A economia brasileira vai influenciar os rumos da disputa presidencial?

24 março 2014 às 17h23

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Economistas, cientistas políticos e deputados discorrem sobre os rumos econômicos do País e seu grau de interferência na corrida eleitoral de outubro

Dilma Rousseff | Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/ABR
Frederico Vitor
Apesar de a economia brasileira ter desacelerado nos últimos anos e o prognóstico para 2014 não ser tão favorável, a presidente Dilma Rousseff (PT) segue líder nas pesquisas de intenção de votos para as eleições deste ano. Mas o que parecia ser um pleito fácil poderá se transformar em pesadelo, se nada for feito pela equipe econômica do Executivo federal, principalmente em relação à contenção do crescimento das taxas de inflação e a recuperação do poder de compra da classe média brasileira.
O debate em torno desta questão tem dividido a opinião de renomados economistas e estudiosos da situação político-econômica brasileiro. Vozes eloquentes contrárias ao atual modelo macroeconômico sustentado pelo governo do PT apontam que o maior desafio é integrar o Brasil às cadeias globais de produção. A medida de abertura comercial do País elevaria a produtividade brasileira resultando em altas taxas de crescimento. Há também o apelo por parte destes críticos na ampliação dos mecanismos de cortes de gastos públicos, além do resgate do tripé da política monetária: responsabilidade fiscal, meta de inflação e câmbio flutuante.
É fato que o Brasil tem apresentado um crescimento medíocre, inferior a dos países emergentes que fazem parte dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Parece que ficou claro que o impulso econômico experimentado pelo País entre 2004 e 2011 foi fruto da bonança externa e pela alta dos preços das commodities. A demanda externa por matérias-primas negociadas em cotação internacional propiciou enorme entrada de capital no Brasil que financiou a demanda interna por bens de consumos. Hoje, o preço das commodities declinou e o fluxo de capital se reverteu, resultando no pequeno crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).
Falas dissonantes das críticas pessimistas acerca da estrutura socioeconômica brasileira, como o Nobel de Economia de 2008, o americano Paul Krugman, sustentam que o Brasil de hoje não é um caso típico de país vulnerável a ataques especulativos. Em visita na semana passada à América do Sul, o professor de Princeton concedeu entrevistas a diferentes veículos de comunicação e afirmou que o País não carrega um déficit gigantesco em moeda estrangeira, a situação fiscal é aceitável e a inflação não é significativamente alta. Krugman compara a atual situação econômica brasileira à Grã-Bretanha de 1992, ou seja, quando a moeda se desvaloriza há o aumento imediato de competição e expansão econômica.
Em busca de respostas consistentes sobre o rumo econômico do Brasil e seu reflexo direto na sucessão presidencial, o Jornal Opção ouviu economistas, cientistas políticos e deputados federais com conhecimento de causa em economia, para saber deles de que forma a situação econômica de hoje poderá interferir no resultado das eleições ao Palácio do Planalto. O sucesso nas urnas de Dilma Rousseff, Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PBS) vai depender, ou não, da economia do País?
“O governo perdeu o controle porque a política fiscal se mostra equivocada”

O economista, ex-secretário de Fazenda de Goiás e do Distrito Federal e atualmente deputado federal Valdivino de Oliveira (PSDB) aponta que a inflação será o grande desafio do governo. “O povo quer emprego e preços acessíveis nos supermercados”, diz. Avalia que o Ministério da Fazenda perdeu o controle da inflação porque a política fiscal tem se mostrado equivocada. O tucano diz que o governo federal vem fazendo uma política econômica errada e que por isso vai ter de bater na geração de emprego como tônica para o suceso.
Como a inflação começou a preocupar a classe média ao atingir o patamar de 6% ao ano, tal situação tem deixado o cidadão comum preocupado com a política econômica, o que, inevitavelmente, vai influenciar negativamente o governo nas eleições presidenciais. Por outro lado, o crescimento pífio do PIB e a falta de investimentos visando corrigir o problema vai provocar drástica queda no nível de emprego. “De fato, a estabilidade econômica ajuda no processo eleitoral, mas a instabilidade acaba por prejudicar o resultado nas urnas”, afirma Valdivino de Oliveira.
O parlamentar tucano prevê que mais uma vez a tendência para este ano é de inflação alta. O Brasil teve taxa de 5,93% em 2013 e é possível que se aproxime de 6,3% em 2014. Há também o fator climático que pode trazer alta nos preços dos hortifrutigranjeiros e o valor da carne tenderá a se elevar. “Fatalmente, teremos inflação alta no segundo semestre, coincidindo com o período eleitoral, e isso não será bom para a presidente.”
“O crescimento do PIB é pífio e a euforia desapareceu”

Para o historiador, mestre em Sociologia e doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP), e professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Marco Antônio Villa, o cenário atual é muito diferente daquele de 2010. Ele diz que o crescimento do PIB é pífio e a euforia desapareceu. O cenário é de desânimo e desesperança e deverá ter uma relação direta com as eleições de outubro. O papel do ex-presidente Lula não poderá ser o mesmo no último pleito, no qual ele apresentava a sua candidata à sucessão. “Não é o caso de 2014”, diz.
Marco Antônio Villa defende que não só a economia vai nortear o debate eleitoral. Ele considera que o “blocão” que sustentou Dilma em 2010 rachou, a presidente vai encontrar um cenário difícil no Nordeste, um tradicional reduto petista. “Aquela história de ter em um Estado 80% dos votos, como teve no segundo turno de 2010 é passado e ela deve perder no Sul outra vez”, argumenta.
“O Brasil aposta em rendas futuras e se endivida de maneira perigosa”

Nascido na Bélgica, graduado em Economia e Direito, mestre em Relações Internacionais e doutor em Ciências Políticas, o professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC-GO) Jean-Marie Lambert afirma que o Brasil está apostando em rendas futuras e se endividando de maneira perigosa. Ele exemplifica a aposta do governo no pré-sal, sendo que ninguém sabe ainda o resultado prático da prospecção submarina de petróleo na costa brasileira. “Isto se constitui uma bomba-relógio. O governo está hipotecando o futuro econômico do País numa lógica de confisco de renda”, diz Lambert.
O cientista político lembra que a taxa de atratividade de capital externo do Brasil tem declinado em função da pesada carga tributária. O resultado desta nociva combinação tem sido o fenômeno de fuga de divisas. Na atual conjectura, o investidor internacional descobriu que aplicar no Brasil não proporciona a mesma margem de lucro de economias dinâmicas como as asiáticas Malásia e Singapura. Deste modo, a escassez de investimentos poderá refletir diretamente em desemprego e inflação alta.
Lambert considera que o atual modelo econômico brasileiro vai fazer com que a população mais pobre, que ascendeu à classe média, saia da mesma forma como entrou: sem nada. Segundo ele, o governo segue uma lógica assistencialista que tem custado caro ao erário. “Estão camuflando muitas coisas até as eleições. A corrupção trava o desenvolvimento e isso deverá entrar no debate eleitoral.”
“O governo gasta muito mais do que arrecada”

O empresário Nathan Blanche, sócio-diretor da Tendências Consultoria Integradas, um dos maiores especialistas em mercado cambial do País, avalia que o modelo econômico adotado pelo governo, baseada no nacional-desenvolvimentismo, está dando marcha ré. Há uma baixa confiança dos empresários em investir no Brasil e pouca certeza na condição da política monetária levada a cabo pelo Banco Central. O País vive uma combinação perigosa de pleno emprego, inflação alta e PIB pequeno. “Este é um sinal empírico de que o Brasil está em um beco sem saída”, avalia.
Segundo Blanche, existe um descasamento entre oferta e demanda, o que de imediato reflete no aumento em 50% no déficit de conta corrente. As expectativas pessimistas que abateram a confiança do investidor atinge agora o consumidor. Para o empresário, o Brasil perdeu o bonde da história ao se fechar ao capital estrangeiro e ao elevar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), dobrando as alíquotas para defender o produto nacional.
De janeiro de 2004 a janeiro de 2014, a demanda do varejo cresceu 203,7%. Em compensação, pelo lado da oferta, a produção industrial subiu 121,8%, ou seja, 81,9% a menos. O País precisa importar para suprir a demanda interna. Entretanto, a nova matriz econômica baseada no nacional-desenvolvimentismo não conduzirá o Brasil a uma “argentinização” da economia. Isto porque o País tem instituições mais fortes. “A sociedade brasileira é alérgica a inflação. Em 2013, quando o índice subiu, a popularidade da presidente caiu drasticamente.”
A eleição depende do emprego e do poder de compra do brasileiro

O economista e professor da PUC-GO Jeferson de Castro Vieira considera que o crescimento do PIB para o próximo semestre — período eleitoral — é de 2,5%. O ligeiro crescimento é justificado pelos muitos investimentos em infraestrutura e pelas emendas parlamentares. “Tudo isso acaba mexendo com a máquina pública e, consequentemente, com a economia, que apresenta crescimento”, avalia.
Em relação a influência da situação econômica sobre o destino político do País, ele acredita que a variável mais importante será a questão do emprego. O índice para fevereiro de 2014 foi uma surpresa. O previsto era de 100 mil novos empregos. Agora serão 260 mil postos de trabalho gerados no mês. A eleição vai depender da oferta e da manutenção dos postos de trabalhos ocupados, já que este é um dos termômetros do poder de compra do brasileiro. “Se o governo conseguir segurar a taxa de emprego e frear a inflação, acabará sendo beneficiado na campanha eleitoral”, afirma Jeferson de Castro.
Contrariando a análise de outros especialistas ouvidos por esta reportagem, o economista aponta que o Brasil ainda é um dos destinos preferidos de investidores estrangeiros, sendo o quarto maior destino do mundo. Ele justifica que o País é a sétima maior economia do planeta e ostenta um vasto mercado consumidor, apesar do crescimento do PIB ser abaixo do que o governo desejaria. “Há estas contendas que geram curto-circuito no mercado financeiro, e acabam provocando uma ideia de que está muito ruim.”
Opinião – A situação não é tão ruim
O futuro do Brasil não é tão sombrio como parece. Mesmo com o PIB pífio e inferior aos demais países emergentes, a média de crescimento do país é superior ao da década de 90, quando o brasileiro esteve mergulhado numa verdadeira bagunça cambial e a galopantes taxas de inflação. Portanto, o País está melhor, e não pior. É um erro tomar por base o humor do mercado. Prova disto é o nível de endividamento do brasileiro com aceitáveis níveis de inadimplência. O que se nota é uma antecipação do debate eleitoral e uma voraz ânsia em politizar o momento econômico.
É fato que o País precisa de mais investimentos do setor privado, e a máquina pública deve controlar os gastos. Faz-se necessário a existência de uma política voltada para pesquisas e desenvolvimento de novas tecnologias. Mas para isto o governo precisa investir maciçamente em Educação, especialmente na de base. Precisamos de mais polos de pesquisas e parques tecnológicos. Tais medidas poderiam diversificar as exportações brasileiras nas próximas décadas, já que hoje são baseadas em commodities. Se hoje somos campeões em exportação de soja, precisamos objetivar a dianteira do comércio internacional de microchips, microprocessadores, computadores e maquinários robóticos para indústrias.
Reformas importantes, como a tributária e política, não podem mais ser postergadas. A classe produtiva brasileira é castigada com uma das mais altas cargas tributárias do mundo. O governo precisa destravar as obras de infraestrutura, como a modernização de aeroportos, portos e a construção e recuperação da malha viária e ferroviária. A logística para escoar a produção brasileira ainda é um entrave que compromete seriamente a competitividade do País frente as demais economias dinâmicas. Ao sanar as mazelas estruturais do País, os alimentos serão barateados, a inflação vai contrair, novos investimentos internacionais serão atraídos, a oferta de empregos crescerá e o PIB vai voltar a subir com mais força e consistência.