (PT) atua em articulações e pautas políticas de modo a se fortalecer cada vez mais com as fraquezas de seu adversário.
Segundo o diretor do Quaest Consultoria & Pesquisa, Felipe Nunes, o fato de o atual presidente ter se forjado na lógica digital ainda como pré-candidato para 2018 explica seus atuais 42,8 milhões de seguidores (39,4 milhões somente com a soma de Facebook, Twitter, Instagram e YouTube), frente aos 10,3 milhões de Lula, nas mesmas redes.
Dados levantados pelo sistema analítico Bites mostram que a alta desses números ganhou expressividade a partir do momento em que o Senado aprovou a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, em abril deste ano. Com mais de 226 mil novos inscritos, a audiência digital desde então só esteve em ascensão e seus perfis aumentaram suas interações – que se consistem no ato de curtir, comentar, compartilhar ou salvar de algum modo a informação disponibilizada pelo usuário.
O Índice de Popularidade Digital calculado pelo Quaest Consultoria & Pesquisa também mostra a vantagem que Bolsonaro apresenta digitalmente em relação a Lula, especialmente após a volta do auxílio emergencial e das motociatas. “Lula tem apostado menos nessa estratégia de mobilização. Até mesmo para se diferenciar de Bolsonaro, ele não pode fazer manifestações de rua que tenham aglomeração. Ele tem privilegiado uma agenda mais política e com isso nós vemos uma diferenciação no desempenho desse ambiente”, pontua Felipe.
Essa vantagem digital de Bolsonaro, para Felipe, se justifica por ele se constituir um candidato natural de mobilização. “Ele constrói pautas voltadas para mobilizar as pessoas, engajar e fazer com que elas se sintam motivadas a compartilhar seus conteúdos com seus amigos, conhecidos e sua rede em geral. A força política dele vem da relação direta que ele construiu com o seu eleitorado. É uma outra dinâmica. Essa é uma vantagem clara que o bolsonarismo tem”, detalhou.
Lula, por outro lado, se constrói como um político de posicionamento. “A grande vantagem de Lula é ter muita clareza. é conseguir de forma simples, ser muito claro sobre o que ele pensa e faz. É um político de trabalho institucional, pautado na relação com os partidos e as forças políticas da sociedade. Um posicionamento que faz referência ao trabalho que ele já desempenhou, que foi muito aprovado no passado”, disse.
Esse movimento, para o diretor do Quaest Consultoria & Pesquisa, faz com que Jair Bolsonaro se mantenha em campanha eleitoral contínua. “Ele está em campanha desde 2015. Não parou desde então. Ele consegue fazer isso justamente porque opera numa lógica digital que necessariamente demanda produção de conteúdo e de embate o tempo todo”.
Digital agora é “obrigatório”
Apesar da grande vantagem de Bolsonaro, para o cientista político e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) Robert Bonifácio não existe mais a opção de ser “analógico” em um processo eleitoral, de modo que todos os que tiverem recursos financeiros o suficiente para engajar de maneira contínua nas redes sociais vão fazê-lo. “Desde 2018 se tem a percepção de que a internet é uma arena a ser privilegiada na campanha eleitoral. Bolsonaro foi mais efetivo naquele momento, Já (Geraldo) Alckmin [candidato à Presidência pelo PSDB] sequer se interessou por isso. Os demais fizeram mais do mesmo.”
Em 2022 o cenário será diferente, diz o professor. “Há um cálculo de que haverá uma profusão de fake news, mas, ao mesmo tempo, as agências de checagem de notícias podem ser protagonistas e se constituírem num contraponto às campanhas negativas”, contextualizou Robert. No entanto, apesar da forte relevância que as redes demonstram, até pelo fato de terem sido o motor da campanha que elegeu o atual presidente da República, o cientista político Robert Bonifácio não acredita que seu papel será hegemônico no próximo ano. “Cerca de 25% dos brasileiros ainda não têm acesso a internet e uma parte considerável dos que fazem uso não possuem uma rede de qualidade. Logo, a televisão, que está em 99% dos lares, continua a ser protagonista, em especial nos spots, os comerciais curtos, de 30 segundos, que passam ao longo de todo o dia”, diz o cientista político.
Robert Bonifácio ressalta no entanto que, apesar da certeza da aposta nas redes sociais, a maneira a qual os candidatos farão uso delas “sequer eles devem saber”. “Política é como as nuvens, é preciso ficar atento aos rápidos movimentos para elaborar a estratégia de rotina na campanha”, diz.
Em consenso, Felipe Nunes acrescenta que o próprio IPD pode ser volátil, ao considerar a popularidade digital, dado que por si só possui sua volubilidade. Isso ocorre porque não tanto o cenário virtual como o político mudam de forma inesperada, a partir das articulações, estratégias e contextos que são construídos com o intuito de fortalecer ou enfraquecer determinados segmentos ou personagens.
“Cada campanha é uma história, porque o País muda muito em quatro anos, assim como a oferta de candidaturas e o humor da opinião pública. Campanha não se faz no atacado, tem que ser customizada. Pode ser que [em 2022] seja uma campanha usual, com candidatos na rua, ao contrário de 2020. Provavelmente será uma campanha polarizada, mas ainda há espaço para uma candidatura de terceira via competitiva. Muita coisa ocorrerá até agosto de 2022, o começo da campanha. Mas, de partida, os protagonistas são Bolsonaro e Lula”, pontua o cientista político.
Com a mudança de cenários, Felipe ressalta que, apesar de Bolsonaro, permanecer com a mesma estratégia que adotou deste 2018, de ser um político antissistema, o petista precisou se adaptar. Lula mudou suas táticas, moldando-as para o novo momento da política, especialmente por causa da pandemia que assola o Brasil desde março do ano passado e alterou completamente o cenário e as prioridades a se considerar para as eleições.
“O Bolsonaro continua na mesma; Lula, não. Enquanto Bolsonaro é um político que é contra tudo o que prevaleceu no Brasil até 2018 e continua fazendo isso, apontando dedo para adversários institucionais, a estratégia do PT é diferente da que tinha em 2018. Isso ocorre porque agora Lula traz pautas muito claras, em que ele pode bater como opositor, mas que em 2018 não eram tão visíveis, já que não havia um candidato governista. Hoje o Lula aposta muito mais nas pautas econômicas e nas pautas sociais, que sempre foram bandeiras defendidas por ele e que, ao mesmo tempo, hoje sofrem com o governo Bolsonaro”, analisa o diretor do Quaest Consultoria & Pesquisa.
Para Felipe, todo esse cenário faz com que, ao contrário de 2018, em que a eleição se fez aberta, em 2022 o processo eleitoral será montado contra o candidato do governo. Desse modo, as pautas contra esse candidato, que é Jair Bolsonaro, poderão ter um tom muito mais específico que nas eleições presidenciais anteriores.
Fake news como resultado do protagonismo virtual
Apesar das diferenças existentes entre os cenários de 2018 e 2022, a presença e a importância do digital, independentemente do nível e da intensidade, é clara. Existe, assim, um receio quanto à deterioração do processo eleitoral, em razão das temidas fake news. Isso porque além das próprias mentiras, com o avanço das redes sociais foram sistematizadas estratégias para serem utilizadas por empresas de marketing político para fins específicos.
A empresa pioneira nesse ramo das mentiras sistematizadas, já extinta, foi a Cambridge Analytica, que atuou de 2013 a 2018. Sua popularidade se deu, principalmente, por seu trabalho na campanha presidencial de Donald Trump, nos Estados Unidos, e para o êxito do Brexit, que separou o Reino Unido da União Europeia. Apesar do encerramento das atividades da empresa, Steve Bannon, um cabeças da companhia e ativista de extrema-direita, atuou com destaque nas eleições de Bolsonaro no Brasil a partir de informações hackeadas via Facebook em setembro de 2018.
Com fórmulas simples, as fake news são produzidas com a mesma estratégia utilizada nas áreas de marketing e publicidade, se constituindo em notícias com conteúdos falsos que reforcem sentimentos já existentes no receptor. Para o diretor do Quaest Consultoria & Pesquisa, Felipe Nunes, o ponto-chave da questão é exatamente a alta escala que a disseminação de informações falsas ganhou a partir das redes sociais, que aumentaram a possibilidade de acesso da população a esse tipo de conteúdo. “Antes essa era uma ação mais restrita”, complementa. Apesar de esse já ter sido comprovado um processo que tende, sim, a influenciar no resultado das eleições, confirmando os possíveis receios de corrompimento, Felipe destaca que isso só ocorre por as fake news, especialmente no ambiente político, serem responsáveis por confirmar os vieses de como as pessoas veem o mundo.
“A disseminação de fake news não tem por objetivo mudar a opinião de ninguém; na verdade, elas cumprem a função de reafirmar a opinião enviesada que as pessoas já têm. Então confirmam preconceito, desejo, atitudes, e isso acaba influenciando na maneira que as pessoas vão opinar por meio do voto, porque elas passam a ter mais convicção sobre aquilo que já pensavam”, reforça o analista.
A partir desse cenário, portanto, devem se tornar protagonistas o jornalismo de qualidade, que divulga informações bem apuradas e estruturadas, e as agências de checagem, que também têm um importante papel no ato de desmentir as várias mentiras contadas no ambiente político, de modo a evitar um grande impacto no resultado das eleições de 2022.