Substituto de Ana Carla Abrão no comando da Sefaz se diz keynesiano e adepto de política mais compromissada com o social

Economista Fernando Navarrete, futuro secretário da Fazenda: “Minha vocação smpre foi de servir, ajudar na mediação dos problemas” | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
Economista Fernando Navarrete, futuro secretário da Fazenda: “Minha vocação smpre foi de servir, ajudar na mediação dos problemas” | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

Cezar Santos

O economista e advogado José Fernando Navar­rete Pena será o titular da Secretaria da Fazenda de Goiás (Sefaz-GO) daqui a algumas semanas, em substituição à economista Ana Carla Abrão, que deve voltar para a iniciativa privada em São Paulo. Ele vai deixar a presidência da CelgPar (holding com duas subsidiárias: Celg D e Celg GT) para assumir a nova função de cuidar da chave do cofre estadual.

Fernando Navarrete não gosta (ainda) de falar sobre a missão que lhe aguarda. Na quinta-feira, 27, ele recebeu o repórter em seu gabinete na Celg Distribuição, no alto do Jar­dim Goiás, e, ao ser perguntado so­bre como vê a situação das finanças do Estado, no quadro de crise econô­mica nacional, e como avalia a condução dessa área por Ana Carla, respondeu:

— Vou ser muito sincero, recebi o convite do governador Marconi Perillo para assumir a Sefaz. Conversamos muito e aceitei o desafio, porque sou um homem de equipe e de governo. Paro por aqui minha manifestação, porque não sou secretário ainda. Por enquanto, sei que vai ser um desafio e confio em levar adiante a minha missão.

Quanto ao trabalho de Ana Car­la, Navarrete se limitou a dizer que, naquilo que pode acompanhar, por sinergia ou necessidade no que diz respeito à Celg, ela sempre foi muito companheira sua e dos interesses da empresa. “Além disso não posso dizer, porque meu mundo é Celg, sou presidente da Celg, vivo a Celg.”

O repórter insiste — Então, a missão dada foi a de cuidar do caixa do Estado; e qual será o grande desafio nessa nova missão? — e o entrevistado “morde (um pouquinho) a isca”:
— Acho que o desafio maior diz respeito à equação que acaba batendo lá no caixa, realmente, já que temos de trabalhar receita e despesa. Mas, não sou um economista neoliberal, então, mesmo num quadro de crise que é muito além do Estado de Goiás, no que eu puder ampliar a atuação da Sefaz no sentido de maior capacidade para os compromissos sociais, eu farei, certamente com o apoio do governador. Prefiro isso a uma visão puramente neoliberal preocupada em garantir superávits e coisas assim.

Mesmo falando pouco, a declaração deixa entrever que haverá uma mudança de filosofia, digamos, na Sefaz, a partir da posse de Fernando Navarrete. Certamente, a secretaria será comandada com mesma determinação com que ele tem atuado na Celg, desde 2011, quando ingressou no serviço público, a convite de Marconi Perillo.

Fernando conta que chegou a participar intelectualmente na campanha do terceiro mandato do governador, em 2010. “Eu tinha a curiosidade de viver e sentir a gestão política a partir da visão de quem está lá como gestor público. Foi esse espírito de colaborar e construir a partir do interesse público, e não a visão do privado, que é sadia quando é legítima nas postulações que tem com o poder público. A visão que eu queria era outra, era do lado de lá. Esse foi o espírito que me levou a aceitar o convite do governador.

Fernando conta que foi sabendo das enormes dificuldades da Celg. E foi um choque. Quem nunca viveu esse universo do setor público, diz, se depara com enormes dificuldades para realizar, há muitas amarras legais, burocráticas, muitos interesses.

— Então, tem de aprender a ir costurando tudo isso com paciência, com seriedade, com integridade, com retidão. E muitas vezes desagradando, para no final poder entregar aquilo pelo qual se está naquela função, ou seja, algo útil para sociedade.

Caótico

Fernando Navarrete conta que no primeiro momento se sentiu num mundo diferente, caótico, diferente do que ele vivia na iniciativa privada. A situação era extremamente complexa, mas dois fatores lhe valeram muito.

— A equipe que reuni na Celg era extremamente competente e dedicada — aliás, a Celg tem um corpo técnico muito competente — e, tenham sido muitos ou poucos os erros e os acertos, sempre tive muita liberdade por parte do governador do Estado. Com ele participei questões graves, mas nunca tive dele nada além do norte, porque é uma pessoa interessada, e extrema colaboração, ativa e presente. Eu tive liberdade para trabalhar.

Venda das ações da Celg foi o momento marcante

Passado o choque inicial, havia que enfrentar os desafios, porque a Celg era e é uma empresa muito complexa. Navarrete conta que a passagem que mais lhe marcou, inesquecível — um momento em que se percebe a diferença entre quem governa e quem tem visão de Estado —, foi num andar no Ministério de Minas e Energia, em Brasília, no final de 2011.

— O então secretário Simão Cirineu (Sefaz) e eu, que era diretor financeiro da Celg D, indo conversar com o governador Marconi Perillo num corredorzinho, sobre a decisão de federalização da Celg à razão de 49 e 51% das ações. Era uma decisão difícil de tomar. Aquilo me marcou muito, muito mesmo. E preparar o caminho de reestruturar a Celg que desaguou na assinatura da transferência das ações para a Eletrobrás também foi um momento que me marcou demais.

Mas nesse meio tempo muita coisa aconteceu. O discurso de que o acordo que o governo de Alcides Rodrigues tinha feito com a União era muito forte. Fernando Navarrete conta tiveram de desconstruir aquele discurso. Até por que, na verdade, nunca existiu efetivamente um acordo de Alcides, os documentos sobre isso são precários e sumários e não levam à conclusão de nenhum acordo.

Ele lembra que tratativas sim, de fato existiram no governo Alcides, mas eram muito piores que o acordo dos 49%-51%. “Se diz que a Eletrobrás assumia um porcentual da Celg, mas não mudava em nada a participação dela, continuava zero e alguma coisa, mas tomava para ela toda a administração da empresa. Então, sem compromisso nenhum com o passivo da Celg, a Eletrobrás passava para dentro da empresa, mandando, priorizando apenas o que a Celg devia a ela, sem nenhuma garantia de efetiva recuperação da nossa empresa, porque não era esse o interesse que prevalecia naquela negociação.”

Já o acordo que o governo Marconi fechou, dos 49%-51%, foi mantido o direito de controle no caso de alienação. “Veja que a Eletrobrás não pode negociar nada com a Celg sem ter a participação do Estado. Então, mesmo tendo perdido, no papel, 2% das ações de controle, no acordo nós não perdemos valor de controle. Tivermos de fazer esse caminho, desconstituir o discurso do Governo Alcides em relação ao nosso acordo.”

E houve outro discurso a ser desconstituído — que aliás, ainda há —, o do senador Ronaldo Caiado (DEM), que sempre depreciou as ações do governo Marconi Perillo na Celg. Navarrete conta que esse também foi um momento importante para ele, de muitas dificuldades.

— Debati com Caiado duas vezes: uma na Câmara dos De­putados e outra no Senado. Ele, como senador, tem a legitimidade e compromisso com os eleitores dele e com Goiás, reconheço. Mas eu sempre disse a ele, ‘senador, talvez o senhor peque por informações equivocadas de sua assessoria’. Mas como o discurso dele é político, eu nunca quis entrar nessa discussão política da Celg, não me deixei levar por isso.”
Em resumo, Fernando Na­varrete reforça, foram esses dois momentos os mais marcantes para ele: quando se decidiu federalizar a Celg tendo de abrir mão dos 51% e a efetiva entrega desse controle.

Mas, e agora, depois de uma tentativa frustrada, o leilão da Celg sai mesmo?

Fernando Navarrete fala com total convicção: “Vai ser um sucesso esse leilão. Um grupo vai adquirir a Celg e estávamos tão certos na caminhada que a empresa tomou, desde que assumimos em 2011, que o cidadão consumidor de Goiânia e de Goiás vai notar como ficará melhor a companhia daqui a um ano. Todos vão perceber isso.”

Mas ele não esquece que a dificuldade foi advinda do que fizeram com a Celg entre 2006 e 2010. Segundo ele, foi um absurdo.

— E não falo porque isso coincide com o Governo Alcides, não falo de venda de Cachoeira Dou­rada. Essa discussão mais política do passado eu deixo de lado. Mas o fato é que pegamos a Celg em 2011 com R$ 7 bilhões de passivo. E imaginar que o setor público pode reverter isso e entregar para a comunidade um serviço ao qual ela merece, é impossível. O que fizeram com a Celg antes do terceiro mandato do governador Marconi Perillo é grave. Foi uma série de erros de gestão que redundou nesse passivo que inviabilizou a empresa.

Quem é José Fernando Navarrete Pena?

Um homem de 53 anos, alto, de voz grave, muito educado, afável, brincalhão daqueles que não perdem a oportunidade de “zoar” os colegas de trabalho — diretor de gestão corporativa da Celgpar, o gentleman Elie Chidiac é uma das vítimas preferidas de suas gozações. Esse descendente de espanhóis quase nasceu no navio que trazia a família — os pais; a avó; a irmã de 2 anos; e ele, no útero da mãe — para o Brasil, em 1963, com destino a Aná­polis. Desembar-caram no Rio e vieram para Goiás numa Kombi.

O início de vida do pequeno Fernando foi dramático. Ele conta o que lhe contaram: “Atravessei na barriga de mamãe e nasci a fórceps [com auxílio de instrumentos cirúrgicos], vim todo ‘queimadinho’; no risco de morrer, minha mãe chegou a receber a extrema unção. Foi uma coisa chocante.”

A família veio em busca de oportunidades, já que a Es­panha sofria uma forte crise advinda da guerra civil [1936 a 1939, com a vitória dos militares e a instauração de um regime de caráter fascista, liderado pelo general Francisco Franco] e tinha vivido uma ditadura que perdurou até os anos 1970. O país se fechou muito dentro da Europa para a comunidade democrática e o resultado foi muita pobreza na Espanha.

— O então governador de Goiás, Mauro Borges, visita a Espanha e conhece meu pai, convidando-o a ir para Anápolis para lecionar na faculdade. Em Anápolis já estava o tio Paschoal, que depois viria a dirigir a Encol. Ele nos recebeu, moramos num barracão de fundo da casa dele. Havia mais um tio, Miguel.

Primeiro ano de vida em Anápolis e depois a família veio para Goiânia. Já são três irmãos, com o mais novo, nascido na capital. A alfabetização de Fer­nando foi no Colégio Assunção [da Igreja Católica]. “Sempre fui um menino ‘sapequinha’. Destruí a hora das freiras (risos). Depois fui para o Colégio Agostiniano. Minha educação básica se deu em escolas religiosas católicas.”
Presta dois vestibulares, para Direito na UFG e para Eco­no­mia na UCG. Direito, diz, porque sempre gostou de estar onde está alguém que precisa de outra pessoa para ajudar a resolver os problemas. A Economia foi pelo pai, que é economista.

Concluído o curso de Econo­mia, casado — foram 22 anos entre namoro e casamento na primeira relação conjugal. Aos 35 anos de idade, Fernando resolve voltar ao curso de Direito, pede a vaga de volta, sem sucesso — tinha sido jubilado. Novo vestibular na Federal. “Lembro que com 16 anos tinha derrubado 13 ou 14 por vaga, e dessa vez, sem estudar, derrubei 26 ou 27 por vaga. Concluí meu curso de Direito bem mais velho.”

Uma história de amor

Em 2003, Fernando Navarrete se divorcia. Mas não há tempo para solteirice. Aos 40 anos, ele se separa em março e reencontra Ivana Farina [procuradora de Justiça de Goiás, que neste ano assumiu a presidência do Conselho Nacional de Direitos Humanos-CNDH]. “De­pois de um namoro super-hiperrápido nos casamos em junho. Os amigos dizem que sou a vitória da esperança sobre a experiência. Meu pai disse que meu filho Rogério é 25ª hora, pois ele veio com Ivana aos 41 anos, uma idade muito difícil para mulher engravidar.”

Ivana Farina foi um amor platônico desde a faculdade, um amor adolescente que se realizou aos 40 anos. “Nunca pegamos na mão um do outro até namorarmos. A minha admiração por ela nasceu lá. Nós nos vimos pela primeira vez no Centro Acadêmico da Faculdade de Direito de manhã, no intervalo, jogando truco. Ela batendo em todo mundo e ninguém “peitando”. Entrei na mesa e já a “peitei” de cara. Aquilo já deu um climazinho de enfrentamento. De noite, entro na sala de aula, e quem está lá? Ivana, que me pergunta o que eu estava fazendo ali. “O mesmo que você, uai, estudando”, respondi.

Fernando lembra que eles ficavam muito tempo sem se ver. Ele aparecia apenas quando tinha alguma notícia dela, para cumprimentá-la. E também quando sabia que ela estava namorando, para azarar. “E azarei uns dois namorados, garanto (risos). Eu casado, como se tivesse direito! Nossa relação foi de total respeito a vida inteira, sem nem pagar na mão. Mas quando eu me divorciei, aí foi um amor muito intenso. Nos casamos e temos um filho lindo, o Rogério. Eu sou feliz em poder fazê-los felizes.”

Casado com Ivana, ele manifesta a vontade de conhecer o governador Marconi Perillo mais proximamente. O tucano foi convidado ao casamento, não pôde ir na celebração religiosa (a primeira-dama Valéria foi), mas esteve na recepção. “Foi o nosso primeiro contato. Nos encontramos mais umas três vezes e, em 2011, veio o convite para eu integrar a equipe dele, assumindo a Diretoria Financeira da Celg Distribuição”, conta.

Sua entrada na gestão pública e na política em sentido mais amplo nasce, portanto, do contato familiar com o governador, que foi colega de Ivana no segundo grau. “E nessa missão, Marconi conversou com dois grandes amigos meus, Vilmar Rocha e o então senador Cyro Miranda, que chancelaram meu nome na escolha pessoal do governador.”

Fernando contra que sempre teve a vocação de atuar em mediação, em resolução de conflitos, tanto que no Direito sempre exerceu a advocacia familiarista, uma especialidade difícil, custosa, sofrida. “Mui­tos divórcios geram traumas, filhos não são preservados nessas separações e a mediação é muito importante.”

Economia

Fernando Navarrete atuou na cátedra, na Faculdade Anhan­guera (hoje UniAnhanguera), em aulas de Teoria Econômica e Economia Brasileira. Também na pós-graduação na então Universidade Católica de Goiás (UCG), turma de Sociologia. ”A Economia nos é muito útil ao nos dar conceitos genéricos e macroeconômicos que nos ajudam a perceber o contexto da realidade econômica. Minha vida profissional encaminhou entre assessoria e atividade empresarial e depois advocacia.”

Fez seu mestrado em Eco­nomia no final dos anos 1990, parte em Madri e parte em Bruxelas (Bélgica). Morou um ano e meio na Europa. Ele fala fluentemente espanhol e inglês, mas com conhecimentos básicos de francês e italiano, até por causa do curso de mestrado.

— Como já disse, minha vocação é de atender. E também tenho uma veia política muito enraizada, desde pequeno, papai sempre estimulou o debate político na família. Recebíamos muito amigos para falar de política. Meu pai colaborou coordenando o plano de governo de Irapuan Costa Junior. Publiquei meu primeiro artigo aos 15 anos de idade, no jornal “O Popular”, eu tinha acabado de ler Aldous Huxley [1894-1963, escritor inglês], “Admirável Mundo Novo”, e escrevi o texto “Ad­mirável Mundo Nosso”.

Essa sensibilidade com o social e com o político Fer­nando enfatiza: “Sempre tivemos de berço. E a necessidade também nos faz ser solidários, porque quando se cresce junto com o outro, você aprende o quanto o outro é im­portante para você.”

Preferências

Hobby
Gostava de jogar xadrez. Perdi meu grande parceiro de xadrez há alguns anos, o padre Luiz Palacin [1927-1998, espanhol que se radicou em Goiânia], talvez o melhor amigo que já tive. Após a morte dele, fui deixando o xadrez de lado. Hoje meu hobby é curtir a família mesmo. Somos uma família pequenininha, acho bonito.

Cinema
Adoro. Gosto de cinema mais cult, que mostre o humano convivendo com os nossos conflitos e dramas. Mas gosto de aventura, tudo. O último filme que vi no cinema foi “Aquarius”, com Sônia Braga, me fez lembrar de muitas coisas de minha juventude, postulações, etc. “Aquarius” tem um quê de panfletário, mas neste momento que o país passa, é explicável.

Livro
O último livro que li, foi uma releitura — por favor, não ria de mim —, do “Pequeno Príncipe”, até por causa do meu filho Rogério. Sou um leitor de banheiro, leio de tudo.

Teoria econômica
Me declaro keynesiano. Acho que o Estado tem de ter a intervenção necessária na economia, deixar a economia solta não é bom. Sei que essa visão sofre crítica, mas não vou mudar. Acho que é necessária a intervenção do Estado na economia, sobretudo nas áreas que são necessariamente de Estado, não se pode abrir mão disso.

Esporte
Gosto de tudo. Tem esporte na TV, vemos tudo, ciclismo, natação. Esporte é saudável. As pessoas deveriam praticar esporte. Sou atleticano, meu filho é atleticano e a Ivana torce para o Goiás. No jogo do Atlético contra o Criciúma, estávamos lá, o Rogerinho foi filmado tirando a camisa e o frio estava em 15 graus (risos).

Cultura
Cultura é vida. As pessoas deveriam tocar um instrumento musical. A vida sem degustação cultura é sem graça. E o Estado tem de promover a cultura. Tenho sobrinho roqueiro, já o presenteei com guitarra. Gosto de cultura desde pequeno. Quem vive no berço da cultura vive o social e o cultural. Meu melhor amigo era o Luiz Palacin.

Música
Sou fissurado no rock’n roll dos anos 60, tenho coleção. Beatles é o máximo, mas curto tudo. Uma das coisas que me deixou triste é que na saída do meu primeiro casamento, deixei para trás toda a minha coleção.